AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Processo n.º 0115772-31.2011.8.26.0000
Autor: Prefeito Municipal de Teodoro Sampaio
Objeto de impugnação: § 1.º do art. 16 da Lei Municipal n.º 1.622, de 27 de julho de 2009, de Teodoro Sampaio, com a redação determinada pela Lei n.º 1.748, de 20 de maio de 2011.
EMENTA: Ação direta de
inconstitucionalidade. § 1.º do art. 16 da Lei Municipal n.º 1.622, de 27 de
julho de 2009, de Teodoro Sampaio, com a redação dada pela Lei n.º 1.748, de 20
de maio de 2011, que autoriza a cobrança de taxa (de polícia) apenas se o Poder
Público, após prévia realização de vistoria técnica, exigida por lei, autorizar
a poda ou corte de vegetação arbórea. Inconstitucionalidade formal não
identificada. Matéria de natureza tributária. Iniciativa geral ou concorrente.
Precedentes do STF. A Câmara pode emendar os projetos de iniciativa do
Executivo, havendo limites para o exercício dessa prerrogativa parlamentar
apenas quanto aos projetos de lei de iniciativa reservada, o que não é o caso. Inconstitucionalidade
material. Questão não suscitada na inicial. Causa de pedir aberta.
Possibilidade de o Tribunal proclamar a inconstitucionalidade da norma por
outro fundamento não expresso na inicial. Ofensa à isonomia tributária (CE,
art. 163, II). Proposta a procedência da ação.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Cuida-se de ação – movida pelo Prefeito Municipal de Teodoro Sampaio – na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade da disposição normativa em epígrafe, que reza o seguinte:
“Art.
16 - .....
§ 1.º - Após a efetiva realização
da vistoria técnica, caso esta seja conclusiva no sentido de autorizar a poda
ou corte da vegetação arbórea, será cobrada uma taxa de 10% (dez por cento) do
Valor de Referência do Município, que será repassada para o Fundo Especial de
Meio Ambiente.”
Segundo consta na inicial, o Prefeito enviou projeto de lei à Câmara propondo modificações na Lei n.º 1.622/2009, mas, durante a tramitação do referido projeto, a proposta original sofreu emenda parlamentar (Emenda Modificativa n.º 2) que fere a independência e a harmonia entre os Poderes, ante a usurpação de competência do Prefeito, o qual é encarregado da organização da estrutura administrativa da Prefeitura; na prática, a aludida norma concedeu isenção tributária, pois, na sua redação anterior, a cobrança da taxa independia de ser conclusiva ou não a vistoria no sentido de se autorizar a poda ou supressão de vegetação arbórea. No final há expressa indicação de contrariedade aos arts. 5.º e 28, § 7.º, da Constituição do Estado de São Paulo.
A liminar foi negada (fl. 90 e verso).
O Procurador-Geral do Estado não vislumbrou nenhum interesse, de sua parte, na defesa de lei a versar sobre matéria exclusivamente local.
Notificada, a Câmara Municipal de Teodoro Sampaio não se pronunciou nos autos.
Em resumo, é o que consta nos autos.
A ação é procedente, conforme será demonstrado mais adiante.
No seu art. 145, II, a Constituição em vigor autoriza a cobrança de taxa em razão do exercício do poder de polícia, opção criticada pela doutrina.
Para Hely Lopes Meirelles, “o exercício do poder de polícia, ou melhor, o policiamento administrativo, é serviço genérico e, como tal, deveria ser custeado pelos impostos (...). Mesmo porque a taxa pelo exercício do poder de polícia é exigida de quem se vê obrigado a requerer manifestação do Poder Público para uso de sua propriedade ou prática de determinada atividade, como uma licença para construir ou uma autorização para realizar espetáculo público. Tal manifestação não é, portanto, emitida em seu benefício, uma vez que, em regra, constitui restrição a direito seu, mas no da coletividade, por cujo bem-estar, em todos os seus aspectos (segurança, higiene, ordem, costumes), a Administração deve zelar. Quando muito, o que se deveria exigir do interessado seriam emolumentos, impropriamente denominados taxas de expediente, para cobrir as despesas materiais da Administração com a expedição e publicação do ato [alvará].” (Cf. Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 1996, 8.ª edição, atualizada por Izabel Camargo Lopes Monteiro, Yara Darcy Police Monteiro e Célia Marisa Prendes, p. 141).
Malgrado esse respeitável entendimento, é inegável que a taxa de polícia constitui espécie tributária, tanto que, geograficamente, foi inserida no capítulo da Constituição que trata do Sistema Tributário Nacional, ao lado da taxa de serviço.
A instituição e cobrança de taxa de polícia não se inserem no rol das matérias de iniciativa reservada ao Executivo, podendo sobre esse assunto dispor livremente a Câmara, ao contrário do que constou na inicial.
Em inúmeros precedentes jurisprudenciais o STF tem sistematicamente rejeitado a tese da iniciativa reservada em matéria tributária:
"Ação direta de
inconstitucionalidade: Lei estadual 2.207/2000, do Estado do Mato Grosso do Sul
(redação do art. 1º da Lei estadual 2.417/2002), que isenta os aposentados e
pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição
destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado (...) Processo
legislativo: matéria tributária:
inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente
a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito
exclusivamente aos Territórios Federais." (ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em
19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006.) No
mesmo sentido: RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática,
julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em
28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003,
Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006,
Plenário, DJ de 9-6-2006.
Assim,
sob uma perspectiva eminentemente formal, é incensurável a opção do legislador
de exigir o pagamento de taxa de polícia apenas de quem obteve autorização do
Poder Público para a poda ou corte de árvore, ainda que isso implique, por via
oblíqua, isentar do pagamento do referido tributo os que não foram autorizados
a fazê-lo.
Por outro lado, em se tratando, na
espécie, de matéria de iniciativa geral ou concorrente, é bem de ver que nenhum
empecilho há ao exercício do poder de emenda, pelos parlamentares, o que,
aliás, constitui pressuposto lógico do exercício de sua função normativa.
Nesse sentido, José Afonso da Silva
leciona que “o poder de emenda é o que
tem cada uma das Câmaras de modificar o texto do projeto de lei, objeto de seu
exame, mediante aprovação da proposta de emenda de seus membros ou órgãos
internos nos limites da matéria disciplinada no projeto mesmo. Em outras
palavras: poder de modificar os interesses nos limites da matéria do projeto de
lei a que se refere; o direito de propor emenda é a faculdade dos membros ou
órgãos de cada Câmara de sugerir modificações nos interesses relativos à
matéria contida no projeto de lei.” (Cf. Processo Constitucional de
Formação das Leis, Malheiros, São Paulo, 2.ª edição, p. 204).
Por outro lado, sob o aspecto material
(conteúdo), essa norma parece ofender o princípio da isonomia tributária.
Nesse ponto, antes de adentrar no exame
dessa questão, é imperioso lembrar que nas ações diretas de inconstitucionalidade
a causa de pedir é aberta, ou seja, o Tribunal pode declarar a
inconstitucionalidade de uma norma por fundamento não previsto na inicial.
Retomando o ponto que interessa, a
diferenciação instituída pela norma em análise, que leva em conta simplesmente
o fato de o contribuinte ser ou não autorizado a realizar a poda ou supressão
de vegetação arbórea, não encontra justificativa sob a ótica do direito.
A isonomia, como se sabe, pressupõe a
adoção de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais na medida de
suas desigualdades.
Ocorre que o só fato de ser negado o
pedido de poda ou supressão de árvore não serve de justificativa para a adoção
de tratamento diferenciado, máxime considerando-se que o Poder Público prestou
efetivamente o serviço solicitado pelo contribuinte, qual seja a realização de
prévia vistoria, o que constitui fundamento à cobrança da taxa.
Não há, assim, nenhuma correlação entre
o serviço cuja realização motivou a cobrança da taxa (vistoria prévia) e a
dispensa legal do pagamento do tributo em caso de indeferimento da solicitação,
o que ocorre numa etapa subsequente desse processo.
É ilógico ou desarrazoado supor-se que,
a cada requerimento negado, o particular possa reaver o valor de taxa destinada
a custear as despesas materiais resultantes da efetiva atuação do Poder
Público, na forma da lei.
Em excelente estudo sobre esse tema,
Souto Maior Borges anota que:
“a vinculação do regime instituído para as isenções aos princípios
constitucionais da legalidade e igualdade, que se dirigem originariamente ao
exercício do poder legislativo. A eficácia do princípio de legalidade
tributária integra-se com a do princípio de isonomia fiscal, inclusive no campo
reservado às isenções, onde inegavelmente eles se projetam. Podem ser
estabelecidas em lei apenas isenções compatíveis com o sistema constitucional
da tributação, isto é, não violatórios do princípio da isonomia ou igualdade de
todos perante o fisco. Podem ser outorgadas isenções que não contrariem o
princípio da generalidade da tributação, mas que tão-somente o excepcionem.
Ao
poder legislativo é defeso, consequentemente, isentar com violação da regra de
igualdade.
O
poder de tributar envolve o poder de isentar. Por isso, a disciplina da
isenção, no que se refere aos princípios fundamentais d a igualdade e da
generalidade, segue a mesma sorte da disciplina do tributo. Ambas estão sob a
regência de idênticos princípios constitucionais.” (Cf. Isenções Tributárias,
Sugestões Literárias, 1969, 1.ª edição, pp. 52/53).
Conclui-se, assim, que o poder de
isentar não é livre, ou pode ser arbitrariamente exercido pelo legislador, que,
no estabelecimento de exceções à regra da generalidade da tributação, deve
ater-se aos valores consagrados pelo ordenamento jurídico, sob pena de ofensa
ao princípio da igualdade, verificada nesse caso, em que a norma adotou
critério distintivo (deferimento ou indeferimento do pedido) que não visa ao
atingimento de uma finalidade albergada pelo direito.
Assim, por estar caracterizada, na
espécie, a violação do art. 163, II, da Constituição do Estado de São Paulo,
requer-se a procedência desta
ação.
São Paulo, 19 de setembro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico