Parecer
Autos nº. 0068444-08.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Catanduva
Objeto: Lei Complementar nº 0369, de 10 de abril de 2007, do Município de Catanduva
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo, que cuida do gerenciamento administrativo. Planejamento e ocupação do solo urbano da cidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 5º; 47, incs. II, XI e XIV; e 144 da CE. Parecer pela procedência da ação. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade verificada.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Cuida-se de ação direta objetivando a
declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 0369, de 10 de abril
de 2007, do Município de Catanduva, que altera a Lei Complementar nº 0355, de 26 de dezembro
de 2006, a qual “Institui o Plano Diretor Participativo, Lei de Uso e Ocupação
do Solo e a Lei de parcelamento do Solo do Município de Catanduva e dá outras
providências”. Argumenta o autor
que essa lei, de iniciativa parlamentar (e promulgada pelo Presidente da
Câmara, após derrubada de veto total), importa usurpação de atribuições
próprias do Poder Executivo, incidindo em vício de iniciativa.
A Presidência da Câmara Municipal prestou
informações quanto ao processo legislativo (fls.25/28).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato
impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 93/94).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A questão deve ser analisada à luz dos arts. 5º, 180 e 181, todos
da Constituição Estadual.
A Lei Complementar nº 0369, de 10 de abril de 2007, do Município de Catanduva (Proj. de Lei Complementar n. 05/2007, do Vereador Luís Pereira) assim dispõe:
“Art. 1º - Fica alterada a redação do inciso VI, do art. 209, da
Lei Complementar nº 0355, de 26 e dezembro de 2006, a qual “Institui o Plano Diretor Participativo, a Lei de Uso e Ocupação do Solo
e a Lei de parcelamento do Solo do Município de Catanduva e dá outras
providências”, com a seguinte redação:
Art. 209 - ....
VI – DESDOBRO é o fracionamento do LOTE em 2 (duas) partes, de forma que nenhuma das partes desdobradas possua área inferior a 125 m², com frente mínima de 5 metros, nos termos do art. 4º, inciso II, da Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que ‘Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências’.
Art. 2º - A redação do art. 217, da Lei Complementar nº 0355, de 26 de dezembro de 2006, passa a ser a seguinte:
‘Art. 217 – Os lotes terão frente mínima de 5,00 (cinco) metros lineares, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social.’
Art. 3º - Fica alterada a Tabela 05, em anexo, que trata da ocupação do solo conforme o macrozoneamento estabelecido, que é parte integrante, nos termos do inciso XIII, do art. 249 da Lei Complementar nº 0355, de 26 de dezembro de 2006.”
Resulta claro, da simples leitura do
texto da Lei em comento, que o Poder Legislativo adentrou competência material
e exclusiva do Poder Executivo, pois claramente emitiu comando que interfere
com a administração municipal, ao regulamentar o desdobro de lotes no município
(uso e ocupação do solo).
São confiadas ao Poder Executivo e ao
Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a
estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município,
que é sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou
estabelecer as atribuições do Poder Executivo e do Poder Legislativo, fixando
funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela
Constituição do Estado de São Paulo.
O Prefeito, enquanto chefe do Poder
Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendentes à
atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas
públicas.
Em sua função normal, e predominante
sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e
obrigatórias de conduta. Esta é a sua função específica, bem diferenciada da do
Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Por meio da edição de leis, a Câmara ditará
ao prefeito as normas gerais da administração, sem chegar, no entanto, à
prática administrativa. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da
Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com
caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os
mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de
administração (Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro,
Malheiros, 14ª. ed., 2006, pág. 605).
Aplicado esse raciocínio ao caso em exame,
temos que a tarefa de adaptar a legislação sobre o uso e ocupação do solo
urbano ao plano físico é privativa do Prefeito, que, no exercício dessa
atividade, de natureza tipicamente administrativa, não pode sofrer nenhum tipo
de interferência indevida do Legislativo local.
Bem a propósito, ao examinar essa
questão, o Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça, em antigo aresto
relatado pelo eminente jurista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, concluiu que
“... constituem matéria legislativa as regras imperativas, gerais e abstratas que diferenciam as construções de habitações das de comércio e indústria, e, ainda, distinguem as habitações, as casas comerciais e industriais, em diversos tipos, e, a final, prescrevem restrições ao direito de construir, conforme a zona residencial, comercial ou industrial e de forma mais ou menos rígida, segundo critérios exclusivos ou de predominância. E mais, constituem matéria legislativa as regras imperativas gerais e abstratas que determinam recuos, estabelecem alturas de prédios, normas sobre fachadas e gradis. Enfim, as que estabelecem as regras imperativas gerais e abstratas de zoneamento. Já a especificação de uma via pública, no seu todo ou em parte, se estrita ou prevalentemente residencial é obra administrativa, atividade concreta e específica de caráter casuístico, em função do desenvolvimento local, das exigências dos bairros, das manifestações dos próprios logradouros públicos, em consonância com a fisionomia que assume no seu evolver, suscetível de se modificar por exigências urbanísticas do Município, interesse dos munícipes, só possível de ser bem sentidos pelo Executivo, no seu quotidiano contacto com a vida da cidade, atuando em matéria da sua alçada administrativa, particularizando a lei” (TJSP, Pleno, RT 289/456).
No mesmo sentido é a lição de Hely Lopes Meirelles:
“a lei estabelecerá as diretrizes, os critérios, os usos admissíveis, tolerados e vedados nas zonas previstas; o decreto individualizará as zonas e especificará os usos concretamente para cada local. O zoneamento, no seu aspecto programático e normativo, é objeto de lei, mas na sua fase executiva - em cumprimento da lei - é objeto de decreto” (Cf. ob. cit., pág. 553/554).
Resumindo o ponto até aqui analisado: o
conteúdo da lei impugnada é próprio de ato administrativo, de responsabilidade
do Prefeito e, portanto, de sua exclusiva iniciativa. A atividade do
Legislativo invade a seara a este reservada e incide em inconstitucionalidade,
por ofensa ao artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 0369, de 10 de abril de 2007, do Município de Catanduva.
São Paulo, 22 de setembro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídica
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