Parecer
Autos nº. 0067533-93.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Ubatuba
Objeto: Leis nºs 2.653, de 09 de março de 2005 e 3.263, de 30 de novembro de 2009, do Município de Ubatuba
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo, que cuida do gerenciamento administrativo. Planejamento e ocupação do solo urbano da cidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Criação de despesa, sem indicação da receita. Ofensa aos artigos 5º; 25; 47, incs. II, XI e XIV; e 144 da CE. Parecer pela procedência da ação. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade verificada.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Cuida-se de ação direta objetivando a
declaração de inconstitucionalidade das Leis nºs 2.653 de 09 de março de 2005 e
3.263 de 30 de novembro de 2009, do Município de Ubatuba, que tratam da implantação de postos
revendedores de combustíveis automotivos (postos de gasolina).
Argumenta o
autor que essas leis, de iniciativa parlamentar (e promulgada pelo Presidente
da Câmara, após derrubada de veto total), importam usurpação de atribuições
próprias do Poder Executivo, incidindo em vício de iniciativa.
A Câmara Municipal deixou transcorrer “in
albis” o prazo para informações (fls.33).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato
impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 31/32).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A questão deve ser analisada à luz dos arts. 5º, 180 e 181, todos
da Constituição Estadual.
A Lei n. 2.653 de 09 março de 2005 (Proj. de Lei n. 172/04, do Vereador Gerson de Oliveira) assim dispõe:
“Regulamenta a implantação de postos revendedores de combustíveis automotivos (postos de gasolina), no Município de Ubatuba.”
Artigo 1º - A edificação, instalação e funcionamento de postos revendedores de combustíveis automotivos, no Município de Ubatuba, denominados usualmente postos de gasolina, ficam disciplinados na conformidade da presente Lei, obedecida ainda, a legislação específica vigente sobre construções e zoneamento.
Artigo 2º - Entende-se para os fins previstos nesta Lei como postos vendedores de combustíveis automotivos (PRCA), os estabelecimentos comerciais que exercem a atividade de abastecimento, lubrificação, lavagem, estacionamento e afins, de veículos automotores.
Artigo 3º - A edificação do PRCA somente será autorizada se obedecer aos seguintes requisitos básicos:
I – afastamento mínimo de raio 1.500 (um mil e quinhentos) metros entre um posto revendedor e outro estabelecimento congênere.
II – distância mínima de 300 (trezentos) metros, medidos em percursos de via pública, de ‘trevos’ e rotatórias localizadas em vias principais;
III – distar, no mínimo, 500 (quinhentos) metros, em qualquer direção de escolas, hospitais, templos religiosos, sedes de associações, asilos e creches já instalados ou edificados especialmente pra tal finalidade.
IV – a aprovação de construção de novos PRCAs, em áreas urbanas fronteiriças às rodovias SP/55, SP/125, BR/101, obedecerão às normas dos órgãos competentes (DER, DNER, Capitania dos Portos) desde que comprovada que a movimentação (vendas) do PRCA influirá no movimento das rodovias.
Artigo 4º - A edificação de PRCA cuja planta já tenha sido aprovada pelo órgão competente do Poder Executivo Municipal, deverá ser iniciada no prazo máximo de 6 (seis) meses a contar da data de aprovação da mesma planta.
Artigo 5º - As disposições desta Lei não aplicam aos PRCA já instalados e em funcionamento.
Artigo 6º - Esta Lei será regulamentada no prazo de 30 (trinta) dias a contar da sua vigência.”
Ocorre que esta Lei foi revogada pela Lei
nº 2.951, de 26 de junho de 2007, mas revigorada pela Lei nº 3.263, de 30 de
novembro de 2009, que assim reza:
“Art. 1º. Fica restabelecida, na íntegra, a partir da publicação desta Lei, a vigência da Lei nº 2.653, de 09 de março de 2005, que regulamenta a implantação de postos revendedores de combustíveis automotivos (postos de gasolina), no Município de Ubatuba, revogada pela Lei nº 2.951, de 26 de junho de 2007.
Parágrafo único. Revoga-se a Lei nº 2.951, de 26 de junho de 2007.
Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”
Resulta claro, da simples leitura do
texto da Lei nº 2.653 de 09 março de 2005, em vigor, por força da Lei nº 3.263,
de 30 de novembro de 2009, que o Poder Legislativo adentrou competência
material e exclusiva do Poder Executivo, pois claramente emitiu comando que
interfere com a administração municipal, ao regulamentar a implantação de
postos de combustíveis automotivos no Município.
São confiadas ao Poder Executivo e ao
Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a
estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município,
que é sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou
estabelecer as atribuições do Poder Executivo e do Poder Legislativo, fixando
funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela
Constituição do Estado de São Paulo.
O Prefeito, enquanto chefe do Poder
Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à
atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas
públicas.
Em sua função normal e predominante sobre
as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e
obrigatórias de conduta. Esta é a sua função específica, bem diferenciada da do
Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Por meio da edição de leis, a Câmara ditará
ao prefeito as normas gerais da administração, sem chegar, no entanto, à
prática administrativa. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da
Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com
caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os
mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de
administração (Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro,
Malheiros, 14ª. ed., 2006, pág. 605).
Aplicado esse raciocínio ao caso em
exame, temos que a tarefa de adaptar a legislação sobre o uso e ocupação do
solo urbano ao plano físico é privativa do Prefeito, que, no exercício dessa
atividade, de natureza tipicamente administrativa, não pode sofrer nenhum tipo
de interferência indevida do Legislativo local.
Bem a propósito, ao examinar essa
questão, o Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça, em antigo aresto
relatado pelo eminente jurista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, concluiu que
“... constituem matéria legislativa as regras imperativas, gerais e abstratas que diferenciam as construções de habitações das de comércio e indústria, e, ainda, distinguem as habitações, as casas comerciais e industriais, em diversos tipos, e, a final, prescrevem restrições ao direito de construir, conforme a zona residencial, comercial ou industrial e de forma mais ou menos rígida, segundo critérios exclusivos ou de predominância. E mais, constituem matéria legislativa as regras imperativas gerais e abstratas que determinam recuos, estabelecem alturas de prédios, normas sobre fachadas e gradis. Enfim, as que estabelecem as regras imperativas gerais e abstratas de zoneamento. Já a especificação de uma via pública, no seu todo ou em parte, se estrita ou prevalentemente residencial é obra administrativa, atividade concreta e específica de caráter casuístico, em função do desenvolvimento local, das exigências dos bairros, das manifestações dos próprios logradouros públicos, em consonância com a fisionomia que assume no seu evolver, suscetível de se modificar por exigências urbanísticas do Município, interesse dos munícipes, só possível de ser bem sentidos pelo Executivo, no seu quotidiano contacto com a vida da cidade, atuando em matéria da sua alçada administrativa, particularizando a lei” (TJSP, Pleno, RT 289/456).
No mesmo sentido é a lição de Hely Lopes
Meirelles:
“a lei estabelecerá as diretrizes, os critérios, os usos admissíveis, tolerados e vedados nas zonas previstas; o decreto individualizará as zonas e especificará os usos concretamente para cada local. O zoneamento, no seu aspecto programático e normativo, é objeto de lei, mas na sua fase executiva - em cumprimento da lei - é objeto de decreto” (Cf. ob. cit., pág. 553/554).
Resumindo o ponto até aqui analisado: o
conteúdo da lei impugnada (n. 2.653 de 09 de março de 2005) é próprio de ato
administrativo, de responsabilidade do Prefeito e, portanto, de sua exclusiva
iniciativa. A atividade do Legislativo
invade a seara a este reservada e incide em inconstitucionalidade, por ofensa
ao artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade das Leis nºs 2.653, de 09 de março de 2005, e 3.263, de 30 de novembro de 2009, do Município de Ubatuba.
São Paulo, 20 de setembro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídica
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