Parecer
Processo n.º 0094014-93.2011.8.26.0000
Autor: Prefeito Municipal de Jundiaí
Objeto de
impugnação: Lei n.º 7.418, de 23 de
março de 2010, do Município de Jundiaí.
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal
n.º 7.418/2010, de Jundiaí, de origem parlamentar, que instituiu a Campanha
Permanente Doação de Medula Óssea – Um pequeno gesto que faz toda a diferença. Assunto
de interesse local (CF, art. 30, I). Matéria de iniciativa geral ou concorrente.
A iniciativa reservada só se admite nas hipóteses expressamente previstas na
Constituição (CE, art. 24, § 2.º, 1 a 6), a qual, porém, não contempla a
matéria disciplinada na lei em questão. A vida e a solidariedade são valores
consagrados pela vigente Constituição. Improcedência da ação.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Cuida-se de ação na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade da lei em epígrafe, de origem parlamentar, que reza o seguinte:
Segundo consta na inicial, a lei em questão apresenta vício formal, pois a matéria nela prevista refere-se à gestão administrativa e financeira, serviços públicos, sendo, pois, de iniciativa reservada ao Executivo; além disso, a referida lei instituiu obrigações aos órgãos públicos, inclusive a necessidade da criação de cargos, e produziu o aumento da despesa pública; assim, por estar caracterizada a violação dos arts. 5.º, 25, 47, inciso XIV, 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, requer a suspensão liminar de sua eficácia e, afinal, a declaração de sua inconstitucionalidade.
Houve concessão de liminar (fls. 23/24).
Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador-Geral do Estado optou por não defender o ato normativo impugnado, porquanto entende que a sua intervenção – nos processos de fiscalização abstrata – é condicionada a existência de interesse estadual na sua preservação, ausente, porém, neste caso.
Notificada, a Câmara Municipal de Jundiaí limitou-se nas suas informações a estabelecer a cronologia de votação do projeto de lei naquela Casa.
Em resumo, é o que consta nos autos.
A ação é improcedente, data venia.
Como se sabe, a função primordial da Câmara é a normativa, isto é, a capacidade de dispor genérica e abstratamente sobre os assuntos de interesse local (CF, art. 30, I) e suplementar a legislação federal e estadual no que couber (CF, art. 30, II).
Há, porém, certos assuntos de interesse local sobre os quais a Câmara só poderá dispor se for provocada antes pelo Prefeito, detentor do poder de iniciativa sobre determinadas matérias, que são aquelas expressamente previstas no art. 24, § 2.º, 1 a 6, e 174, I a III, da Constituição do Estado de São Paulo.
Essa regra da reserva de iniciativa, que deriva do processo legislativo federal, é de observância obrigatória pelos Municípios, ante sua implicação direta com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5.º), consoante a orientação jurisprudencial dominante no STF, verbis:
“Processo legislativo dos Estados-membros:
absorção compulsória das linhas básicas do modelo constitucional federal entre
elas, as decorrentes das normas de reserva de iniciativa das leis, dada a
implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos
poderes: jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal.” (ADI 637, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em
25-8-2004, Plenário, DJ de 1º-10-2004.)
Ocorre, porém, que na Constituição em vigor não existe nenhuma norma reservando com exclusividade ao chefe do Poder Executivo a iniciativa das leis que disponham sobre a instituição de campanhas públicas ou privadas, tratando-se, por conseguinte, de matéria de iniciativa geral ou concorrente.
Assim, malgrado o contido na inicial, a Câmara de Vereadores de Jundiaí não usurpou prerrogativa própria da função executiva, tampouco editou norma que crie deveres à administração pública ou gere aumento da despesa.
Na verdade, a iniciativa em análise reveste-se de inegável caráter social, humanitário e solidário, porquanto visa a estimular a doação de medula óssea, medida que poderá salvar a vida de milhares de enfermos, os quais, para sobreviver, necessitam de transplantes, nem sempre possíveis devido à escassez de doadores e às dificuldades normais de encontrar doadores compatíveis, encontrando-se, assim, tal iniciativa perfeitamente afinada aos valores consagrados na Constituição, em especial a vida e a solidariedade, que é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (CF, art. 3.º, I).
A gestão da campanha foi atribuída por lei aos bancos de sangue e/ou entidades correlatas do Município (art. 1.º, § 1.º), ou seja, essa lei não vincula o Poder Público, nem o obriga a criar órgão específico para esse fim, valendo acrescentar, demais, que em rápida pesquisa na internet (www.google.com.br), mediante as expressões de busca: Jundiaí, sangue e medula óssea, é possível identificar várias entidades privadas e beneficentes que se dedicam à coleta de sangue e medula óssea, a quem essa lei é de fato endereçada.
Por outro lado, a lei em questão impõe o dever de orientar e alertar os doadores sobre a importância de manter os seus dados atualizados e, para fins de divulgação, o estabelecimento de parcerias entre órgãos públicos, ONGs, veículos de comunicação e empresas privadas, sem, contudo, adentrar na prática administrativa.
Ou seja, o argumento posto na inicial de que essa lei invade a órbita de atribuições do Executivo não tem nenhuma consistência jurídica, visto que de sua aplicação não decorre necessariamente a necessidade da criação de órgãos e de cargos públicos apenas para esse fim; além de ser igualmente vazia de conteúdo a genérica alegação de aumento da despesa pública, usual nas ações desta natureza, mas sem nenhum vínculo com a realidade.
Assim, como não está caracterizada a violação da regra da iniciativa reservada, nem do princípio da independência e harmonia entre os Poderes, o parecer é pela improcedência da presente ação, sem a confirmação da liminar.
São Paulo, 25 de julho de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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