Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0137371-26.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Caçapava

Objeto: Lei nº 5.027, de 9 de maio de 2011

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, promovida pelo Prefeito, da Lei nº 5.027/2011, do Município de Caçapava, que “institui benefícios aos servidores públicos da Prefeitura Municipal de Caçapava”. Ato normativo de autoria de Vereador que institui benefício a servidores públicos. Matéria cuja iniciativa é privativa do Prefeito, diante do que dispõe o artigo 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição do Estado, aplicável aos municípios em obediência ao princípio da simetria (art. 144). Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito do Município de Caçapava, tendo por objeto a Lei n.º 5.027, de 9 de maio de 2011, que “institui benefícios aos servidores públicos da Prefeitura Municipal de Caçapava”.

 O promovente esclarece que o ato normativo em análise concede o dia de folga ao servidor público municipal na data de seu aniversário. Cuidando-se de iniciativa de Vereador, a lei é inconstitucional, pois trata de tema reservado ao chefe do Poder Executivo. Apontam-se como fundamento da presente ação os art. 24, § 2º, 128 e 144, da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 126/127).

O Presidente da Câmara Municipal prestou as informações requisitadas, dando conta de que a lei foi editada para atender à antiga reivindicação dos funcionários (fls. 132/137).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que a matéria é de interesse exclusivamente local (fls. 142/144).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada tem a seguinte redação:

“LEI nº 5.027, de 9 de maio de 2011

“Institui benefícios aos servidores públicos da Prefeitura Municipal de Caçapava”.

 Art.1º - Institui a todos os servidores públicos municipais da Prefeitura Municipal de Caçapava, abono da falta ao serviço no aniversário natalício.

Art. 2º - Na data de seu aniversário natalício, será facultado ao servidor público faltar ao serviço sem prejuízo de qualquer natureza, inadmitida, entretanto, sua compensação.

Parágrafo 1º - Para efeito do estabelecido no caput, o funcionário deverá comunicar de véspera ao seu superior imediato a sua intenção de faltar, cabendo a este indicar no relatório de frequência a ser encaminhado ao Departamento Pessoal a ocorrência “aniversário” no espaço correspondente  a assinatura do funcionário”.

Parágrafo 2º - A não observância do estipulado no parágrafo anterior, pelo servidor aniversariante, implicará na perda do dia de serviço, não se admitindo, em hipótese alguma, a reposição do mesmo.

Parágrafo 3º - será facultado o gozo do benefício  de que trata o caput deste artigo, no primeiro dia útil seguinte, caso a data do aniversário natalício coincida com sábado, domingo, feriado ou ponto facultativo.

Parágrafo 4º - este critério não se aplica  aos ocupantes  de cargo em comissão”.

Vê-se que a lei institui benefício a servidores públicos.

Está tratando de regime jurídico do funcionalismo público e, sendo derivada de projeto de Vereador, não se harmoniza com os artigos 5.º; 24, § 2º, inciso IV; 47, incisos II, IV, XI e XVII, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo, a seguir transcritos:

“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição (...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade;

(...)

Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

IV - vetar projetos de lei, total ou parcialmente;

(...)

XI - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

(...)

XVII - enviar à Assembleia Legislativa projetos de lei relativos ao plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, dívida pública e operações de crédito;

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Com efeito, a disciplina normativa pertinente ao regime jurídico dos servidores públicos, incluindo a concessão de benefícios, é matéria que, em razão de sua essência, insere-se na esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo.

Esse entendimento tem o respaldo de maciça jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.065, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1999, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, QUE DÁ NOVA REDAÇÃO À LEI 4.861, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1993. ART. 4º E TABELA X QUE ALTERAM OS VALORES DOS VENCIMENTOS DE CARGOS DO QUADRO PERMANENTE DO PESSOAL DA POLÍCIA CIVIL. INADMISSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL RECONHECIDA. OFENSA AO ART. 61, § 1º, II, A e C, da CF. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA. ADI JULGADA PROCEDENTE. I - É da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo lei de criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração, bem como que disponha sobre regime jurídico e provimento de cargos dos servidores públicos. II - Afronta, na espécie, ao disposto no art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição de 1988, o qual se aplica aos Estados-membros, em razão do princípio simetria. III - Ação julgada procedente” (STF, ADI 2.192-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 04-06-2008, v.u.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 792, DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATO NORMATIVO QUE ALTERA PRECEITO DO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS ESTADUAIS. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO LEGISLATIVO ESTADUAL. PROJETO DE LEI VETADO PELO GOVERNADOR. DERRUBADA DE VETO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, § 1º, II, C, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno [artigo 25, caput], impõe a observância obrigatória de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Precedentes. 2. O ato impugnado versa sobre matéria concernente a servidores públicos estaduais, modifica o Estatuto dos Servidores e fixa prazo máximo para a concessão de adicional por tempo de serviço. 3. A proposição legislativa converteu-se em lei não obstante o veto aposto pelo Governador. O acréscimo legislativo consubstancia alteração no regime jurídico dos servidores estaduais. 4. Vício formal insanável, eis que configurada manifesta usurpação da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo [artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição do Brasil]. Precedentes. 5. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional a Lei Complementar n. 792, do Estado de São Paulo” (STF, ADI 3.167-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 18-06-2007, v.u., DJ 06-09-2007, p. 36).

Dessa orientação não destoa a doutrina:

“As referidas matérias cuja discussão legislativa depende da iniciativa privativa do Presidente da República (CF, art. 61, § 1º) são de observância obrigatória pelos Estados-membros que, ao disciplinar o processo legislativo no âmbito das respectivas Constituições estaduais, não poderão afastar-se da disciplina constitucional federal.

Assim, por exemplo, a iniciativa reservada das leis que versem o regime jurídico dos servidores públicos revela-se, enquanto prerrogativa conferida pela Carta Política ao Chefe do Poder Executivo, projeção específica do princípio da separação dos poderes, incidindo em inconstitucionalidade formal a norma inscrita em Constituição do Estado que, subtraindo a disciplina da matéria ao domínio normativo da lei, dispõe sobre provimento de cargos que integram a estrutura jurídico-administrativa do Poder Executivo local” (Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 23ª. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 646).

Esse panorama conduz à ofensa ao princípio basilar da separação de poderes, pois, no dizer desse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Em suma, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, opino pela procedência da presente ação, a fim de se declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 5.027, de 09 de maio de 2011, que “institui benefícios aos servidores públicos da Prefeitura Municipal de Caçapava”.

 

São Paulo, 10 de outubro de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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