Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0048701-12.2011.8.26.000

Requerente: Prefeito Municipal de Teodoro Sampaio

Objeto: Inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 49 da Lei Complementar Municipal 60, de 2010, de Teodoro Sampaio

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 49 da Lei Complementar Municipal 60, de 2010, de Teodoro Sampaio.

2)      Limites ao poder de emenda parlamentar em projetos de lei de iniciativa do Executivo (art. 25, § 5º da Constituição do Estado). Precedentes do STF.

3)      Autonomia dos Municípios. Princípio federativo. Impossibilidade de vinculação dos vencimentos dos servidores municipais a servidores estaduais (art. 144 da Constituição do Estado). Precedentes do STF.

4)      Processo objetivo. Causa de pedir aberta. Possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial.

5)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Teodoro Sampaio, tendo como alvo o parágrafo único do art. 49 da Lei Complementar Municipal 60, de 2010, de Teodoro Sampaio.

Noticia o requerente que apresentou projeto de lei de sua iniciativa reservada, com a finalidade de criar nova disciplina relativamente ao Plano de Carreira e ao Estatuto do Magistério Municipal de Teodoro Sampaio.

Ocorre que foi aprovada emenda ao mencionado projeto, por força da qual foi alterada a previsão referente à remuneração dos integrantes de determinada classe do magistério municipal.

Alega, assim, a ocorrência de inconstitucionalidade, com fundamento na violação do princípio da separação de poderes.

Foi concedida liminar, determinando-se a suspensão do dispositivo legal impugnado (fls. 193).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativa ao dispositivo impugnado (fls. 201, 203/204).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 206/212).

É o relato do essencial

O parágrafo único do art. 49 da Lei Complementar Municipal 60, de 21 de dezembro de 2010, de Teodoro Sampaio, que “dispõe sobre Plano de Carreira e o Estatuto do Magistério Municipal de Teodoro Sampaio e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 49...

Parágrafo único. Fica assegurada aos integrantes das classes do Quadro de Magistério Municipal elencados nos incisos I ao V deste artigo, remuneração não inferior àquela recebida pelos profissionais que ocupem os mesmos cargos no Quadro do Magistério Estadual.

(...)”

O projeto, originado do Poder Executivo por se tratar de caso de iniciativa reservada (art. 24, § 2º, n. 4, da Constituição do Estado; art. 61, § 1º, II, c, da CR), não continha tal regra (fls. 28), que foi acrescentada por emenda parlamentar que acabou sendo vetada (fls. 76/79), veto este que acabou sendo afastado (fls. 80).

Resta saber se há ou não incompatibilidade entre o dispositivo questionado e o ordenamento constitucional.

E, com a devida vênia a entendimento diverso, acreditamos que a inconstitucionalidade deva ser reconhecida por dois motivos.

O primeiro consiste na não observância dos limites ao poder de emenda parlamentar nos projetos de iniciativa reservada do Poder Executivo, nos termos do art. 24, § 5º, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 63 da Constituição da República).

Parlamentares podem apresentar emendas aos projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo, desde que não haja aumento de despesa, ressalvados os remanejamentos constitucionalmente autorizados nos projetos de leis orçamentárias.

É pacífico, nesse sentido, o entendimento do Col. STF quanto à inconstitucionalidade de emendas parlamentares que provoquem aumento de despesa em projetos de iniciativa reservada do Chefe do Executivo. Confira-se:

“(...)

Art. 34, § 1º, da Lei estadual do Paraná 12.398/1998, com redação dada pela Lei estadual 12.607/1999. (...) Inconstitucionalidade formal caracterizada. Emenda parlamentar a projeto de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo que resulta em aumento de despesa afronta os arts. 63, I, c/c 61, §1º, II, c, da Constituição Federal. (ADI 2.791, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16-8-2006, Plenário, DJ de 24-11-2006.) No mesmo sentido: ADI 4.009, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 4-2-2009, Plenário, DJE de 29-5-2009.  

  (...)

Processo legislativo: projeto do Governador, em matéria de iniciativa reservada ao Poder Executivo, aprovado com emendas de origem parlamentar que – ampliando o universo dos servidores beneficiados e alargando os critérios da proposta original – acarretaram o aumento da despesa prevista: inconstitucionalidade formal declarada. (ADI 2.170, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 17-8-2005, Plenário, DJ de 9-9-2005.) No mesmo sentido: ADI 1.124, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-3-2005, Plenário, DJ de 8-4-2005.

(...)”

Em síntese, é inconstitucional o dispositivo impugnado, por ofensa ao art. 24, § 5º, da Constituição do Estado.

Mas não é só.

O dispositivo impugnado atrela os estipêndios dos professores municipais aos integrantes do magistério do Estado de São Paulo, fazendo-o ao prever para eles “remuneração não inferior àquela recebida pelos profissionais que ocupem os mesmos cargos no Quadro do Magistério Estadual”.

A inconstitucionalidade, nesse passo, revela-se pela ofensa à autonomia municipal, prevista no art. 144 da Constituição do Estado, que determina a aplicação aos Municípios dos princípios estabelecidos na Carta Estadual e na Constituição da República, e decorre diretamente do princípio federativo, assentado na Constituição da República nos artigos 1ª, 18 e 29.

Note-se: ao atrelar a remuneração dos professores do Município aos do Estado, a lei provocará automaticamente aumentos nos estipêndios daqueles, independentemente de qualquer deliberação no âmbito local, em função da concessão de majorações aos servidores estaduais.

Essa situação revela, nitidamente, violação da autonomia do Município, e consequentemente do pacto federativo.

Há muito essa questão foi examinada pelo Col. STF, que editou a súmula 681, que, mutatis mutandis, consolida a necessidade de respeito à autonomia dos entes federativos no que diz respeito ao regime jurídico de seus servidores:

“(...)

Súmula 681: É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária.

(...)“

No mesmo sentido há julgados do Col. STF, indicando a impossibilidade de vinculação remuneratória de servidores de entidade federativa aos parâmetros de outro ente da federação:

“(...)

A regência dos vencimentos dos servidores estaduais decorre de normas do próprio Estado. Não cabe, sob o ângulo da isonomia, acionar legislação federal. (RE 459.128, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 7-4-2009, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009.) Vide: RE 177.599, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-8-1994, Primeira Turma, DJ de 20-4-1995

(...)

Reajustes automáticos. Despesa de pessoal vinculada a indexador decretado pelo governo da União. Ofensa a autonomia dos Estados-membros. (ADI 287-MC, Rel. Min. Célio Borja, julgamento em 21-6-1990, Plenário, DJ de 7-5-1993.) No mesmo sentido: RE 160.920-AgR, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 9-4-2002, Segunda Turma, DJ de 17-5-2002; AO 258, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 2-8-1995, Plenário, DJ de 16-2-2001; AO 284, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 2-8-1995, Plenário, DJ de 25-8-1995

(...)”

Assim, inconstitucional o dispositivo impugnado, por ofensa ao art. 144 da Constituição do Estado.

Vale lembrar, por último e não menos importante, que a abertura da causa de pedir, nas ações diretas, permite o reconhecimento da inconstitucionalidade por fundamento distinto daquele que foi apontado na inicial, não havendo obstáculo algum para o acolhimento da ação pelos motivos indicados neste parecer.

A ação direta estadual é processo objetivo de verificação da incompatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado. Por essa razão é possível aferir-se a ilegitimidade constitucional do ato normativo impugnado à luz de preceitos e fundamentos constitucionais estaduais não mencionados na petição inicial.

Adota-se, nesse passo, a denominada “abertura da causa de pedir” no controle concentrado de constitucionalidade.

A propósito, anota Juliano Taveira Bernardes que no processo objetivo, “Segundo o STF, o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente, pois abarca todas as normas que compõe a Constituição Federal. Daí, a fundamentação dada pelo requerente pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pela Corte” (Controle abstrato de constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 436).

Assim vem decidindo o Col. STF:

“(...)

Ementa: constitucional. (...). 'Causa petendi' aberta, que permite examinar a questão por fundamento diverso daquele alegado pelo requerente. (...) (ADI 1749/DF, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI, Rel. p. acórdão Min. NELSON JOBIM, j. 25/11/1999, Tribunal Pleno , DJ 15-04-2005, PP-00005, EMENT VOL-02187-01, PP-00094, g.n.).

(...)”

Confira-se ainda, nesse mesmo sentido: ADI 3576/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 22/11/2006, Tribunal Pleno, DJ 02-02-2007, PP-00071, EMENT VOL-02262-02, PP-00376.

Diante do exposto, nosso entendimento é no sentido da procedência da ação, declarando-se a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 49 da Lei Complementar 60, de 2010, de Teodoro Sampaio.

São Paulo, 12 de julho de 2011.

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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