Parecer
Autos nº. 0084832-83.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Iacri
Objeto: Lei nº 1.819, de 15 de abril de 2011, do Município de Iacri
Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 1.819/2011, DO MUNICÍPIO DE IACRI. PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INICIATIVA LEGISLATIVA CONCORRENTE. 1. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo que não se presume por ser direito estrito, exigindo explícita previsão normativa sobre o assunto. 2. Lei disciplinadora da transparência de atos administrativos, aprimorando a publicidade estatal, independe de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, visto que não versa sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da Administração Pública. 3. Inexistência da criação de novo encargo sem cobertura financeira. 4. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Iacri, tendo por objeto a Lei nº 1.819, de 15 de abril de 2011, do mesmo município, que “dispõe sobre a transparência na administração pública e dá outras providências”.
O autor sustenta que a lei em questão, de iniciativa de Vereador, instituiu o serviço público consistente na publicação obrigatória de determinados dados da Administração, do que decorreria a violação ao princípio da separação e independência dos Poderes, de que trata o art. 5º da Carta Paulista. Afirma, em acréscimo, que a lei gera despesas sem a indicação da fonte de custeio, em contradição com a regra do art. 25 da Constituição do Estado. Pede a declaração de inconstitucionalidade da lei ou, ao menos, dos incisos I, II, III, IV, V, VI e VII de seu art. 2º (fls. 2/19).
Os aludidos incisos do art. 2º do diploma normativo tiveram suas vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 44).
O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 64/89).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 49/51).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A ação é improcedente.
A lei local impugnada cuida de elevado,
basilar e radical assunto na senda da organização político-administrativa
municipal: a transparência administrativa que se articula por um de seus
subprincípios (a publicidade), ajustando à modernidade tecnológica o
cumprimento da diretriz de diafanidade da gestão dos negócios públicos.
Não se trata, pois, de matéria que mereça
trato normativo por impulsão exclusiva do Chefe do Poder Executivo ou que
traduza a intromissão da Câmara Municipal na gestão administrativa.
Com efeito, a lei local cuida, por
excelência, da concretização do princípio da transparência, inscrito no art. 37
da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual sob o nome de
publicidade, como afirma a doutrina (Wallace Paiva Martins Junior. Transparência administrativa, São Paulo:
Saraiva, 2004), fornecendo maior grau de visibilidade à res publica, tendo como baliza que, como salientou o eminente
Ministro Celso de Mello em histórico julgamento, “o novo estatuto político
brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta
- consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor
constitucionalmente assegurado” (RTJ 139/712).
Portanto, é indevido concluir que esse
assunto seja da reserva do Poder Executivo ou de sua iniciativa legislativa
exclusiva.
Ora, a matéria situa-se na iniciativa comum
ou concorrente. Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder
Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes,
entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida
interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada,
perfilhando tradicional lição salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
Fixadas estas premissas, as reservas de
iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos
diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na
medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam
reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido,
colhe-se da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil - matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em consequência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).
Como desdobramento particularizado do
princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a
Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, iniciativa
legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal
por obra de seu art. 144). Não se verifica nesse preceito reserva de iniciativa
legislativa instituída de maneira expressa, assim como no art. 47 (aplicável na
órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do
Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do
Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão
que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de
sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
Registro, na oportunidade, que alegação dessa
espécie foi rechaçada no Supremo Tribunal Federal ao resumir que:
“Lei disciplinadora de atos de publicidade do Estado, que independem de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, visto que não versam sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da Administração Pública. Não-incidência de vedação constitucional (CF, artigo 61, § 1º, II, e)” (STF, ADI-MC 2.472-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Correa, 12-03-2002, v.u., DJ 03-05-2002, p. 13).
Tampouco é admissível a arguição de ofensa ao
art. 25 da Constituição Estadual.
Não se pode afirmar que a publicação dos atos
administrativos em sítio oficial da Prefeitura aumenta a despesa corrente. A
presunção é a de o serviço já existe e que o acréscimo dos novos itens não
compromete o orçamento. De toda sorte, o exame dessa matéria demandaria análise
de fato, que é proscrita nesta via impugnativa.
Diante do exposto, opino pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.
São Paulo, 12 de setembro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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