Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0046580-11.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto: Lei Municipal nº 8.217, de 30 de novembro de 2000, de São José do Rio Preto.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 8.217, de 30 de novembro de 2000, de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que, conforme respectiva rubrica “proíbe o protocolo de projeto de lei que altere a Lei de Zoneamento sem a expressa concordância da Associação de Bairro envolvida”.

2)      Inconstitucionalidade reconhecida. Ofensa ao princípio da independência e autonomia do Poder Legislativo, à sua competência constitucional para legislar, e ainda à iniciativa legislativa do Poder Executivo e dos integrantes do Poder Legislativo.

3)      Disposições da Constituição do Estado que reproduzem preceitos contidos na Constituição Federal, caracterizando-se como princípios nesta estabelecidos (art. 5º, art. 19, art. 144, todos da Constituição Paulista; art. 2º, art. 30, I, II, VIII, art. 48, e art. 61, todos da Constituição Federal).

4)      Parecer no sentido da procedência da ação.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo como alvo a Lei Municipal nº 8.217, de 30 de novembro de 2000, de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que, conforme respectiva rubrica, “proíbe o protocolo de projeto de lei que altere a Lei de Zoneamento sem a expressa concordância da Associação de Bairro envolvida”.

Foi indeferido o pedido de liminar para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 24/25).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa para o ato normativo (fls. 44, 50/51).

A Câmara Municipal apresentou informações (fls. 53/60).

É o relato do essencial.

A Lei Municipal nº 8.217, de 30 de novembro de 2000, de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que, conforme respectiva rubrica, “proíbe o protocolo de projeto de lei que altere a Lei de Zoneamento sem a expressa concordância da Associação de Bairro envolvida”, tem o seguinte teor:

“(...)

Art. 1º. Fica vedado o protocolo de projeto de lei que vise à alteração da Lei de Zoneamento, referente à mudança de Zona, sem a concordância expressa da Associação de Moradores dos respectivos bairros, cujo documento autorizativo deverá ser anexado ao projeto antes de ser protocolado.

Parágrafo único. As discussões sobre o projeto a ser apresentado, previstas no caput deste artigo, ficarão a cargo das Associações de Moradores dos respectivos Bairros, legalmente constituída, através de audiências públicas amplamente divulgadas.

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)”

No diploma em exame é manifesta a ofensa ao princípio da independência e autonomia do Poder Legislativo, à sua competência constitucional para legislar, bem como à iniciativa legislativa do Poder Executivo e dos integrantes do Poder Legislativo.

Todos esses parâmetros de controle estão fundados em dispositivos da Constituição do Estado que reproduzem preceitos da Constituição Federal, bem como configuram princípios nesta estabelecidos (art. 5º, art. 19, art. 144, todos da Constituição Paulista; art. 2º, art. 30, I, II, VIII, art. 48, e art. 61, todos da Constituição Federal).

A questão é absolutamente objetiva e clara, com a devida vênia.

O ato normativo que pura e diretamente proíbe a apresentação de projetos de lei, revela cerceamento à autonomia e independência do Poder Legislativo, que se concretiza, diariamente, nas iniciativas legislativas de seus membros (art. 5º da Constituição Paulista; art. 2º da Constituição Federal).

De outro lado, o obstáculo normativo contido na norma infraconstitucional, ao exercício da competência constitucional fundamental do Poder Legislativo, ou seja, o exame das iniciativas legislativas, também revela menosprezo pela competência constitucional deste Poder, que consiste, precisamente, em editar leis (art. 19 da Constituição Paulista; art. 30, I, II, VIII e art. 48 da Constituição Federal).

Há nítido ferimento, ademais, à iniciativa legislativa do Poder Executivo e dos integrantes do Poder Legislativo, que também se assenta como princípio constitucional estabelecido, com as ressalvas das exceções previstas no próprio texto constitucional (art. 61 da Constituição Federal).

Em síntese, impedir indevidamente o Poder Legislativo de legislar, significa violar sua autonomia e desconsiderar sua competência constitucional para o exercício de função típica, o que implica manifesta ofensa a princípios estabelecidos na Constituição da República (art. 144 da Constituição Paulista).

Não há dúvida de que o planejamento prévio, e a participação popular, são absolutamente necessários, em conformidade com a Constituição do estado de São Paulo, quando se trata de edição de leis referentes ao uso, parcelamento e ocupação do solo (art. 180, II, e art. 181, § 1º, ambos da Constituição Paulista).

É rematado equívoco, entretanto, condicionar a aprovação ou apresentação de projetos de lei nessa matéria à prévia concordância de associações de moradores.

Note-se que é expressamente essa condição que se encontra fixada no art. 1º da Lei Municipal nº 8.217, de 2000, de São José do Rio Preto, que consigna que “fica vedado o protocolo de projeto de lei que vise à alteração da Lei de Zoneamento, referente à mudança de zona, sem concordância expressa da Associação de Moradores dos respectivos bairros...”.

Ora, a Constituição do Estado exige participação popular e planejamento quanto à legislação de uso e ocupação do solo (art. 180, III, e art. 181, § 1º).

Isso não significa, entretanto, que iniciativas nessa matéria não possam ser aprovadas, ainda que contra a manifestação de grupos representativos da coletividade. O que se exige é a oitiva da população (participação popular) relativamente a projetos de lei relacionados ao tema. Tal exigência não se equipara, entretanto, à indicação de que a “aprovação prévia de uma Associação de Moradores” possa ser guindada ao status de condição prévia para a tramitação do projeto ou para sua aprovação.

Basta concluir que, fosse legítima, em perspectiva constitucional, a previsão impugnada na presente ação direta, isso poderia significar, na prática, a instalação da prevalência autoritária de uma minoria de interessados em detrimento do interesse público e geral.

Afinal, embora as associações e entidades representativas sejam fundamentais no contexto da participação popular, nem sempre representam elas a vontade da maioria, ou a posição mais legítima do ponto de vista constitucional, ou mesmo a melhor solução contextualizada com o interesse público.

Mutatis mutandis, a respeito da impossibilidade de restrições normativas à iniciativa legislativa, dada sua inconstitucionalidade, o Col. STF já decidiu:

“(...)

O constituinte estadual não pode estabelecer hipóteses nas quais seja vedada a apresentação de projeto de lei pelo chefe do Executivo sem que isso represente ofensa à harmonia entre os poderes. (ADI 572, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 28-6-2006, Plenário, DJ de 9-2-2007.)

(...) 

Processo legislativo dos Estados-membros: absorção compulsória das linhas básicas do modelo constitucional federal entre elas, as decorrentes das normas de reserva de iniciativa das leis, dada a implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos poderes: jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal. (ADI 637, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 25-8-2004, Plenário, DJ de 1º-10-2004.)

(...)”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 8.217, de 30 de novembro de 2000, de São José do Rio Preto.

São Paulo, 22 de novembro de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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