Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0121448-57.2011.8.26.0000

Requerente: Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo

Objeto: Lei nº 4.903, de 14 de janeiro de 2010, do Município de Mogi Mirim

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 4.903, de 14 de janeiro de 2010, do Município de Mogi Mirim, que dispõe sobre o uso de embalagens plásticas. Competência legislativa municipal para proteção do meio ambiente. Precedentes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Vício de iniciativa inexistente. Parecer pela improcedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

O Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo propôs ação direta de inconstitucionalidade, na qual questiona a validade jurídico-constitucional da Lei nº 4.903, de 14 de janeiro de 2010, do Município de Mogi Mirim, que dispõe sobre o uso de embalagens plásticas, em face do art. 5º; 47, II e XI; 144; 152 e 193, XX e XXI, da Constituição do Estado de São Paulo.

O diploma legal impugnado estabelece que os estabelecimentos comerciais situados no âmbito do Município de Mogi Mirim devem se utilizar, pra o acondicionamento de produtos, mercadorias em geral, embalagens plásticas oxi-biodegradáveis – OBP’s. Enumera os requisitos das embalagens plásticas e estabelece o prazo para a substituição das sacolas comuns.

A liminar foi deferida (fls. 279/280).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 334/338).

A Prefeitura Municipal prestou informações a fls. 313/332, posicionando-se pela constitucionalidade do ato impugnado.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Dá-se razão ao sindicato quando diz haver controvérsia acerca da eficácia das denominadas sacolas oxibiodegradáveis, cumprindo registrar que, em São Paulo, a Secretaria do Meio Ambiente recomendou que fosse vetada lei estadual que impunha a obrigatoriedade do uso dessas embalagens, observando que são produzidas com aditivos químicos contaminantes do solo e das águas.

De toda sorte, Lei nº 4.903, de 14 de janeiro de 2010, do Município de Mogi Mirim, está em vigor, como legítima opção política do legislador, querendo conter o dano ao meio ambiente derivado do descarte das sacolas plásticas convencionais, substituindo-as por outras, ao que se supõe, de mais fácil decomposição.

Para a solução da controvérsia, há que se indagar, inicialmente, sobre a competência legislativa do Município para tratar do tema.

Nesse passo, deve-se lembrar de que a proteção do meio ambiente foi incluída no rol do art. 24 da Constituição Federal, sendo um dos temas cuja competência é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal.

Para esse assunto, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais. Cabe aos Estados-membros e o Distrito Federal a edição das normas específicas e minuciosas para adaptar princípios, bases e diretrizes estabelecidas nas regras gerais às peculiaridades regionais. Fica reservado aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (CF, art. 30, II), o que significa dizer que sua competência legislativa relaciona-se aos assuntos de predominante interesse local (cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 303-306; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 579-580).

Ocorre que a Constituição do Estado de São Paulo estabelece, em seu art. 191, o seguinte:

Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

Com base nesse dispositivo, o C. Órgão Especial tem dito que “no atendimento de peculiaridades locais voltadas à preservação, conservação e defesa do meio ambiente natural, artificial ou do trabalho, [a Constituição Estadual] igualmente autoriza a edição legislativa de normas que viabilizem esse desideratum, desde que não incompatíveis com normas estaduais ou federais ex vi de seu artigo 191” (trecho do voto do Des. OSCARLINO MOELLER na ADIN nº 164.487-0/9, j. 4.02.2009, v.u.).

Com essa premissa, a Corte julgou válida lei municipal que instituía a compensação às emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas instaladas na cidade de Valinhos, forte no entendimento de que a regra do art. 144 da Constituição Estadual, de caráter genérico, cede em face da clareza e especificidade do art. 191 citado.

Desse modo, em que pese o vigor da argumentação do sindicato, ela não convence de que é defeso ao Município legislar sobre a matéria versada no ato impugnado.

Não há que se acolher, igualmente, a alegação de que a matéria reclama a iniciativa do Alcaide.

No processo legislativo constitucional, a iniciativa reservada não se presume: deve, necessariamente, constar de norma constitucional clara e inequívoca, sob pena de se esvaziar por completo a iniciativa legislativa parlamentar.

Como toda lei editada pelo Poder Legislativo exige fiscalização (inerente ao poder de polícia da Administração Pública), chegar-se-ia à conclusão de que sempre, inexoravelmente, a iniciativa do processo de formação das leis deverá partir do Poder Executivo, o que, à evidência, contraria o art. 61, “caput”, da Constituição Republicana.

Observe-se, por fim, que a lei local não dispôs sobre organização administrativa. Limitou-se a prever sanções para o descumprimento das regras instituídas, que serão impostas, certamente, pelo setor de fiscalização da Prefeitura já existente. Isso nem de longe equivale à criação de órgão ou serviço público na Administração.

Ora, quando a lei não cria órgão para fins de fiscalização, não há como presumir o aumento de despesa sem previsão de receita. Logo, a eventual contradição com o art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo é questão de fato, cujo exame é vedado em sede de ação direta de inconstitucionalidade, inclusive no caso do processo objetivo de controle no plano estadual. Recorde-se, por oportuno, que o art. 125, § 2º, da Constituição de 1988, apenas autoriza o constituinte estadual a instituir “representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual”.

Em face do exposto, aguarda-se a improcedência desta ação direta, já que o diploma legal impugnado não ofende os preceitos da Constituição Paulista indicados na inicial.

 

São Paulo, 1º de março de 2012.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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