Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0135968-22.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Mogi Mirim

Objeto: Lei nº 5.102/2011, do Município de Mogi Mirim

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, da Lei nº 5.102/2011, do Município de Mogi Mirim, que obriga a concessionária do serviço de abastecimento de água a instalar equipamento eliminador de ar na tubulação que antecede os hidrômetros de todos os imóveis do Município de Mogi Mirim. Projeto de Vereador. Vício de iniciativa, que macula o processo legislativo, vez que cabe exclusivamente ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que regulam o serviço público. Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Mogi Mirim, tendo por objeto a Lei nº 5.102, de 20 de maio de 2011, que “dispõe sobre a instalação de equipamento eliminador de ar, anterior a todos os hidrômetros, trocados e instalados no sistema de abastecimento de água do Município de Mogi Mirim”.

Sustenta o autor que a lei versa sobre a organização de serviço afeto à autarquia municipal e que, por isso, não poderia, como foi, ter nascido no Poder Legislativo. Aponta vício de iniciativa e violação dos arts. 5º; 24, § 2º, item 2 e § 5º; 25; 47, incs. II, XIV e XVIII; 111; e 144 da Constituição do Estado.

A lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 199/201).

Não foram juntadas as informações requisitadas ao Presidente da Câmara Municipal de Mogi Mirim e tampouco foi certificado o decurso do prazo (fls. 202).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 206/207).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada tem o seguinte teor:

LEI nº 5.102, de 20 de maio de 2011.

Dispõe sobre a instalação de equipamento eliminador de ar, anterior a todos os hidrômetros, trocados e instalados no sistema de abastecimento de água do Município de Mogi Mirim.

Art. 1° - Fica a Autarquia SAAE, concessionária do serviço de abastecimento de água, obrigada a instalar equipamento eliminador de ar na tubulação que antecede os hidrômetros de todos os imóveis instalados no Município de Mogi Mirim.

§ 1º- As despesas decorrentes da aquisição do equipamento e sua instalação correrão às expensas do Serviço autônomo de Água e Esgotos de Mogi Mirim – SAAE.

§ 2º - O equipamento de que trata o caput deste artigo deverá estar de acordo com a Portaria nº 246, item 9.4., do INMETRO e estar devidamente patenteado.

Art. 2º - O teor desta Lei será divulgado ao consumidor por meio de informação impressa na conta mensal de água emitida pela empresa concessionária, nos três meses subsequentes à publicação da mesma, bem como em seus materiais publicitários.

Art. 3°- Os hidrômetros já instalados e a serem instalados após a promulgação desta Lei deverão ter eliminador de ar instalado conjuntamente, sem qualquer ônus adicional para o consumidor.

Art. 4º - As instalação dos aparelhos eliminadores de ar deverão ser feitas pela empresa concessionária SAAE – Serviço Autônomo de Água e Esgotos de Mogi Mirim.

Art. 5º - O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de sessenta dias contados da data de sua publicação.

Art. 6º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

VEREADOR LUÍS ROBERTO TAVARES

Presidente da Câmara.

Cuida-se, como se vê, de norma que impõe à autarquia municipal concessionária do serviço de água e esgoto obrigação relativa à forma de prestar o serviço público, ao exigir que, às suas expensas, instale dispositivo para retirar o ar da tubulação acoplada aos hidrômetros das unidades consumidoras.

A inicial esposa a tese de que a lei deveria decorrer de projeto do chefe do Poder Executivo.

E, de fato, esse argumento procede.

Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas aquelas não reservadas pela Constituição Federal (arts. 61, § 1º, e 165) à iniciativa do prefeito.

São de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, portanto, “os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 620).

Na dicção desse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN nº 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

O desrespeito às normas do processo legislativo, incluindo a infração ao ato que o deflagra (a iniciativa), conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo difuso ou concentrado por parte do Poder Judiciário.

A lei impugnada originou-se, como deflui dos autos, de projeto de autoria do ilustre Vereador Orivaldo Aparecido Magalhães (fls. 39), o que se constitui em evidente ofensa ao princípio constitucional da separação dos Poderes, vez que cabe exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo projetar a normatização destinada a organizar, superintender e dirigir os serviços públicos.

Desta feita, em que pesem os elevados propósitos[1] que inspiraram o Parlamentar, “não é dado aos vereadores resolver todos os assuntos por meio de lei. A Câmara Municipal somente pode estabelecer programas gerais, com base na Constituição se não criar atribuições para órgãos públicos ou determinar seu modo de execução, incumbências do Prefeito Municipal” (ADIN nº 104.747-0/7, rel. Des. Denser de Sá, DJ de 10.03.04).

Invadiu-se, portanto, a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

No panorama dos autos, divisa-se como solução a declaração de inconstitucionalidade, pois,

“se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 5.102, de 20 de maio de 2011, que “dispõe sobre a instalação de equipamento eliminador de ar, anterior a todos os hidrômetros, trocados e instalados no sistema de abastecimento de água do Município de Mogi Mirim”.

São Paulo, 26 de setembro de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídica

jesp



[1] Existe uma crença de que os equipamentos eliminadores de ar nas canalizações impedem que os hidrômetros registrem a passagem de ar como consumo de água.  Ensaios técnicos, entretanto, sugerem que a instalação dos referidos dispositivos não traz benefícios sensíveis aos consumidores e podem, em algumas hipóteses, contribuir para a contaminação da água. (Conf. Nota Técnica “Avaliação da eficácia e da possibilidade da contaminação da água em eliminadores de ar fabricados em polipropileno, quando instalados em cavaletes de ligações de água potável – estudo de caso: Juiz de Fora/MG”, disponível em <http://www.scielo.br/pdf/esa/v9n3/v9n3a03.pdf>. Acesso em 26 set. 2011).