Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0061428-03.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Itapecerica da Serra

Objeto: Lei nº 1.745, de 14 de novembro de 2006 e Lei nº 1.766, de 22 de dezembro de 2006, do Município de Itapecerica da Serra

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito de Itapecerica da Serra, da Lei nº 1.745, de 14 de novembro de 2006, que “Dispõe sobre o fornecimento e o uso de uniforme na rede municipal de Ensino” e da Lei nº 1.766, de 22 de dezembro de 2006, que altera a Lei Municipal nº 1.745, de 14 de novembro de 2006. Projetos de vereador. Atos de gestão administrativa incompatíveis com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição Estadual. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida por Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 1.745, de 14 de novembro de 2006, que “Dispõe sobre o fornecimento e o uso de uniforme na rede municipal de Ensino” e a Lei nº 1.766, de 22 de dezembro de 2006, que altera a Lei Municipal nº 1.745, de 14 de novembro de 2006.

O autor sustenta que a iniciativa para propositura das leis que versem sobre os temas tratados nestas que ora se impugnam é reservada ao Chefe do Poder Executivo, por produzir “regra de conteúdo materialmente administrativo, conexo à gestão da Administração Pública, que se insere na competência legislativa privativa do Governador do Estado, consoante dicção do artigo 24, §2º, da Constituição do Estado, dada a necessária simetria com o artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘b’, da Carta Fundamental do Brasil”.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 21).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações as fls. 24/26 e 131/133.

A Procuradoria-Geral do Estado, a seu turno, declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 156/157).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

No caso vertente, tem-se que as impugnadas Leis foram concebidas na Câmara Municipal, para compelir a Administração, na aquisição de uniformes escolares da rede de ensino público, adornando-os com o brasão do município (Lei n. 1.766/06).

A Lei Municipal nº 1.745/06 prevê que:

         “Art. 1º A Prefeitura Municipal de Itapecerica da Serra, fornecerá uniforme aos alunos da rede de ensino público municipal, em número suficiente para as necessidades escolares.

§ 1º O fornecimento do uniforme deverá ser feito no período do primeiro quadrimestre do ano letivo, em número não inferior as unidades de cada peça de vestuário escolar elencadas no § 2º.

§ 2º O uniforme é composto por ruma blusa e uma calça tipo agasalho moletom, duas camisetas e um par de tênis.

Art. 2º Os alunos da rede municipal de Ensino deverão usar o uniforme fornecido pela Prefeitura durante o período de aula.

Art. 3º Fica a critério da direção da escola o tratamento da questão da falta de utilização do uniforme, sem justificativa, por parte do aluno ou por determinação de seu responsável legal, desde que observado o art. 2º e sem causar constrangimento ao aluno.

Parágrafo único. O uniforme devera conter, obrigatoriamente, o brasão do município”.

E a Lei nº 1.766/06, também objeto desta ação fez acrescentar o parágrafo único ao artigo terceiro a Lei nº 1.745/06, com a seguinte redação:

“Art. 1º Fica criado o parágrafo único ao art. 3º da Lei Municipal nº 1.745, de 14/11/2006, que dispõe sobre o fornecimento e o uso de uniforme na Rede Municipal de Ensino, nos seguintes termos:

‘Art. 3º .....  Parágrafo único.   O uniforme deverá conter, obrigatoriamente, o brasão do Município’ “

Como se vê, o Poder Legislativo está ditando conduta ao Prefeito, o que configura, data venia, a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art. 5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art. 2º da Constituição Federal. Há também inobservância do disposto no art. 47, II e XIV, da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Advirta-se que é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.

 Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ª ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Em conclusão, é inviável a deliberação legislativa nessas matérias, mormente quando verificado que a iniciativa para a edição das leis partiu de parlamentar. Aquilo que a regra determina para a Administração Pública é algo que se encontra, precisamente, no âmbito da atividade executiva.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 1.745, de 14 de novembro de 2006, que “Dispõe sobre o fornecimento e o uso de uniforme na rede municipal de Ensino” e da Lei nº 1.766, de 22 de dezembro de 2006, que altera a Lei Municipal nº 1.745, de 14 de novembro de 2006.

São Paulo, 26 de julho de 2011.

                                    

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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