Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n.º 0068561-96.2011.8.26.0000

Autor: Prefeito Municipal de Suzano

Objeto de impugnação: Lei n.º 4.416, de 18 de setembro de 2010, do Município de Suzano.

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade – Lei Municipal n.º 4.416/2010, de Suzano, que instituiu o “dia da Paz e da Solidariedade nas Escolas Municipais do Município de Suzano” – 2) Afastada a inobservância do princípio federativo – Prevalência, no caso, da autonomia legislativa municipal – 3) A fixação de datas comemorativas insere-se na órbita de competência dos Municípios – Ausência de afronta à separação dos Poderes – Inexistência de reserva de iniciativa da matéria em favor do Executivo – 4) Propositura que, demais, não acarretou aumento de despesa pública – 5) A regra prevista no art. 25 da Carta Paulista tem como destinatário o Prefeito, que dispõe do poder de sanção ou veto, e não a Câmara, que é dotada da prerrogativa de acolher ou rejeitar o veto.

 

 

Egrégio Órgão Especial,

Doutos Desembargadores:

 

Cuida-se de ação na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade da lei em epígrafe, de origem parlamentar, cuja redação é a seguinte:

“Art. 1.º - Fica instituído no Município de Suzano, o ‘Dia da Paz e da Solidariedade nas Escolas Municipais’, a ser comemorado no dia 10 de junho de cada ano.

Parágrafo único – Caso o dia 10 de junho, no ano em curso, não seja dia útil, a comemoração será realizada no próximo dia útil após o dia 10.

Art. 2.º - Nessa data serão desenvolvidas atividades educacionais e informativas, através de campanhas sociais e palestras, visando esclarecer aos estudantes sobre a prevenção e o combate às drogas e à violência, estimulando o companheirismo, o respeito mútuo e a solidariedade.

Art. 3.º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.

Art. 4.º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

 

A referida lei é originária do PL n.º 102/2010, de autoria do Vereador Rafael Franchini Garcia, que, após regular tramitação e aprovação pela Câmara, foi encaminhado ao Prefeito, o qual, porém, optou por vetá-lo, seja porque compete privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação e, concorrentemente com os Estados, sobre educação, seja porque houve invasão da esfera de competência do Executivo e o aumento da despesa pública, com ofensa aos arts. 5.º, 25 e 144 da Carta Paulista.

Ao despachar a inicial (fl. 23), o Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator Elliot Akel indeferiu a liminar por não identificar, em juízo de cognição sumária, a violação do princípio da legalidade, nem dos arts. 111 e 25 da Carta Paulista.

Notificada, a Câmara de Vereadores de Suzano limitou-se a estabelecer a cronologia de votação do projeto de lei naquela Casa.

Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Carta Política Paulista, o Procurador Geral do Estado reafirmou o entendimento segundo o qual a sua intervenção, nesses casos, não é obrigatória e manifestou desinteresse na defesa do ato normativo impugnado, o qual disciplina matéria exclusivamente local.

Em resumo, é o que consta nos autos.

‘Data venia’, a presente ação deve ser julgada improcedente.

Com efeito, a Carta em vigor não contém nenhuma disposição que impeça a Câmara de Vereadores de legislar sobre a fixação de datas comemorativas, nem tal matéria foi reservada com exclusividade ao Executivo ou mesmo situa-se na esfera de competência legislativa privativa da União.

Por força da vigente Constituição, os Municípios foram dotados de autonomia legislativa, que vem consubstanciada na capacidade de legislar sobre assuntos de interesse local, inclusive a fixação de datas comemorativas, e de suplementar a legislação federal e estadual no que couber (CF, art. 30, I e II).

A fixação de datas comemorativas por lei municipal não excede os limites da autonomia legislativa de que foram dotados os Municípios, mesmo considerando-se a existência de lei federal a dispor sobre esse tema,  porquanto no rol das matérias de competência privativa da União (CF, art. 22, I a XXIV) nada há nesse sentido, ou seja, prevalece a autonomia municipal.

Demais, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”, enquadrando-se a paz e a solidariedade nessa conceituação, à medida que a justificativa do projeto é estabelecer o respeito mútuo entre alunos, docentes e funcionários da educação e minimizar os efeitos da violência, contribuindo assim para a formação ética e moral dos alunos.

Por outro lado, eméritos Desembargadores, a matéria em questão não é de competência reservada ao Executivo e, por esse aspecto, vale ressaltar, os fundamentos contidos na inicial são contraditórios, pois, num primeiro momento, aponta-se a invasão da esfera de competência da União e, secundariamente, a usurpação de prerrogativa que é própria da função Executiva, qual seja a de iniciar o processo legislativo nas hipóteses previstas na Constituição.

Ocorre que a Constituição em vigor nada dispôs sobre a instituição de reserva em favor do Executivo da iniciativa de leis que versem sobre a fixação de datas comemorativas e, como as situações previstas no art. 61 da Carta Paulista constituem exceção à regra da iniciativa geral ou concorrente, a sua interpretação deve sempre ser restritiva, máxime diante desua repercussão no postulado básico da independência e harmonia entre os Poderes.

Além de apresentar argumentação contraditória – pois se a competência para dispor sobre a matéria é privativa da União a conclusão inexorável a que se chega é a de que não pode ter havido usurpação de prerrogativa própria da função executiva e vice-versa –, a inicial não indicou dispositivo da Constituição do Estado de São Paulo que assegura ao Prefeito a exclusividade para dispor sobre a fixação de data comemorativa, matéria típica de lei.

Na órbita federal, aliás, há várias normas originadas do Poder Legislativo que versam sobre o tema, como por exemplo, a Lei n.º 12.124, de 16/12/2009, a qual dispôs sobre a instituição do dia 18 de março como data comemorativa do Dia Nacional da Imigração Judaica e dá outras providências.

Cada ente federativo dispõe de autonomia para fixar datas comemorativas que sejam relacionadas com fatos ou pessoas que façam parte de sua história, só havendo limites quanto à fixação de feriados, por força de legislação federal de regência, o que, porém, não ocorre na situação em análise.

Assim, com a devida vênia, não é possível recusar à Câmara de Vereadores o direito de legislar sobre assunto de interesse local, qual seja a definição de data comemorativa, e sobre o qual não paira reserva de iniciativa.

Por fim, quanto ao art. 25 da Carta Estadual, é bem de ver que a norma em epígrafe dispõe que “nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos”.

 Como se sabe, a sanção constitui ato privativo do Prefeito, de modo que a vedação acima expressa não se aplica ao Poder Legislativo, que, em caso de veto aposto ao projeto de lei aprovado, tem a prerrogativa de acolhê-lo ou rejeitá-lo, como na espécie, sem que a opção por uma ou por outra solução implique em qualquer desrespeito à disposição normativa em comento, cujo enunciado, torna-se a reiterar, é endereço exclusivamente ao Executivo.

Nesta ordem de ideias, cumpre obtemperar que a lei em foco não aumentou a despesa pública, pois nela não há nenhuma previsão nesse sentido, e, de mais a mais, a circunstância de figurar o dia 10 de junho como data comemorativa não obriga o Poder Público à efetiva realização de comemoração ou festividade oficial, pois a finalidade inequívoca da norma é esclarecer os estudantes sobre a prevenção e o combate às drogas e à violência, estimulando o companheirismo, o respeito mútuo e a solidariedade (art. 2.º).

Em tais circunstâncias, opina-se pela improcedência desta ação direta.

São Paulo, 26 de julho de 2011.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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