Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0121444-20.2011.8.26.0000

Requerente: Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo

Objeto: Lei nº 3.977, de 9 de setembro de 2009, do Município de Rio Claro

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.977, de 9 de setembro de 2009, do Município de Rio Claro, que dispõe sobre o uso de embalagens plásticas. Competência legislativa municipal para proteção do meio ambiente. Precedentes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Vício de iniciativa inexistente. Parecer pela improcedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

O Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo propôs ação direta de inconstitucionalidade, na qual questiona a validade jurídico-constitucional da Lei nº 3.977, de 9 de setembro de 2009, do Município de Rio Claro, em face do art. 5º; 47, II e XI; 144; 152 e 193, XX e XXI, da Constituição do Estado de São Paulo.

O diploma legal impugnado estabelece que:

“Art. 1º - Fica disposto no âmbito do Município de Rio Claro a obrigatoriedade da utilização das embalagens plásticas oxi-biodegradáveis – OBP’s, biodegradáveis e compostáveis.

Art. 2º - Os estabelecimentos utilizarão para o acondicionamento de produtos, mercadorias em geral e lixo, embalagens plásticas oxi-biodegradáveis – OBP’s, biodegradáveis e compostáveis, quando estas embalagens possuírem características de transitoriedade.

Parágrafo único – Entende-se por embalagem plástica oxi-biodegradável e biodegradável aquela que apresente degradação inicial por oxidação acelerada por luz e calor, e posterior capacidade de ser biodegradada por microorganismos e que os resíduos finais não sejam eco-tóxicos; e por embalagem compostável aquela que se degrada em qualquer circunstância, com ou sem a presença de luz e calor.

Art. 3º - As embalagens devem atender aos seguintes requisitos:

I – degradar ou desintegrar por oxidação em fragmentos em um período de tempo especificado;

II – biodegradar – tendo como resultado CO2, água, biomassa e manganês;

III – os produtos resultantes da biodegradação não devem ser eco-tóxicos ou danosos ao meio ambiente.

IV – plástico, quando compostado, bem como do meio ambiente.

Art. 4º - Os estabelecimentos deverão possuir certificados dos fornecedores que atestem as qualidades descritas no artigo 3º.

Art. 5º - Os estabelecimentos terão prazo de 24 (vinte e quatro) meses para se adequarem aos dispositivos desta Lei.

Art. 6º - Na infração de qualquer dispositivo serão impostas sanções previstas na regulamentação desta Lei, a critério do Poder Executivo.

Parágrafo único – A aplicação da multa não desobriga o infrator das exigências desta Lei.

Art. 7º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação."

A liminar foi deferida (fls. 283).

A Câmara Municipal prestou informações, defendendo a constitucionalidade da norma impugnada (fls. 299/311).

O Prefeito Municipal, embora regularmente intimado, não se manifestou sobre a causa (fls. 312).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo, sob a alegação de que o tema é de interesse local (fls. 294/295).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Dá-se razão ao sindicato quando diz haver controvérsia acerca da eficácia das denominadas sacolas oxibiodegradáveis, cumprindo registrar que, em São Paulo, a Secretaria do Meio Ambiente recomendou que fosse vetada lei estadual que impunha a obrigatoriedade do uso dessas embalagens, observando que são produzidas com aditivos químicos contaminantes do solo e das águas.

De toda sorte, a Lei nº 3.977, de 9 de setembro de 2009, do Município de Rio Claro, está em vigor, como legítima opção política do legislador, querendo conter o dano ao meio ambiente derivado do descarte das sacolas plásticas convencionais, substituindo-as por outras, ao que se supõe, de mais fácil decomposição.

Para a solução da controvérsia, há que se indagar, inicialmente, sobre a competência legislativa do Município para tratar do tema.

Nesse passo, deve-se lembrar que a proteção do meio ambiente foi incluída no rol do art. 24 da Constituição Federal, sendo um dos temas cuja competência é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal.

Para esse assunto, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais. Cabe aos Estados-membros e o Distrito Federal a edição das normas específicas e minuciosas para adaptar princípios, bases e diretrizes estabelecidas nas regras gerais às peculiaridades regionais. Fica reservado aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (CF, art. 30, II), o que significa dizer que sua competência legislativa relaciona-se aos assuntos de predominante interesse local (cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 303-306; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 579-580).

Ocorre que a Constituição do Estado de São Paulo estabelece, em seu art. 191, o seguinte:

Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

Com base nesse dispositivo, o C. Órgão Especial tem dito que “no atendimento de peculiaridades locais voltadas à preservação, conservação e defesa do meio ambiente natural, artificial ou do trabalho, [a Constituição Estadual] igualmente autoriza a edição legislativa de normas que viabilizem esse desideratum, desde que não incompatíveis com normas estaduais ou federais ex vi de seu artigo 191” (trecho do voto do Des. OSCARLINO MOELLER na ADIN nº 164.487-0/9, j. 4.02.2009, v.u.).

Com essa premissa, a Corte julgou válida lei municipal que instituía a compensação às emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas instaladas na cidade de Valinhos, forte no entendimento de que a regra do art. 144 da Constituição Estadual, de caráter genérico, cede em face da clareza e especificidade do art. 191 citado.

Desse modo, em que pese o vigor da argumentação do sindicato, ela não convence de que é defeso ao Município legislar sobre a matéria versada no ato impugnado.

Não há que se acolher, igualmente, a alegação de que a matéria reclama a iniciativa do Alcaide.

No processo legislativo constitucional, a iniciativa reservada não se presume: deve, necessariamente, constar de norma constitucional clara e inequívoca, sob pena de se esvaziar por completo a iniciativa legislativa parlamentar.

Como toda lei editada pelo Poder Legislativo exige fiscalização (inerente ao poder de polícia da Administração Pública), chegar-se-ia à conclusão de que sempre, inexoravelmente, a iniciativa do processo de formação das leis deverá partir do Poder Executivo, o que, à evidência, contraria o art. 61, “caput”, da Constituição Republicana.

Observe-se, por fim, que a lei local não dispôs sobre organização administrativa. Limitou-se a prever sanções para o descumprimento das regras instituídas, que serão impostas, certamente, pelo setor de fiscalização da Prefeitura já existente. Isso nem de longe equivale à criação de órgão ou serviço público na Administração.

Ora, quando a lei não cria órgão para fins de fiscalização, não há como presumir o aumento de despesa sem previsão de receita. Logo, a eventual contradição com o art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo é questão de fato, cujo exame é vedado em sede de ação direta de inconstitucionalidade, inclusive no caso do processo objetivo de controle no plano estadual. Recorde-se, por oportuno, que o art. 125, § 2º, da Constituição de 1988, apenas autoriza o constituinte estadual a instituir “representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual”.

Em face do exposto, aguarda-se a improcedência desta ação direta, já que o diploma legal impugnado não ofende os preceitos da Constituição Paulista indicados na inicial.

 

São Paulo, 8 de novembro de 2011.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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