Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0121461-56.2011.8.26.0000

Requerente: Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo

Objeto: Lei nº 3.349, de 22 de setembro de 2009, do Município de São Roque

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.349, de 22 de setembro de 2009, do Município de São Roque, que dispõe sobre a utilização de sacolas oxibiodegradáveis e/ou sacolas retornáveis, no lugar das sacolas plásticas tradicionais, pelos estabelecimentos comerciais da Estância Turística de São Roque. Competência legislativa municipal para proteção do meio ambiente. Precedentes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Vício de iniciativa inexistente. Parecer pela improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

O Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo propôs ação direta de inconstitucionalidade, na qual questiona a validade jurídico-constitucional da Lei nº 3.349, de 22 de setembro de 2009, do Município de São Roque, em face dos arts. 5º; 47, II e XI; 144; 152 e 193, XX e XXI, da Constituição do Estado de São Paulo.

O diploma legal impugnado estabelece que:

“Art. 1º - Os estabelecimentos comerciais situados no âmbito do município da Estância Turística de São Roque devem utilizar para o acondicionamento de produtos, mercadorias em geral, embalagens plásticas oxibiodegradáveis- OBP´s e/ou disponibilizar aos consumidores como outra opção a venda de sacolas retornáveis, em substituição as sacolas plásticas convencionais.

Parágrafo único. Para efeitos do disposto no caput, consideram-se:

I- Sacolas oxibiodegradáveis são aquelas confeccionadas de qualquer material que apresente degradação acelerada por luz e calor, atendendo aos requisitos das normas técnicas aplicáveis, tais como:

a) Degradar ou desintegrar por oxidação em fragmentos em um período de tempo de até 18 meses;

b) Apresentar como resultados da biodegradação CO2, água e biomassa;

c) Seus resíduos finais resultantes da biodegradação não devem apresentar qualquer resquício de toxicidade e tampouco danosos ao meio ambiente;

d) Quando compostado, não deve impactar negativamente a qualidade do composto, bem como do meio ambiente.

II- Sacola do tipo retornável, aquela confeccionada em material durável e destinada à reutilização continuada; confeccionadas com a utilização de material resistente, suficiente para suportar o peso médio dos produtos transportados, possibilitando ainda a reutilização, sem necessariamente ser descartada.

Art. 2º - Os órgãos e entidades do Poder Público situados no âmbito da Estância Turística de São Roque, igualmente em suas atividades que imponham o uso de embalagens plásticas, devem utilizar produtos oxibiodegradáveis.

Art. 3º - As embalagens plásticas restrigem-se àquelas fornecidas pelos estabelecimentos comerciais, excetuando-se as embalagens originais das mercadorias que deverão receber disciplinamento próprio em função da competência para tanto.

Art. 4º - Os estabelecimentos comerciais terão prazo de um ano a contar da data de publicação desta lei para substituir as sacolas plásticas convencionais pelas oxibiodegradáveis.

Art. 5º - O descumprimento das disposições contidas nesta Lei, acarretará ao infrator o pagamento de multa no valor de 3 (três) UFM (s)- Unidades Fiscais do Município.

Parágrafo único. Na reincidência, a multa será aplicada em dobro.

Art. 6º - O Poder Executivo terá 90 (noventa) dias para regulamentar a presente lei, especialmente quanto à atribuição de competência para fiscalizar seu cumprimento e impor a penalidade prevista no art. 5º.

 Art. 7º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotação orçamentária própria, suplementada se necessário.

Art. 8º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

A liminar foi deferida (fls. 282).

A Câmara Municipal prestou informações, defendendo a constitucionalidade da norma impugnada (fls. 298/305).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo, sob a alegação de que o tema é de interesse local (fls. 295/296).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei nº 3.349/2009, do Município de São Roque, está em vigor, como legítima opção política do legislador, querendo conter o dano ao meio ambiente derivado do descarte das sacolas plásticas convencionais, substituindo-as por outras, ao que se supõe, de mais fácil decomposição.

Para a solução da controvérsia, há que se indagar, inicialmente, sobre a competência legislativa do Município para tratar do tema.

Nesse passo, deve-se lembrar que a proteção do meio ambiente foi incluída no rol do art. 24 da Constituição Federal, sendo um dos temas cuja competência é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal.

Para esse assunto, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais. Cabe aos Estados-membros e o Distrito Federal a edição das normas específicas e minuciosas para adaptar princípios, bases e diretrizes estabelecidas nas regras gerais às peculiaridades regionais. Fica reservado aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (CF, art. 30, II), o que significa dizer que sua competência legislativa relaciona-se aos assuntos de predominante interesse local (cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 303-306; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 579-580).

Ocorre que a Constituição do Estado de São Paulo estabelece, em seu art. 191, o seguinte:

“Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”

Com base nesse dispositivo, o C. Órgão Especial tem dito que “no atendimento de peculiaridades locais voltadas à preservação, conservação e defesa do meio ambiente natural, artificial ou do trabalho, [a Constituição Estadual] igualmente autoriza a edição legislativa de normas que viabilizem esse desideratum, desde que não incompatíveis com normas estaduais ou federais ex vi de seu artigo 191” (trecho do voto do Des. OSCARLINO MOELLER na ADIN nº 164.487-0/9, j. 4.02.2009, v.u.).

Com essa premissa, a Corte julgou válida lei municipal que instituía a compensação às emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas instaladas na cidade de Valinhos, forte no entendimento de que a regra do art. 144 da Constituição Estadual, de caráter genérico, cede em face da clareza e especificidade do art. 191 citado.

Desse modo, em que pese o vigor da argumentação do sindicato, ela não convence de que é defeso ao Município legislar sobre a matéria versada no ato impugnado.

Não há que se acolher, igualmente, a alegação de que a matéria reclama a iniciativa do Alcaide.

No processo legislativo constitucional, a iniciativa reservada não se presume: deve, necessariamente, constar de norma constitucional clara e inequívoca.

 

Como toda lei editada pelo Poder Legislativo exige fiscalização (inerente ao poder de polícia da Administração Pública), chegar-se-ia à conclusão de que sempre, inexoravelmente, a iniciativa do processo de formação das leis deverá partir do Poder Executivo, o que, à evidência, contraria o art. 61, caput, da Constituição Republicana.

Observe-se, por fim, que a lei local não dispôs sobre organização administrativa. Limitou-se a prever sanções para o descumprimento das regras instituídas, que serão impostas, certamente, pelo setor de fiscalização da Prefeitura já existente. Isso nem de longe equivale à criação de órgão ou serviço público na Administração.

Ora, quando a lei não cria órgão para fins de fiscalização, não há como presumir o aumento de despesa sem previsão de receita. Logo, a eventual contradição com o art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo é questão de fato, cujo exame é vedado em sede de ação direta de inconstitucionalidade, inclusive no caso do processo objetivo de controle no plano estadual. Recorde-se, por oportuno, que o art. 125, § 2º, da Constituição de 1988, apenas autoriza o constituinte estadual a instituir “representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual”.

Em face do exposto, aguarda-se a improcedência desta ação direta, já que o diploma legal impugnado não ofende os preceitos da Constituição Paulista indicados na inicial.

São Paulo, 8 de novembro de 2011.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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