Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0045272-37.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Guarulhos

Objeto: Lei nº 6.801, de 14 de fevereiro de 2011, do Município de Guarulhos

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 6.801/11, do Município de Guarulhos, que “dispõe sobre a realização de campanha permanente ‘Lixo no Lixo e a Cidade no Capricho’ e dá outras providências”. Projeto de vereador. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Aumento de despesa sem indicação da fonte de custeio (art. 25 e 176, I, CE). Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 6.801/11, do Município de Guarulhos, que “dispõe sobre a realização de campanha permanente ‘ Lixo no Lixo e a Cidade no Capricho’ e dá outras providências”.

Noticia-se que a lei decorre de projeto de Vereador e que, por meio dela, a Câmara Municipal estaria praticando ato de gestão, incompatível com a sua vocação constitucional. De outro giro, a norma geraria despesas sem indicar os recursos disponíveis para custear o programa instituído. São indicados como violados os artigos 5º; 25; 47, II e XIV e 176, I, da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 43).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada (fls. 47).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 57/63).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei em análise foi concebida pelo Vereador Eduardo Kamei Yukisaki com o intuito de realizar campanha permanente destinada a estimular a população a jogar lixo no lixo (art. 1º).

Pelo ato normativo também foi determinado que a campanha far-se-á mediante a veiculação na mídia de um modo geral, e a distribuição e afixação de impressos informando os malefícios que o lixo que é jogado nas ruas pode trazer à população (art. 2º).

Referidos impressos, além de serem distribuídos à população, deverão ser afixados em locais de grande circulação (art. 3º).

Além disso, foi estabelecido que o Poder Executivo, através de seus departamentos competentes, disponibilizará à população lixeiras em quantidade suficiente para suprir suas necessidades, visando incentivar e facilitar a colocação do lixo no lixo (art. 4º).

Cuida-se, como se vê, de iniciativa que, embora inspirada em elevados propósitos, configura, como afirmado na inicial, a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita comando que configura, na prática, ato de gestão executiva.

É o que ocorre quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, em verdadeiro desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art. 5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art. 2º da Constituição Federal. Há também não observância do disposto no art. 47, incs. II e XIV da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão do Município – afeta ao Prefeito – e que abrange o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo.

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ª ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Na Lei nº 6.801/11, do Município de Guarulhos, a pretexto de legislar, a Câmara Municipal editou verdadeiro ato de gestão administrativa, ao se imiscuir na forma de execução de serviço público essencial, no caso o da limpeza urbana.

Não só dispensável, como inviável se mostra a deliberação legislativa nessa matéria, mormente quando verificado que a iniciativa para a edição da lei partiu de parlamentar. Aquilo que a regra determina para a Administração Pública é algo que se encontra, precisamente, no âmbito da atividade executiva.

Cabe à Administração estabelecer, mediante critérios de conveniência e oportunidade, a forma de divulgação de campanhas para estimular a população a jogar lixo no lixo, bem como, a definição dos locais apropriados para colocação de lixeiras à disposição da população.

Também procede o argumento de que a lei aumenta a despesa corrente do Município, na medida em que a veiculação da mencionada campanha na mídia, a confecção de panfletos educativos e, ainda, a disponibilização de lixeiras à população, geram aumento de despesas sem a indicação da fonte, o que se incompatibiliza com as disposições dos artigos 25 e 176, inc. I, da Constituição Bandeirante.

Sobre o tema, sabe-se que esse Sodalício tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que infringem referidos comandos:

LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 6.801/11, do Município de Guarulhos, que dispõe sobre “a realização de campanha permanente “Lixo no Lixo e a Cidade no Capricho” e dá outras providências”.

 

São Paulo, 1º de agosto de 2011.

                                    

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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