Parecer
Processo n. 0057156-63.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Suzano
Objeto: inconstitucionalidade
da Lei n. 4.410, de 11 de setembro de 2010, do Município de Suzano
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 4.410/10 do Município de Suzano. Autorização do estabelecimento de linha telefônica gratuita (0800) para atendimento de ocorrências e chamados da Guarda Municipal de Suzano. Iniciativa parlamentar. Violação da separação de poderes. Reserva da Administração. Procedência da ação. 1. É inconstitucional lei local, de iniciativa parlamentar, que autoriza ao estabelecimento de linha telefônica gratuita para atendimento de ocorrências e chamados da Guarda Municipal, por violar a reserva da Administração decorrente do princípio da separação de poderes. 2. Arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual. 3. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
contestando a Lei n. 4.410, de 11 de setembro de 2010, do
Município de Suzano, de
iniciativa parlamentar, sob alegação de violação aos
arts. 5º, 25 e 144, da Constituição Estadual (fls. 02/10). Concedida liminar suspendendo ex nunc a eficácia da lei impugnada (fl.
20), a Câmara Municipal prestou informações (fls. 27/28) e a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo objurgado
(fls. 91/93).
2. É o
relatório.
3. Do princípio da separação de poderes (divisão
funcional do poder) constante do art. 5º da Constituição Estadual decorrem a
reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para criação e
extinção de órgãos da Administração Pública (art. 24, § 2º, 1) e a reserva da
Administração, consistente na prerrogativa da prática de certos atos pelo Poder
Executivo de maneira privativa, como o exercício da direção superior da
administração (art. 47, II), a prática dos demais atos de administração nos
limites de sua competência (art. 47, XIV) e a disposição, mediante decreto, da
organização e funcionamento da administração, quando não implicar aumento de
despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos (art. 47, XIX, a). Tais disposições são aplicáveis aos
Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.
4. A Constituição Estadual
consagra a reserva da Administração, isto é, a competência do Poder Executivo
para emissão de atos administrativos típicos da gestão ordinária do patrimônio
público, da organização administrativa e dos serviços públicos, e inclusive de
atos normativos para disciplina de matérias não privativas de lei, e cujo
significado é o de evitar indevida intromissão do Poder Legislativo em assunto
da privativa alçada do Poder Executivo Neste sentido, enuncia a jurisprudência:
“RESERVA DE
ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva
de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias
sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em
tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos
atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse
modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da
separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo
que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas
privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando
efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão
funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição
parlamentar e importa em atuação ultra
vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica,
exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais”
(STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ
14-12-2001, p. 23).
5. A lei contestada, de iniciativa parlamentar, viola o
princípio da separação de poderes na medida em que disciplina a organização e o
funcionamento da Administração Pública, violando a reserva da Administração
contida no art. 47, II, XIV e XIX, a,
da Constituição Estadual.
6. Nem se argumente que se trata de mera autorização.
Cuida-se, é verdade, de lei autorizativa, mas, essa qualificação não desabona a
conclusão de sua inconstitucionalidade.
7. Ademais, a autorização legislativa não se confunde com
lei autorizativa, devendo aquela primar pela observância da reserva de
iniciativa e também pela reserva da Administração.
8. Ainda que a lei contenha autorização (lei
autorizativa) ou permissão (norma permissiva), padece de inconstitucionalidade.
Em essência, houve invasão manifesta da gestão pública, assunto da alçada
exclusiva do Chefe do Poder Executivo, violando sua prerrogativa de análise da
conveniência e da oportunidade das providências previstas na lei.
9. Lição
doutrinária abalizada, analisando a natureza das intrigantes
leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem
poderia solicitar a autorização, ensina que:
“(...)
insistente na prática legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui um
expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela
realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm
iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de
‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou
serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como
estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar
das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’
autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente autorizativa é a ‘lei’ que - por não poder determinar -
limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos que já lhe estão autorizados pela
Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O
texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder
Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização - por já ser de competência constitucional do
Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo
Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois
jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde
já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente"
(Sérgio Resende de Barros. “Leis Autorizativas”, in Revista da Instituição
Toledo de Ensino, Bauru, ago/nov 2000, p. 262).
10. A jurisprudência enuncia que “a lei
que autoriza o Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica,
em verdade, uma determinação, sendo portanto inconstitucional" (TJRS, ADI
593099377, Rel. Des. Maria Berenice Dias, 07-08-2000).
11. Neste sentido, vem julgando este
egrégio Tribunal, afirmando a inconstitucionalidade das leis autorizativas,
forte no entendimento de que essas “autorizações” são mero eufemismo de
“determinações”, e, por isso, usurpam a competência material do Poder
Executivo:
“LEIS
AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da
Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no
âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só
inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O
poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da
mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio
formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e
por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.
VÍCIO DE
INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO -
Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.
LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, 15-08-2007).
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALÍDADE - LEI N° 2.057/09, DO MUNICÍPIO DE LOUVEIRA - AUTORIZA
O PODER EXECUTIVO A COMUNICAR O CONTRIBUINTE DEVEDOR DAS CONTAS VENCIDAS E NÃO
PAGAS DE ÁGUA, IPTU, ALVARÁ A ISS, NO PRAZO MÁXIMO DE 60 DIAS APÓS O VENCIMENTO
– INCONSTITUCIONALÍDADE FORMAL E MATERIAL - VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO
- AÇÃO PROCEDENTE.
A lei
inquinada originou-se de projeto de autoria de vereador e procura criar, a
pretexto de ser meramente autorizativa, obrigações e deveres para a
Administração Municipal, o que redunda em vício de iniciativa e usurpação de
competência do Poder Executivo. Ademais, a Administração Pública não necessita
de autorização para desempenhar funções das quais já está imbuída por força de
mandamentos constitucionais” (TJSP, ADI 994.09.223993-1, Rel. Des. Artur Marques, v.u., 19-05-2010).
“Ação Direta
de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n° 2.531, de 25 de novembro de 2009, do
Município de Andradina, 'autorizando' o Poder Executivo Municipal a conceder a
todos os alunos das escolas municipais auxílio pecuniário para aquisição de
material escolar, através de vale-educação no comércio local. Lei de iniciativa
da edilidade, mas que versa sobre matéria reservada à iniciativa do Chefe do
Executivo. Violação aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado. Não
obstante com caráter apenas 'autorizativo', lei da espécie usurpa a competência
material do Chefe do Executivo. Ação procedente” (TJSP, ADI 994.09.229479-7, Rel. Des.
José Santana, v.u., 14-07-2010).
12. A
argumentação da natureza autorizativa da norma e da inércia na execução da lei
não elide a conclusão de sua inconstitucionalidade. Essa questão foi bem
examinada pela Suprema Corte que assim manifestou:
“5. Não é tolerável, com efeito, que, como está prestes a ocorrer neste caso, o Governador do Estado, à mercê das veleidades legislativas, permaneça durante tempo imprevisível com uma lei inconstitucional a tiracolo, ou, o que o seria ainda pior, seja compelido a transmiti-la a seu sucessor, com as conseqüências de ordem política daí derivadas” (STF, ADI-MC 2.367-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-04-2001, v.u., DJ 05-03-2004, p. 13).
13. Com
efeito, em matéria administrativa a Administração Pública está vinculada
positivamente ao princípio da legalidade (art. 37, Constituição Federal; art.
111, Constituição Estadual) e, atento à consideração essencial do cancelamento
da Súmula 05 do Supremo Tribunal Federal, afigura-se impossível ao Chefe do
Poder Executivo (vetando ou não a lei de iniciativa parlamentar que disciplina
a matéria) cumpri-la (ou seja, atender à autorização nela contida), pois, a
inconstitucionalidade a tisna desde seu nascedouro, e a dimensão do princípio
da legalidade (rectius: juridicidade)
requer a conformidade dos atos da Administração com o ordenamento jurídico
inteiro – inclusive as normas constitucionais.
14. Opino
pela procedência da ação para declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 4.410/10
do Município de Suzano por violação aos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual.
São
Paulo, 20 de outubro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj