Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n.0121455-49.2011.8.26.0000

Requerente: Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo

Objeto: Lei n. 10.574, de 11 de janeiro de 2010, do Município de São José do Rio Preto

 

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 10.574/10 de São José do Rio Preto. Obrigação de uso de sacolas oxibiodegradáveis no comércio. Competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI, CF). Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, II, VI e VII, CF). Incumbência do Poder Público, em todas as suas esferas, de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V, CF). Defesa do consumidor e do meio ambiente como princípios constitucionais da atividade econômica (art. 170, V e VI,CF). Legislação municipal editada para atender ao interesse local, suplementando a legislação federal e estadual relativa à proteção do meio ambiente (art. 30, I e II, CF).Parcial procedência da ação em relação ao art. 6º da lei local, de iniciativa parlamentar, que impõe essa obrigação a órgãos e entes públicos por violar a reserva da Administração e gerar despesa sem indicação da fonte de sua cobertura (arts. 5º, 25 e 47, II e XIV, CE).

 

Egrégio Tribunal:

 

 

1.                 Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade contestando a Lei n. 10.574, de 11 de janeirode 2010, do Município de São José do Rio Preto, que obriga aos estabelecimentos comerciais e órgãos e entes públicos a utilização de sacolas retornáveis ou oxibiodegradáveis e sacos de lixo oxiobiodegradáveis no acondicionamento de produtos e mercadorias, por violação aos arts. 5º, 47, II e XI, 144, 152 e 193, XX e XXI, da Constituição do Estado (fls. 02/42).Concedida liminar (fls. 283/288), o Prefeito e a Câmara Municipal de São José do Rio Preto prestaram informações (fls. 304/308, 310/320).A douta Procuradoria-Geral do Estado manifestou desinteresse na defesa do ato normativo impugnado (fls. 299/300).

2.                É o relatório.

3.                O argumento utilizado na inicial, em sua essência, é no sentido de que o Município não teria competência para legislar a respeito do tema.É por essa razão que o autor aponta ocorrência de contrariedade ao disposto nosarts. 152, IV, e 193, XX e XXI, da Constituição do Estado de São Paulo.

4.                O art. 152, IV, da Constituição Paulista apenas estabelece, genericamente, que a finalidade da organização regional do Estado é promover “a integração do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região”.De outro lado, o art. 193 da Carta Paulista, ao tratar, de forma programática, sobre a possibilidade da edição de lei estadual para criação de um “sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle de desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais”, prevê, nos incisos XX e XXI, a finalidade de “controlar e fiscalizar obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos” que possam causar degradação ambiental, bem ainda “realizar o planejamento e o zoneamento ambientais”.

5.                Ou seja, trata-se de dispositivos constitucionais que, se por um lado, estimulam a atuação do Estado de São Paulo na proteção do meio ambiente, de outro não vedam que o Município também o faça.

6.                Não há qualquer espaço para dúvida quanto ao fato de que o Município também tem competência administrativa e legislativa para fins de promover a defesa do meio ambiente, bem como zelar pela saúde dos munícipes.

7.                Nesse sentido dispõe o art. 23, II, VI, VII, da Constituição de 1988, que atribui competência concorrente à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios para, respectivamente: (a) cuidar da saúde; (b) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (c) preservar as florestas, a fauna e a flora. Essa previsão envolve competência normativa municipal, lembrando que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que não compete exclusivamente à União legislar sobre produção e consumo (ADI 2.359-ES, RT 860/163).

8.                Do mesmo modo, a competência dos Municípios, em temas relacionados ao meio ambiente, pode ser extraída da previsão contida no art. 30, I e II da Constituição Federal, por força dos quais o legislador municipal pode regular temas de interesse local, e ainda suplementar a legislação federal no que couber.

9.                Nesse mesmo sentido, o art. 225, § 1º, da Constituição de 1988 impõe ao Poder Público de forma geral – ou seja, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios – inúmeras diretrizes, todas destinadas à preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre elas está, especialmente, nos termos do inciso V, a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

10.              A importância da proteção ao meio ambiente, como é cediço, é tão intensa, que até mesmo no âmbito da atividade econômica a Constituição da República impõe como princípios gerais a serem obsequiados, a defesa do consumidor e do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (art. 170, V e VI).

11.              Essa ideia foi assentada pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão relatada pelo Ministro Celso de Mello (ADI-MC 3.540-DF, Tribunal Pleno, 01-09-2005, DJ 03-02-2006), de cuja ementa se extrai o seguinte excerto:

“(...) A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. (...)”.

12.              Acrescente-se que a competência do Município para legislar sobre o meio ambiente já foi reconhecida por esse colendo Órgão Especial, como se infere do precedente indicado a seguir:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 4.253, de 06.03.2008, do Município de Valinhos – ‘Instituição de compensação às emissões de Gases de Efeitos Estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas que vierem a se instalar no Município’ - Atendimento a peculiar interesse do Município no controle, preservação e recuperação do meio-ambiente - Permissibilidade do art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo - Descabimento de se cogitar infringência à norma da Constituição Federal ou Lei Orgânica do Município na esfera da presente ação direta de inconstitucionalidade improcedente” (ADIN 164.487-0/9-00, Rel. Des. OscarlinoMoeller, 04-02-2009).

13.              Alega ainda a petição inicial que a lei local, de iniciativa parlamentar, afronta a separação de poderes.

14.              Não se trata de matéria inscrita na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Não bastasse não constar do rol do art. 24 da Constituição do Estado, as regras do processo legislativo devem simetria ao modelo federal e também neste não se enquadra a iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo. Ademais, sendo a iniciativa legislativa reservada exceção, sua interpretação é restritiva e não permite extensão ou presunção.

15.              Tampouco pode se vislumbrar na imposição de obrigação ao comércio contida na lei impugnada violação da reserva da Administração, isto é, daquele espaço conferido à disciplina por ato normativo do Poder Executivo sobre as matérias não reservadas à lei em sentido formal ou inerente à gestão administrativa. A polícia do comércio é assunto da reserva de lei, não admitindo tratamento autônomo por ato normativo do Poder Executivo, na medida em que impõe deveres ao particular e prescreve infrações e sanções por seu descumprimento, atingindo a esfera de direito dos administrados.

16.              Ressalva seja feita, no entanto, ao art. 6º da lei local contestada que impõe aos órgãos e entidades do poder público, situados no território municipal, o uso das embalagens mencionadas, porque se patenteia a ofensa à reserva da Administração contida no art. 47, II e XIV, da Constituição Paulista, bem como a seu art. 25, por gerar despesa sem indicação da fonte de cobertura orçamentária.

17.              Opino pela procedência parcial da ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 6º da Lei n. 10.574, de 11 de janeiro de 2010, por violação aos arts. 5º, 25 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado.

         São Paulo, 08 de setembro de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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