Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0052690-26.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Atibaia

Objeto: Lei nº 3.962, de 04 de março de 2011, do Município de Atibaia

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 3.962, de 04 de março de 2011, do Município de Atibaia, que dispõe sobre “a remessa de telegramas aos candidatos aprovados em concurso público municipal”. Projeto de vereador. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Criação de despesa sem indicação da receita. Ofensa aos artigos 5º e 25 da CE. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida por Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 3.962, de 04 de março de 2011, do Município de Atibaia, que dispõe sobre “a remessa de telegramas aos candidatos aprovados em concurso público municipal.

Sustenta o autor que a lei impugnada dispõe sobre o funcionamento da administração pública, porque determina que as entidades que organizam concursos públicos se valham de telegramas para fazer determinadas comunicações aos candidatos. A matéria demandaria a iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo, o que não ocorreu no caso presente. Além disso, o ato normativo criou despesa sem prever os recursos necessários para atender ao novo encargo.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex tunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 19).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 33/38, em defesa do ato normativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 29/30).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei em análise decorre de projeto de Vereador e impõe às entidades organizadoras de concursos públicos que utilizem o telegrama como meio de comunicação para os candidatos aprovados em certames municipais.

Essa iniciativa, de fato, configura a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita um ato normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art. 5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art. 2º da Constituição Federal. Há também desrespeito ao art. 47, II e XIV, da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

É a hipótese dos autos: pela Lei nº 3.962, de 04 de março de 2011, do Município de Atibaia, a Câmara editou verdadeiro ato de gestão, ao determinar de que forma a Administração – por si ou pelas “entidades organizadoras de concursos públicos” (art. 1º) – deve proceder ao chamamento de candidatos aprovados em certames municipais.

Não só dispensável, como inviável se mostra a deliberação legislativa nessa matéria, mormente quando se constata que a iniciativa para a edição da lei partiu de parlamentar.

Nem se olvide que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte, sob esse aspecto, colide com as disposições dos artigos 25 e 176, inc. I, da Constituição Bandeirante.

Por isso, o C. Órgão Especial tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que infrigem esses comandos:

LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.962, de 04 de março de 2011, do Município de Atibaia, que dispõe sobre “a remessa de telegramas aos candidatos aprovados em concurso público municipal.

São Paulo, 19 de julho de 2011.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        -Jurídico-

vlcb