Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0103669-89.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Taboão da Serra

Objeto: Parte do inciso I e alínea “c” do art. 29 da Lei Complementar Municipal n. 132, de 26 de dezembro de 2006, do Município de Taboão da Serra

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito, tendo por objeto Parte do inciso I e alínea “c” do art. 29 da Lei Complementar Municipal n. 132, de 26 de dezembro de 2006, do Município de Taboão da Serra. Atos normativos que preveem a possibilidade de 2 (dois) membros do Poder Legislativo integrarem o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano. Ofensa ao princípio da separação dos poderes. Violação dos arts. 5º e 47 da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal, tendo por objeto parte do inciso I e alínea “c” do art. 29 da Lei Complementar Municipal n. 132, de 26 de dezembro de 2006, do Município de Taboão da Serra.

 

Sustenta o autor que as atribuições do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano não são de mera consultoria e aconselhamento do Poder Executivo, pois a ele, dentre outros, cabem atribuições de administração e alocação dos recursos públicos do Executivo, sendo que as atividades administrativas no Município são da competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública.  Assim sendo, por inserir vício de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender o princípio de separação e harmonia entre os poderes.

O pedido de medida liminar foi deferido (fls. 76/77).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 89/227).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 85/86).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A ação procede.

Com efeito, os dispositivos legais impugnados possibilitam que dois membros do Poder Legislativo integrem o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano.

Entretanto, trata-se evidentemente de matéria referente à administração pública, cuja gestão é de competência exclusiva do Prefeito.

Ensina a doutrina que os “conselhos são organismos públicos destinados a assessoramento de alto nível e de orientação e até de deliberação em determinado campo de atuação governamental”.  

Assim, importa observar que houve violação ao princípio da harmonia e separação dos poderes (art. 5º, da Constituição do Estado de São Paulo).

Ademais, nos termos do art. 47 da Constituição do Estado de São Paulo:

“Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição (...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual (...)”

Em realidade, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de “Governo”, e que tem na lei seu mais relevante instrumento, participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que:

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração  (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita - que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie', a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente  nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em  atos ou medidas  de execução  governamental  (...)  Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § I, c/c 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais.  Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental” ( Direito Municipal Brasileiro, 16ª ed., São Paulo: 2008, p. 748, Malheiros). 

Percebe-se que a lei em questão tem irregularidades constitucionais eis que permite que dois membros do Poder Legislativo integrem o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano.

Em situação análoga, esse Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu (Processo n. 225.365-63.2009.8.26.0000, Relator: Laerte Sampaio, Data do julgamento: 10/03/2010):

“Ação declaratória de Inconstitucionalidade. Conselho Municipal. Composição. Inclusão de representantes do legislativo. Inconstitucionalidade. 1. Viola o art. 5º, §2°, da CE o art. 4º da Lei Municipal n° 1.595/2005, com a redação dada pela Lei Municipal n° 1629 de 09.06.2006, que inclui dois membros do Poder Legislativo na composição do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência. Ação procedente”.

Diante do exposto, opino pela procedência do pedido para o fim de se declarar inconstitucional de parte do inciso I e alínea “c” do art. 29 da Lei Complementar Municipal n. 132, de 26 de dezembro de 2006, do Município de Taboão da Serra.

São Paulo, 28 de novembro de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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