Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0058865-36.2011.8.26.0000

Requerente: Partido Republicano Brasileiro

Objeto: art. 21 da Lei nº 2.301/10, do Município de Arujá.

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Diretório Municipal de Partido, tendo por objeto o art. 21 da Lei nº 2.301, de 16 de março de 2010, do Município de Arujá, que “dispõe sobre a reestruturação da Guarda Civil Municipal de Arujá e dá outras providências”. Alegação de que a regra é casuística e viola o princípio da isonomia, previsto no art. 5º da Constituição Federal. Preliminares: 1) Ilegitimidade ativa do Diretório Municipal. Precedentes. 2) Parâmetro de controle inválido. Solução proposta: extinção do processo sem julgamento de mérito. Mérito: regra ofensiva ao princípio da razoabilidade (art. 111 da Constituição Estadual). Discriminação injustificável e, destarte, desarrazoada. Parecer pela procedência.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Partido Republicano Brasileiro, tendo por objeto o art. 21 da Lei nº 2.301, de 16 de março de 2010, do Município de Arujá, que “dispõe sobre a reestruturação da Guarda Civil Municipal de Arujá e dá outras providências”.

O autor esclarece que a lei em estudo reestruturou a carreira da Guarda Civil de Arujá, prevendo a progressão funcional de seus membros, mediante concurso, para os cargos de Guarda Civil Municipal Inspetor, Guarda Civil Municipal Classe Distinta e Guarda Municipal Primeira Classe.

Ocorre que o dispositivo impugnado (art. 21) acabou estabelecendo regra distinta para a promoção da parcela da classe admitida em 1996, ofendendo-se, assim, o princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 5º da Constituição Federal.

O dispositivo teve suas vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 144).

O Município suscitou, em preliminar, a impropriedade do parâmetro de controle indicado pelo Partido. Arguiu, ainda, a ilegitimidade ativa do Diretório Municipal. No mérito, defendeu a constitucionalidade da solução legal, anotando que ela consagra o critério da antiguidade (fls. 163/218).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 160/161).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente

- I -

No caso dos autos, o Partido está representado por seu Diretório Municipal (rectius: pela Comissão Provisória do Partido Republicano Brasileiro com sede no Município de Arujá – cf. fls. 9), parte ilegítima para a propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade.

Neste sentido, confiram-se os seguintes precedentes:

ADIN. Lei Municipal que dispõe sobre a criação e extinção de cargos de servidores municipais. Exegese do art. 90, II, da Constituição Paulista. Diretório Municipal de Partido Político que não detém legitimidade ativa, mesmo em se tratando de lei municipal, para o ajuizamento da ação. Representação que compete ao Diretório regional do Partido Político. Ilegitimidade ativa ad causam reconhecida. Processo extinto sem julgamento do mérito (TJSP, ADI 135.781-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Carlos Stroppa, v.u., 19-09-2007).

Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Orgânica do Município de Sandovalina, que revoga integralmente a anterior – sustentada violação aos arts. 22, 111 e 144 da Constituição Estadual, porque ‘constata-se claramente que a Lei Orgânica do Município de Sandovalina, promulgada em 05 de Abril de 1990, somente poderia ser emendada, como ocorre na Carta da República e na Carta Paulista’, em obediência ao poder constituinte derivado. - Órgão Municipal de partido político, por seu Presidente representado, não detém legitimidade para pugnar, em ação direta, a inconstitucionalidade de lei municipal - processo julgado extinto, sem resolução do mérito (TJSP, ADI 138.863-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, v.u., 01-08-2007).

Essa orientação foi reafirmada em julgamento recente (não unânime):

ILEGITIMIDADE "AD CAUSAM" - Ação direta de inconstitucionalidade proposta por partido político por meio de seu diretório municipal - Exigência de representação na Assembleia Legislativa do Estado - Órgão Municipal de Partido Político que não detém legitimidade para propositura da ação (art 90 da CE) - Extinção decretada (TJSP, ADI nº 155.998-0/0-00, Órgão Especial, rel. Des. Paulo Travain, m.v., j. 4.02.2009).

Seguindo a orientação dessa Corte, opina-se pela extinção do processo, sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 267, inc. VI, do CPC.

- II -

Se essa primeira questão for superada, é de se ver que o autor confrontou a lei municipal com o art. 5º da Constituição Federal (fls. 8). Deixou de indicar dispositivo da Constituição Paulista que teria sido violado.

Ocorre que o contraste da lei impugnada com a Carta Republicana não viabiliza o controle abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade da lei local.

Nessa ação, o único parâmetro a ser considerado é a Constituição do Estado, ex vi do art. 125, § 2º, da Constituição Federal, sob pena de extinção do processo, sem julgamento de mérito, por impossibilidade jurídica do pedido.

É como decide esse C. Órgão Especial:

Ação direta de inconstitucionalidade – Lei Municipal nº 6469/03, alternativamente artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 10, 11, 12, 13, 14, 16 e 17 da referida Lei, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e dá outras providências – Ilegitimidade ativa do sindicato afastada – Ação proposta com base em violação à Constituição Federal – Interesse, na modalidade adequação, ausente – Questionamentos apresentados que invocam a Constituição Federal retirando o conhecimento e competência desta Corte Estadual, assim que não invocados dispositivos da Constituição Estadual – Ação julgada extinta (ADIN nº 139.458-0/9-00, j. 11/10/07, rel. Des. OSCARLINO MOELLER, g.n.).

Mérito

A ação é procedente.

Louvando-me nas informações do Município, que desfrutam da presunção de veracidade, tem-se por certo que, no momento da promulgação da Lei nº 2.301/2010, a Guarda Municipal de Arujá possuía o efetivo de 39 (trinta e nove) servidores, todos na “3ª Classe” (primeiro degrau da carreira).

Esses membros são oriundos de oito concursos de admissão, realizados entre 1996 e 2010, e, de acordo com as regras definidas pela novel legislação, deveriam se submeter a concursos internos para a promoção às classes imediatamente superiores.

Ocorre que, pelas disposições transitórias do art. 21, o interstício foi dispensado para os Guardas Civis que ingressaram em 1996 (o dispositivo faz menção expressa à classificação constante da ata lavrada em 09.08.1996), gerando uma situação absolutamente singular para uma parcela da milícia, sem justificativa plausível.

Essa discriminação se opõe ao art. 111 da Constituição do Estado, pois não atende à razoabilidade. A razoabilidade, com efeito, serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas.

Permito-me aludir a esse parâmetro de controle porque, “a despeito da necessidade legal da indicação dos fundamentos jurídicos na petição inicial, não está [o Tribunal] a eles vinculado na apreciação que faz da constitucionalidade dos dispositivos questionados (princípio da causa petendi aberta)” (MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade, 3ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 272).

A Municipalidade reconhece a mácula da lei e se justifica. Afirma que a intenção do legislador foi a de homenagear a antiguidade dos integrantes da carreira, apurada de acordo com a classificação nos sucessivos “estágios de adestramento”.

Não é isso, porém, que a menção à ata de 1996, contida no dispositivo impugnado, indica. De sua literalidade se extrai que apenas os servidores do primeiro concurso serão promovidos com dispensa dos requisitos exigíveis para os demais. Daí se impor o reconhecimento de sua contradição com o texto constitucional paulista.

É louvável, porém, a conduta do chefe do Poder Executivo, que deu pressa em remeter à Câmara Municipal projeto de lei para corrigir o problema gerado pela inserção, a seu ver “desnecessária” (fls. 171), da menção “meramente exemplificativa” à referida ata.

Diante do exposto, opino pela extinção do processo sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 267, inc. VI, do CPC, e, no mérito, pela procedência, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 2.301, de 16 de março de 2010, do Município de Arujá, que “dispõe sobre a reestruturação da Guarda Civil Municipal de Arujá e dá outras providências”.

São Paulo, 30 de agosto de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

jesp