Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n.º 0088608-91.2011.8.26.0000

Autor: Prefeito Municipal de Mirassol

Objeto de impugnação: Lei n.º 3.379, de 18 de fevereiro de 2011, do Município de Mirassol.

 

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n.º 3.379, de 18 de fevereiro de 2011, do Município de Mirassol, a qual dispõe sobre a divulgação de títulos precatórios a serem pagos pela municipalidade. Tal iniciativa é compatível com o princípio da publicidade porque visa a informar e a propiciar à população o exercício do controle sobre os atos administrativos. Improcedência da ação.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

         Cuida-se de ação – movida pelo Prefeito Municipal de Mirassol – na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade da lei em epígrafe, de origem parlamentar (PL 82/2010), cuja redação é a seguinte:

 

Lei n.º 3.379, de 18 de fevereiro de 2011.

Dispõe sobre a divulgação de títulos precatórios a serem pagos pela municipalidade.

O Presidente da Câmara Municipal de Mirassol “Renato Zancaner”. Faço saber que a Câmara Municipal manteve e eu promulgo, nos termos do Parágrafo 6.º, do art. 44, da Lei n.º 1.612, de 31 de março de 1990, a seguinte Lei:

Art. 1.º - Fica o Chefe do Poder Executivo Municipal obrigado a disponibilizar no Diário Oficial do Município e na página própria da Internet www.mirassol.sp.gov.br, a relação de processos que envolvam pagamento de títulos precatórios, organizados na forma da Lei, pela ordem de pagamento.

Art. 2.º - As despesas decorrentes com a execução da presente Lei, se houverem, correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas por Decreto, se necessário.

Art. 3.º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Câmara Municipal de Mirassol, 18 de fevereiro de 2011.

Emílio Brandemarti Neto

Presidente da Câmara Municipal”

 

 

         Segundo consta na inicial, a lei em questão apresenta vício formal e material de inconstitucionalidade. É formalmente inconstitucional porque a matéria nela prevista é de iniciativa reservada ao Executivo. É materialmente inconstitucional porque fere a independência e harmonia entre os Poderes e gera despesas sem fonte de custeio (CE, arts. 5.º, 25, 47, II, e 144).    

         Houve concessão de liminar (fls. 15/17).

         Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador-Geral do Estado declinou de promover a defesa do ato normativo impugnado, pois este trata de matéria exclusivamente local, inexistindo, portanto, interesse estadual na sua preservação.

         Notificada, a Câmara Municipal de Mirassol apenas estabeleceu a cronologia de votação do projeto de lei naquela Casa, sem impugnar diretamente os fundamentos do pedido.

 

         Em resumo, é o que consta nos autos.

 

         A ação é improcedente.

         Com efeito, a iniciativa em análise não parece incompatibilizar-se com a Constituição, que, no § 1.º de seu art. 37, reza o seguinte: ‘A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.’

 

         Acerca de tal dispositivo, ALEXANDRE DE MORAES (Cf. ‘Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional’, Atlas, São Paulo, 2.ª edição, comentário ao § 1.º do art. 37, p. 893) anotou que:

 

‘O legislador constituinte, ao definir a presente regra, visou à finalidade moralizadora, vedando o desgaste e o uso de dinheiro público em propagandas conducentes à promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, seja por meio da menção de nomes, seja por meio de símbolos ou imagens que possam de qualquer forma estabelecer alguma conexão pessoal entre estes e o próprio objeto divulgado.

Ressalte-se que o móvel para essa determinação constitucional foi a exorbitância de verbas públicas gastas com publicidade indevida.

Note-se, portanto, que a publicidade não está vedada constitucionalmente, pois o princípio da publicidade dos atos estatais, e mais restritamente dos atos da Administração, inserido no caput do art. 37, é indispensável para imprimir e dar um aspecto de moralidade à Administração Pública ou à atuação administrativa (g.n.), visando ao referido princípio, essencialmente, proteger tanto os interesses individuais, como defender os interesses da coletividade mediante o exercício do controle sobre os atos administrativos (g.n.).

 

Está condicionada, porém, à plena satisfação dos requisitos constitucionais, que lhe imprimem determinados fins: caráter educativo, informativo ou de orientação social; e ausência de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Não poderá, portanto, as autoridades públicas utilizar-se de seus nomes, de seus símbolos ou imagens para, no bojo de alguma atividade publicitária, patrocinada por dinheiro público, obterem ou simplesmente pretenderem obter promoção pessoal, devendo a matéria veiculada pela mídia ter caráter eminentemente objetivo para que atinja sua finalidade constitucional de educar, informar ou orientar, e não sirva, simplesmente, como autêntico marketing político.’

 

         Em linha de princípio, e tomando-se por base a abalizada doutrina acima reproduzida, não me parece que a iniciativa em exame deva ser censurada, visto que, ao contrário do que consta na inicial, a vigente Constituição não veda a publicidade com caráter informativo, que propicie à população o exercício do controle sobre os atos administrativos.

         A matéria em questão, vale ressaltar, não é de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo, tratando-se, sim, de lei a versar sobre assunto de interesse local (publicidade dos atos estatais) e sobre o qual inexiste restrição ao pleno exercício pela Câmara de sua função normativa.

 

         Quanto ao argumento de que essa lei produziu o aumento da despesa pública, é bem de ver que o Município de Mirassol conta com Diário Oficial próprio, inclusive disponibilizado na web (www.mirassol.sp.gov.br), e, portanto, o acréscimo de mais uma informação (relevante, por sinal) em nada irá repercutir no orçamento, tratando-se, demais, de verdadeiro sofisma a alegação de que toda e qualquer lei que gere despesa só possa advir de projeto de autoria do Executivo.

 

                   Nesse sentido, o colendo STF já decidiu que:

"Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 1º, 2º e 3º da Lei 50, de 25-5-2004, do Estado do Amazonas. Teste de maternidade e paternidade. Realização gratuita. (...) Ao contrário do afirmado pelo requerente, a lei atacada não cria ou estrutura qualquer órgão da administração pública local. Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo chefe do Executivo (g.n.). As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes." (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

         Igualmente desprovido de consistência jurídica é o argumento posto na inicial de que, com a aprovação dessa lei, o administrador foi privado da possibilidade de agir segundo os critérios de conveniência e oportunidade, intrínsecos à Administração Pública.

         Como se sabe, a discricionariedade deriva diretamente da lei, pois a administração pública se rege pelo princípio da legalidade, o que significa dizer que – ao contrário do particular, que pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe – o administrador só pode fazer aquilo que a lei permite.

         Há determinadas hipóteses em que a lei atribui certa margem de discricionariedade ao administrador, o qual, diante de uma situação concreta, poderá optar por essa ou por aquela solução, desde que a mais conveniente.

         Portanto, a discricionariedade é um poder outorgado por lei; porém, quando não deseja atribuir certa liberdade ao gestor público, o legislador trata de disciplinar exaustivamente a matéria, sem margem ao exercício do poder discricionário, como ocorreu na hipótese em análise.

         A esse respeito, Victor Nunes Legal leciona que:

 

“... para a prática de certos atos administrativos a Constituição e as leis costumam reservar à administração pública uma opção de conveniência e oportunidade. A opção de conveniência e oportunidade é que constitui o conteúdo discricionário do ato, mas, salvo no tocante a esse ponto, o ato administrativo, em tudo o mais, se deve considerar vinculado.

Por isso o mais acertado não é falar-se de ato discricionário; o certo é falar-se de poder discricionário. Mas, como frequentemente certos atos só têm existência material depois que a administração manifestou a opção referida (sem a qual o ato não existiria), é admissível que se use, em tais casos, a expressão atos discricionários, contanto que se reconheça a deficiência conceitual da expressão.

O mesmo raciocínio não se pode fazer em relação aos atos vinculados, pois há casos em que o sistema legal não deixa à administração a menor margem de escolha, impondo-lhe uma ação ou omissão necessária em face de certos pressupostos. (g.n.)

Em casos dessa natureza, o ato administrativo é integralmente vinculado.”  (Cf. Problemas de Direito Público, Forense, Rio de Janeiro, 1960, 1.ª edição, p. 281).

 

         Não há, portanto, que se falar em lei ofensiva à separação dos Poderes na hipótese em que o legislador optou por não dar margem de escolha à administração pública, impondo-lhe determinada ação necessária a resguardar a transparência e a publicidade.

Em suma, a Constituição não veda a publicidade estatal, exceto para fins de promoção pessoal, o que não houve neste caso, em que o intuito da norma censurada é tornar transparente a gestão dos precatórios, cuja inadimplência constitui grave problema atual e, desse modo, a população tem todo o direito de conhecê-lo e também de cobrar das autoridades constituídas sua resolução, a qual, como se sabe, está bem longe de ser alcançada.

Em tais circunstâncias, opina-se pela improcedência da ação, sem confirmação da liminar.

                  

 

São Paulo, 11 de agosto de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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