Parecer
Autos nº. 0068542-90.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Suzano
Objeto: Lei nº 4.424/10, do Município de Suzano
Ementa:
Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Lei nº 4.424/10, do Município de Suzano que
“Institui a Campanha permanente de orientação e prevenção de doenças de inverno
no Município de Suzano”. Projeto de
autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo. Violação do
princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 47, incs. II e XIV e 144
da CE. Parecer pela procedência da ação.
Colendo
Órgão Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Suzano, tendo por objeto a Lei nº 4.424/10, daquele Município, que “Institui
a Campanha permanente de orientação e prevenção de doenças de inverno no
Município de Suzano”.
O
autor noticia que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que,
depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi
derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
Sustenta
que a lei em questão cria obrigações para a administração pública, havendo
usurpação por parte do Poder Legislativo de atribuições pertinentes a
atividades próprias do Poder Executivo e aponta transgressão aos arts. 5º e 144
da Constituição Estadual.
A
Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex
nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 22/23).
O
Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 43/44) .
A
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando
que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 40/41).
Este
é o breve resumo do que consta dos autos.
A
lei impugnada do Município de Suzano assim dispõe:
“Art. 1º - Fica instituída a ‘Campanha Permanente de
Orientação e Prevenção de Doenças de Inverno’ no Município de Suzano.
Art. 2º - O Poder Executivo regulamentará a presente Lei, no
que couber, no prazo de 60 (sessenta) dias.
Art. 3º- As despesas decorrentes do dispositivo nesta Lei correrão
por conta das verbas próprias do orçamento, suplementadas, se necessário.”
Dita
lei é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo,
especialmente com os seus arts. 5.º, 47, II e XIV, e 144, os quais dispõem o
seguinte:
“Art. 5.º -
São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
Art. 47 –
Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas
nesta Constituição:
II – exercer,
com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração
estadual;
XIV –
praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do
Executivo;
Art. 144 – Os
Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira
se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição.”
Nos
entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi
incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do
postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela
edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para
as atividades de gestão.
Essa
repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do
princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado
por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão
ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.
A
tarefa de administrar o Município, a cargo do Executivo, engloba as atividades
de planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange,
efetivamente, a concepção de programas, como o da espécie em análise.
Por
intermédio da lei em análise, a Câmara criou um programa permanente de orientação e
prevenção de doenças de inverno, onerando, desta forma, a Administração. Embora elogiável a preocupação do Legislativo
local com o tema, a iniciativa não tem como prosperar na ordem constitucional
vigente, uma vez que a norma disciplina atos que são próprios da função
executiva.
Por
esse motivo, a Constituição Estadual, em dispositivo que repete o artigo 61, §
1º, II, “b”, da Constituição Federal, conferiu ao Governador do Estado a
iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da
administração pública e, conseqüentemente, sobre o seu orçamento. Trata-se de
questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância
obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado,
tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo
estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos
fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às
hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto
padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos
Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0,
medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
Se
a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para
os Municípios.
As
normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo
derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo
jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo
competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos
(Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não
são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em
face de vício de iniciativa.
Sobre
isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à
privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais
matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e
promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial,
porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às
suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as
exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª ed., pp.
544-545).
Nota-se,
por fim, que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte,
colide com as disposições dos artigos 25 da Constituição Bandeirante.
Esse
Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que
infringem esses comandos:
“LEI
MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO
DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART
25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO
176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS.
PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIn
142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação
direta, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei nº 4.424/10, do Município de Suzano.
São Paulo, 21 de julho de
2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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