Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0077349-02.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Taquaritinga

Objeto: Lei nº 3.889, de 08 de abril de 2011, do Município de Taquaritinga

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.889, de 08 de abril de 2011, do Município de Taquaritinga.  Iniciativa parlamentar.  Determinação para que a Administração faça a “veiculação de balancetes contábeis pela Internet no âmbito do Município de Taquaritinga”.  Iniciativa que está em perfeita harmonia com a publicidade dos atos estatais e também com os pressupostos de moralidade, impessoalidade e transparência. Ação improcedente.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

      Colendo Órgão Especial:

 

Cuida-se de ação – movida pelo Prefeito Municipal de Taquaritinga – na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade da lei em epígrafe, de origem parlamentar (Projeto de Lei n.º 4.297/10 – Autor: Mesa da Câmara Municipal), cuja redação é a seguinte:

“Art. 1º - Fica determinada a publicação de todas as licitações, através da imprensa escrita (jornais) e via internet, através dos sites oficiais de cada órgão público da administração direta e indireta e suas autarquias, do Município de Taquaritinga.

§ 1º. As licitações na modalidade ‘carta-convite’, assim como todos os contratos firmados pelos entes públicos, ainda que em valor inferior ao de dispensa de licitação, elaboradas ou em andamento, também deverão ser disponibilizadas à população, conforme estabelecido no caput deste artigo.

Art. 2º. Essas informações deverão ficar disponibilizadas nos sites oficiais por um período mínimo de cinco anos.”

Segundo consta na inicial, a lei em epígrafe é formalmente inconstitucional porque a matéria nela prevista é de iniciativa reservada, além de atentar contra a independência e harmonia entre os Poderes, “com infração do art. 5º, caput, e 144, caput, da Constituição do Estado de São Paulo”.

Houve concessão de liminar (fls. 26/27).

Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador-Geral do Estado declinou de promover a defesa do ato normativo impugnado, pois este trata de matéria exclusivamente local, inexistindo, assim, interesse estadual na sua preservação.

Notificada, a Câmara Municipal de Taquaritinga prestou informações às fls. 61 a 64.

Em resumo, é o que consta nos autos.

A ação deve ser julgada improcedente, malgrado a argumentação jurídica trazida na inicial.

A lei local impugnada cuida de elevado, basilar e radical assunto na senda da organização político-administrativa municipal: a transparência administrativa que se articula por um de seus subprincípios (a publicidade), ajustando à modernidade tecnicológica o cumprimento da diretriz de diafanidade da gestão dos negócios públicos.

Não é matéria que mereça trato normativo por impulsão exclusiva do Chefe do Poder Executivo.  Com efeito, a lei local cuida, por excelência, da concretização do princípio da transparência, inscrito no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual sob o nome de publicidade, como afirma a doutrina (Wallace Paiva Martins Junior. Transparência administrativa, São Paulo: Saraiva, 2004), fornecendo maior grau de visibilidade à res publica, tendo como baliza que, como salientou o eminente Ministro Celso de Mello em histórico julgamento, “o novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado” (RTJ 139/712).

De fato, a iniciativa em análise não é incompatível com a Constituição, que, no § 1.º de seu art. 37, reza o seguinte: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Acerca de tal dispositivo constitucional, o jurista ALEXANDRE DE MORAES (Cf. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, Atlas, São Paulo, 2.ª edição, comentário ao § 1.º do art. 37, p. 893) anotou que:

“O legislador constituinte, ao definir a presente regra, visou à finalidade moralizadora, vedando o desgaste e o uso de dinheiro público em propagandas conducentes à promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, seja por meio da menção de nomes, seja por meio de símbolos ou imagens que possam de qualquer forma estabelecer alguma conexão pessoal entre estes e o próprio objeto divulgado.

Ressalte-se que o móvel para essa determinação constitucional foi a exorbitância de verbas públicas gastas com publicidade indevida.

Note-se, portanto, que a publicidade não está vedada constitucionalmente, pois o princípio da publicidade dos atos estatais, e mais restritamente dos atos da Administração, inserido no caput do art. 37, é indispensável para imprimir e dar um aspecto de moralidade à Administração Pública ou à atuação administrativa (g.n.), visando ao referido princípio, essencialmente, proteger tanto os interesses individuais, como defender os interesses da coletividade mediante o exercício do controle sobre os atos administrativos (g.n.).

Está condicionada, porém, à plena satisfação dos requisitos constitucionais, que lhe imprimem determinados fins: caráter educativo, informativo ou de orientação social; e ausência de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Não poderá, portanto, as autoridades públicas utilizar-se de seus nomes, de seus símbolos ou imagens para, no bojo de alguma atividade publicitária, patrocinada por dinheiro público, obterem ou simplesmente pretenderem obter promoção pessoal, devendo a matéria veiculada pela mídia ter caráter eminentemente objetivo para que atinja sua finalidade constitucional de educar, informar ou orientar, e não sirva, simplesmente, como autêntico marketing político.”

Assim, em linha de princípio, e tomando-se por base a abalizada doutrina acima reproduzida, não me parece que a lei em exame mereça ser censurada, visto que, ao contrário do que constou na inicial, a vigente Constituição não veda a publicidade com caráter informativo, que propicie à população o exercício do controle sobre os atos administrativos, iniciativa essa que é perfeitamente afinada com a publicidade, transparência, moralidade e impessoalidade.

A matéria em questão, vale ressaltar, não é de iniciativa reservada ao Prefeito, tampouco o legislador Amparense usurpou prerrogativa própria da função executiva, tratando-se, sim, de ato legislativo a versar sobre assunto de interesse local (publicidade dos atos estatais) e sobre o qual inexiste restrição ao pleno exercício pela Câmara de sua função normativa.

Quanto ao argumento de que essa lei produziu o aumento da despesa pública, é bem de ver que o Município de Amparo disponibiliza informações na web (www.amparo.sp.gov.br) e, portanto, o acréscimo de mais uma informação em nada irá repercutir no orçamento, tratando-se, demais, de verdadeiro sofisma a alegação de que toda e qualquer lei que gere despesa só possa advir de projeto de autoria do Executivo.

Nesse sentido, o colendo STF já decidiu que:

“(...) Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes.” (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

Em tais circunstâncias, o parecer é pela improcedência da presente ação, sem a confirmação da liminar.

São Paulo, 29 de setembro de 2011.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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