Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0125305-14.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Atibaia

Objeto: Lei Municipal nº 3995, de 20 de maio de 2011, de Atibaia.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 3995, de 20 de maio de 2011, de Atibaia, que “Autoriza a redução de Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU aos proprietários de imóveis residenciais e não residenciais que adotarem medidas que estimulem a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente.”

2)      Alegação de ofensa aos artigos 5º, 25, 111 e 144 da Constituição do Estado. Ausência de vício normativo. Inexistência de reserva de iniciativa quanto às “leis tributárias benéficas”. Entendimento firme do Col. STF. Precedentes. Entendimento diverso que implica ofensa aos artigos 29 e 61 da CR/88.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Atibaia, tendo como alvo a Lei Municipal nº 3995, de 20 de maio de 2011, de Atibaia, fruto de iniciativa parlamentar, que “Autoriza a redução de Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU aos proprietários de imóveis residenciais e não residenciais que adotarem medidas que estimulem a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente”.

Sustenta o requerente a ocorrência de ofensa aos artigos 5º, 25, 111 e 144 da Constituição do Estado visto ser a lei fruto de iniciativa parlamentar.

Foi concedida a liminar, para fins de suspensão do ato normativo impugnado (fls. 25/26).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 39/40).

O Senhor Procurador-Geral do Estado, citado, declinou de oferecer defesa do ato normativo impugnado (fls. 34, 36/37).

É o relato do essencial.

Da leitura do texto da Lei Municipal nº 3995, de 20 de maio de 2011, de Atibaia, fruto de iniciativa parlamentar, que “Autoriza a redução de Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU aos proprietários de imóveis residenciais e não residenciais que adotarem medidas que estimulem a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente”, (cuja cópia integral está juntada a fls. 17/18) verifica-se que se trata daquilo que a jurisprudência do Col. STF convencionou denominar de “lei tributária benéfica”.

Essa denominação, no caso examinado, vem bem a calhar, na medida em que o diploma possibilita a concessão de descontos no IPTU a proprietários de imóveis que adotem medidas benéficas relativamente ao meio ambiente (art. 2º da Lei Municipal nº 3995, de 2011), tais como: (a) sistemas de captação da água da chuva; (b) sistema de reuso de água; (c) sistema de aquecimento hidráulico solar; (d) sistema de aquecimento elétrico solar; (e) construções com material sustentável; (f) utilização de energia passiva; (g) sistema de utilização de energia eólica; (h) sistema de separação de resíduos sólidos.

Os descontos previstos para o imposto, em conformidade com o texto legal, variam de acordo com o tipo de providência adotada no imóvel, podendo situar-se em quantias entre 3% a 12% do valor do IPTU, não podendo exceder esse patamar (art. 5º e 6º da Lei Municipal nº 3995, de 2011).

É possível afirmar, nesse passo, que a lei municipal encontra-se em conformidade com o princípio da razoabilidade, visto que (a) releva-se necessária (basta pensar nos problemas que atualmente existem, relativamente à defesa e preservação do meio ambiente), (b) mostra-se adequada (visto que as medidas que autorizam a aplicação do desconto no IPTU são absolutamente úteis do ponto de vista da defesa do meio ambiente), e (c) apresenta-se em consonância com a proporcionalidade em sentido estrito (basta ver que o valor concedido para cada hipótese de desconto não é excessivo).

De outro lado, é de conhecimento geral que o Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça, como mencionou o Ilustre Relator ao conceder a liminar, adota a posição no sentido de que só por iniciativa do Chefe do Poder Executivo podem ser editadas leis tributárias concedendo benefícios.

Cabe-nos anotar, entretanto, que o entendimento consolidado no âmbito do Col. STF, a quem cabe dar a palavra final a respeito da interpretação da Constituição, é diametralmente oposto, tendo sido afirmado a reiterado, em inúmeras oportunidades, que não há reserva de iniciativa para fins de edição de leis tributárias benéficas.

Nesse sentido, confira-se:

“(...)

"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 553/2000, do Estado do Amapá. Desconto no pagamento antecipado do IPVA e parcelamento do valor devido. Benefícios tributários. Lei de iniciativa parlamentar. ausência de vício formal. Não ofende o art. 61, § 1º, II, b, da CF, lei oriunda de projeto elaborado na Assembleia Legislativa estadual que trate sobre matéria tributária, uma vez que a aplicação deste dispositivo está circunscrita às iniciativas privativas do chefe do Poder Executivo Federal na órbita exclusiva dos territórios federais. Precedentes: ADI 2.724, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 2-4-04, ADI 2.304, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 15-12-2000 e ADI 2.599-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13-12-2002. A reserva de iniciativa prevista no art. 165, II, da Carta Magna, por referir-se a normas concernentes às diretrizes orçamentárias, não se aplica a normas que tratam de direito tributário, como são aquelas que concedem benefícios fiscais. Precedentes: ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 27-4-2001 e ADI 2.659, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 6-2-2004. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. (ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 11-4-2007, Plenário, DJ de 25-5-2007.)

(...)

Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual 2.207/2000, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da Lei estadual 2.417/2002), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado (...) Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. (ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006.) No mesmo sentido: RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

(...)

A análise dos autos evidencia que o acórdão mencionado diverge da diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria em referência. Com efeito, não mais assiste, ao chefe do Poder Executivo, a prerrogativa constitucional de fazer instaurar, com exclusividade, em matéria tributária, o concernente processo legislativo. Esse entendimento – que encontra apoio na jurisprudência que o STF firmou no tema ora em análise (RTJ 133/1044 – RTJ 176/1066-1067) – consagra a orientação de que, sob a égide da Constituição republicana de 1988, também o membro do Poder Legislativo dispõe de legitimidade ativa para iniciar o processo de formação das leis, quando se tratar de matéria de índole tributária, não mais subsistindo, em consequência, a restrição que prevaleceu ao longo da Carta Federal de 1969 (art. 57, I). (RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009.) No mesmo sentido: ADI 352-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento 29-8-1990, Plenário, DJE de 8-3-1991.

(...)”

A reserva de iniciativa legislativa é de caráter excepcional, sendo a iniciativa concorrente a regra geral (art. 24 da Constituição Paulista; art. 61 da Constituição da República).

E, como é pacífico, as exceções, em direito, merecem interpretação sempre restritiva, e não ampliativa.

Assim, com a devida vênia, caso seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal 3995, de 2011, de Atibaia, isso significará, na prática, contrariedade ao disposto no art. 61 da Constituição da República (que prevê a iniciativa concorrente como regra geral para o processo legislativo), bem como ao art. 29 da Constituição da República (que determina a aplicação aos Municípios dos princípios estabelecidos na Lei Maior, entre eles aqueles inerentes ao processo legislativo, e, especificamente, a questão da iniciativa legislativa concorrente).

Por último e não menos importante, não se trata, com a devida vênia, de olvidar o entendimento que vem sendo adotado pelo Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça.

Trata-se, objetivamente, de levar em conta que a palavra final, em sede de controle de constitucionalidade das leis (mesmo quando se trata de ação direta de inconstitucionalidade estadual) é sempre do Col. STF, pois a ele coube, em nosso sistema constitucional, o papel de intérprete final da Constituição.

Uma vez que o Col. STF tem entendimento consolidado na matéria ora examinada, e nenhum fundamento novo foi apresentado, insistir em adotar posicionamento diverso significará, exclusivamente, protelar a adoção de uma solução que já se mostra, desde logo, previsível.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da ação direta, reconhecendo-se, em consonância com o posicionamento firme do Col. STF, a constitucionalidade da Lei Municipal nº 3995, de 20 de maio de 2011, de Atibaia.

São Paulo, 15 de setembro de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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