Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n.º 0083284-23.2011.8.26.0000

Autor: Prefeito Municipal de Jundiaí

Objeto de impugnação: Lei Complementar n.º 471, de 24 de março de 2009, do Município de Jundiaí.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade - Lei n.º 471/2009, de origem parlamentar, que modificou a Lei Complementar n.º 417/2004 a fim de incluir representante permanente da OAB no Conselho de Gestão da Serra do Japi – Vício de iniciativa – As leis que disponham sobre a composição de órgãos da administração pública são de iniciativa reservada ao Executivo – A regra da iniciativa reservada tem implicação direta com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes – Precedentes do TJSP e STF – Caracterizada a afronta aos arts. 5.º, 24, § 2.º, 2, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo – Ação procedente. 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

Trata-se de ação – movida pelo Prefeito Municipal de Jundiaí – na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade da lei em epígrafe, de origem parlamentar, cuja redação é a seguinte:

 

 

Segundo consta na inicial, a lei em epígrafe – de origem parlamentar – padece de vício formal de iniciativa, pois cabe ao Prefeito promover a organização administrativa em nível municipal, inclusive definir a composição de órgãos da administração pública, encontrando-se, assim, caracterizada na espécie a usurpação pelo Legislativo de prerrogativa que é própria da função executiva, com implicação direta na independência e harmonia entre os Poderes. No final é indicada a violação dos arts. 5.º, 47, II, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Houve concessão de liminar, que suspendeu provisoriamente os efeitos da lei ora impugnada (fls. 20/21).

Como essa lei versa sobre matéria exclusivamente local, donde ausente o interesse estadual na sua preservação, o Procurador Geral do Estado optou por não defendê-la (fls. 31/33).

Notificada, a Câmara de Vereadores de Jundiaí prestou informações no prazo regimental, limitando-se, porém, a estabelecer a cronologia de votação do projeto de lei naquela Casa.

Em resumo, é o que consta nos autos.

“Data venia”, a ação deverá ser julgada procedente. 

Como se sabe, a função primordial da Câmara é a normativa, isto é, a edição de normas gerais, abstratas e obrigatórias de conduta, enquanto que o Poder constitucionalmente encarregado de administrar é o Executivo, que deve se ater, porém, no desempenho dessa grave missão, aos parâmetros legalmente previstos, por força do princípio da legalidade, que rege toda atividade administrativa, consoante o art. 111 da Carta Estadual.

Em princípio, a Câmara pode legislar sobre todos os assuntos de interesse local (CF, art. 30, I), inclusive suplementar a legislação federal e estadual no que couber (CF, art. 30, II), mas há certos temas cuja disciplina normativa foi confiada com exclusividade ao Executivo, no que tange à prerrogativa de deflagrar o processo legislativo, entre os quais “a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública”, e, acerca desses temas, a Câmara não poderá dispor sem a prévia provocação do Prefeito, a quem compete – no exercício de um juízo tipicamente discricionário – avaliar a conveniência e oportunidade da medida.  

A regra da reserva de iniciativa, vale ressaltar, deriva do processo legislativo federal e, devido à estreita vinculação com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, sua observância é obrigatória pelos Estados e Municípios, consoante a jurisprudência assente no STF, “verbis”:     

                                “Processo legislativo dos Estados-membros: absorção compulsória das linhas básicas do modelo constitucional federal entre elas, as decorrentes das normas de reserva de iniciativa das leis, dada a implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes: jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal.” (ADI 637, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE, julgamento em 25-8-04, DJ de 1.º-10-04.)

 

No caso sob exame, malgrado as restrições previstas na própria Constituição, verifica-se que a Câmara de Vereadores de Jundiaí votou e aprovou projeto de lei de iniciativa parlamentar o qual prevê representante permanente da OAB no Conselho de Gestão da Serra do Japi, órgão subordinado à Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente, sem, no entanto, atentar para a reserva de iniciativa existente sobre essa matéria em favor do chefe do Poder Executivo (CE, art. 24, § 2.º, 2).

No âmbito desse Egrégio Tribunal de Justiça, a questão objeto da controvérsia já foi enfrentada em várias oportunidades, conforme se pode observar dos precedentes abaixo reproduzidos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADEDE LEI - Município de Mogi Guaçu – Lei Municipal n" 4.579/2009 - Dispõe sobre a criação do Museu dos Esportes no Município- Vicio de iniciativa - Violação ao princípio da separação dos poderes - Ato que gera obrigação e deveres para os órgãos executivos do Município - Criação de despesas sem indicação da respectiva fonte- Afronta aos arts. 5°,  25, e 47, II da CE - Inconstitucionalidade decretada.” (ADI0333411-15.2010, Rel. Des. SAMUEL JÚNIOR, v.u., julgamento em 6/7/2011)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -Município de Ubatuba - Lei Municipal nº 3.295/2010 que autoriza o Executivo Municipal a criar o Conselho Municipal de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra de Ubatuba –Liminar concedida - Ato de gestão, competência privativa do Poder Executivo - Vicio de iniciativa - Princípio de separação dos poderes - Violação aos 5o, 25, 47, II, todos da Constituição” (ADI 990.10.157579-5, Rel. Des. SAMUEL JÚNIOR, v.u., julgamento em 9/2/2011).

        

Igualmente, no STF, acerca do tema em discussão, já se decidiu que:

“Lei do Estado do Rio Grande do Sul. Instituição do Pólo Estadual da Música Erudita. Estrutura e atribuições de órgãos e secretarias da administração pública. Matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes. Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução da lei. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. Ação julgada procedente.” (ADI 2.808, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 24-8-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006.)

“Processo legislativo: reserva de iniciativa ao Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, e): regra de absorção compulsória pelos Estados-membros, violada por lei local de iniciativa parlamentar que criou órgão da administração pública (Conselho de Transporte da Região Metropolitana de São Paulo - CTM): inconstitucionalidade.” (ADI 1.391, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-5-2002, Plenário, DJ de 7-6-2002.)

Conclui-se, assim, que a Câmara de Vereadores de Jundiaí usurpou prerrogativa que é própria da função executiva, no campo da iniciativa reservada de lei, ao dispor sobre matéria que, nos termos da vigente Constituição (arts. 24, § 2.º, 2), só poderia advir de projeto de lei de iniciativa exclusiva do chefe do Executivo: a estruturação de órgão da administração pública, com grave reflexo na independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 2.º).

Em tais circunstâncias, opina-se pela procedência desta ação, com a confirmação da liminar.

                                       São Paulo, 18 de julho de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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