Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0056847-42.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Iepê

Objeto: Lei nº 408/11, do Município de Iepê

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Prefeito do Município de Iepê, da Lei nº 408/11, que “dispõe sobre direitos e prerrogativas do vereador no exercício de suas funções no âmbito municipal e dá outras providências”. Caso em que o Poder Legislativo criou mecanismos de controle da Administração não previsto na Constituição do Estado, violando o princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Parecer pela procedência do pedido.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Iepê, tendo por objeto a Lei nº 408/11, de 16 de março de 2011, do mesmo município, que “dispõe sobre direitos e prerrogativas do vereador no exercício de suas funções no âmbito municipal, e dá outras providências”.

Sustenta o autor que a lei em questão, tendo instituído instrumento de controle do Poder Executivo pela Câmara Municipal em desacordo com o modelo constitucional, representa a violação do princípio da separação e independência dos Poderes, divisando ofensa aos arts. 5º; 47, II e XIV; 111 e 144 da Carta Paulista (fls. 2/11).

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 36).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 50/87).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 43/44).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, o princípio da separação dos poderes, nos seguintes termos:

São poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

O princípio da separação dos poderes é o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112).

Nessa sensível relação, destaca-se como relevante a missão do Poder Legislativo de controlar os atos do Poder Executivo, no propalado “sistema de freios e contrapesos”.

Esse controle, todavia, é restrito. Há de ser exercido nos estreitos lindes da previsão constitucional, sob pena de se tornar ilegítimo.

O tema é conhecido do E. Tribunal de Justiça.

O C. Órgão Especial tem firme orientação de que “o Legislativo não pode criar forma de controle interno não previsto na Constituição Estadual, em paralelo ao externo nela consagrado” (ADIN nº 172.909-0/0-00, j. 17.06.2009, rel. desig. Des. PALMA BISSON).

Consolidou jurisprudência no sentido de que:

“A Câmara, induvidosamente, detém o poder de fiscalização da atividade da Administração. Tal, contudo, deve obedecer determinados limites. Não pode extravasar sua área de atuação, nem mesmo nessa condição de ente fiscalizador, para impor obrigações aos particulares que contratam como a Administração, menos ainda, aos próprios órgãos públicos, subordinados ao Executivo (...). Importa, na hipótese, isto sim, obstar a quebra da estrutura funcional diferenciada dos órgãos do Poder permitindo a invasão de atribuição exclusiva do Executivo pelo Legislativo (art. 5º, da Constituição Estadual). Louvável a atitude do Poder Legislativo no sentido de buscar uma melhor fiscalização do exercício das atividades e da aplicação do dinheiro público no Município. Inviável, contudo, a fórmula encontrada pela Câmara Municipal, por fraturar o sistema jurídico constitucional do Estado (art. 144, da Constituição Estadual)” (ADIN nº 135.843.0/7-00, rel. Des. MARCUS ANDRADE).

No caso em análise, a lei impugnada, a pretexto de dispor sobre direitos e prerrogativas do vereador, criou ousados mecanismos de controle do Poder Executivo, sem paralelo na Constituição Federal.

Note-se que o diploma legal garante o acesso do parlamentar, independentemente de autorização ou aviso, em quaisquer dependências da Administração direta e indireta, inclusive obras, eventos e concursos públicos. Concede-lhe vista a todos os documentos da Prefeitura, “sob pena de responsabilidade da autoridade ou servidor que negar ou retardar a sua exibição”. A lei também permite que o vereador interpele servidores e solicite, pessoalmente, informações e esclarecimentos sobre assuntos inerentes às suas funções (art. 2º, inc. I, II e III).

Desse modo, a norma questionada representa, sem dúvida, ilegítima ingerência da Câmara nos atos de governo e nas prerrogativas do Prefeito, sendo forçoso reconhecer que é violadora do princípio da separação dos poderes.

Sintomática, a esse respeito, é a previsão do art. 4º do ato normativo, que torna a Câmara Municipal a sede do procedimento administrativo a que se sujeitam autoridades e servidores que causarem embaraços ou prejudicarem a execução dessa lei, em flagrante desrespeito à regra do art. 5º da Constituição Paulista.

Desse modo, em que pesem os elevados propósitos que inspiraram o legislador municipal, impõe-se reconhecer a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 408/11, de 16 de março de 2011, do Município de Iepê, que “dispõe sobre direitos e prerrogativas do vereador no exercício de suas funções no âmbito municipal, e dá outras providências”.

 

São Paulo, 10 de outubro de 2011.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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