Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0141771-83.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Santa Cruz do Rio Pardo

Objeto: Lei nº 2.506, de 5 de abril de 2001, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.506, de 5 de abril de 2001, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, que “dispõe sobre a substituição de saco plástico de lixo e de sacola plástica, por saco de lixo ecológico e sacola ecológica e dá outras providências”. Competência legislativa municipal para proteção do meio ambiente. Precedentes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Vício de iniciativa inexistente. Parecer pela improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

A Prefeita do Município de Santa Cruz do Rio Pardo propôs ação direta de inconstitucionalidade, na qual questiona a validade jurídico-constitucional da Lei nº 2.506, de 5 de abril de 2001, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, que “dispõe sobre a substituição de saco plástico de lixo e de sacola plástica, por saco de lixo ecológico e sacola ecológica e dá outras providências”.

Noticia que a lei decorre de projeto nascido na Câmara Municipal, tratando de tema que, a seu ver, reclama a iniciativa do Alcaide. Aponta como violados os artigos 5º; 47, II e XI; 144; 152; 174, I, II e III; 176, I; e 180 e seguintes, da Constituição do Estado de São Paulo.

A liminar foi deferida (fls. 102/106).

A Presidência da Câmara Municipal, embora notificada, não se manifestou sobre a constitucionalidade da norma impugnada (fls. 118).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo, sob a alegação de que o tema é de interesse local (fls. 116/117).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O ato normativo impugnado tem o seguinte teor:

“LEI nº 2.506, de 5 de abril de 2011

(De autoria do Vereador Luiz Carlos Novaes Marques – Psiu)

“Dispõe sobre a substituição de saco plástico de lixo e de sacola plástica, por saco de lixo ecológico e sacola ecológica e dá outras providências.”

MAURA SOARES ROMUALDO MACIEIRINHA, Prefeita do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais,

FAZ SABER que a Câmara Municipal aprovou e ela sanciona e promulga a seguinte LEI:

Artigo 1º - O uso de saco plástico de lixo e de sacola plástica deverá ser substituído pelo uso de saco de lixo ecológico e de sacola ecológica, nos termos desta Lei.

Artigo 2º - A substituição a que se refere esta Lei acontecerá nos estabelecimentos privados e nos órgãos e entidades do Poder Público sediados no Município.

Artigo 3º - VETADO

Artigo 4º - Poderá o Executivo promover campanhas educativas e de conscientização de cidades e instituições a respeito da medida de que trata esta Lei, cujas despesas serão cobertas por recursos próprios do orçamento vigente, a serem indicados pela Prefeitura, e suplementadas se necessário.

Parágrafo Único – VETADO

Artigo 6º - A presente Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, 05 de Abril de 2011.

A lei questionada traduz-se em legítima opção política do legislador para conter o dano ao meio ambiente derivado do descarte das sacolas plásticas convencionais, substituindo-as por outras, ao que se supõe, de mais fácil decomposição.

Para a solução da controvérsia, há que se indagar, inicialmente, sobre a competência legislativa do Município para tratar do tema.

Nesse passo, deve-se lembrar que a proteção do meio ambiente foi incluída no rol do art. 24 da Constituição Federal, sendo um dos temas cuja competência é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal.

Para esse assunto, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais. Cabe aos Estados-membros e o Distrito Federal a edição das normas específicas e minuciosas para adaptar princípios, bases e diretrizes estabelecidas nas regras gerais às peculiaridades regionais. Fica reservado aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (CF, art. 30, II), o que significa dizer que sua competência legislativa relaciona-se aos assuntos de predominante interesse local (cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 303-306; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 579-580).

Ocorre que a Constituição do Estado de São Paulo estabelece, em seu art. 191, o seguinte:

“Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico”.

Com base nesse dispositivo, o C. Órgão Especial tem dito que “no atendimento de peculiaridades locais voltadas à preservação, conservação e defesa do meio ambiente natural, artificial ou do trabalho, [a Constituição Estadual] igualmente autoriza a edição legislativa de normas que viabilizem esse desideratum, desde que não incompatíveis com normas estaduais ou federais ex vi de seu artigo 191” (trecho do voto do Des. OSCARLINO MOELLER na ADIN nº 164.487-0/9, j. 4.02.2009, v.u.).

Com essa premissa, a Corte julgou válida lei municipal que instituía a compensação às emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas instaladas na cidade de Valinhos, forte no entendimento de que a regra do art. 144 da Constituição Estadual, de caráter genérico, cede em face da clareza e especificidade do art. 191 citado.

Desse modo, tem-se por certo que não é defeso ao Município legislar sobre a matéria versada no ato impugnado.

Não há que se acolher, igualmente, a alegação de que a matéria reclama a iniciativa do Alcaide.

No processo legislativo constitucional, a iniciativa reservada não se presume: deve, necessariamente, constar de norma constitucional clara e inequívoca, sob pena de se esvaziar por completo a iniciativa legislativa parlamentar.

Como toda lei editada pelo Poder Legislativo exige fiscalização (inerente ao poder de polícia da Administração Pública), chegar-se-ia à conclusão de que sempre, inexoravelmente, a iniciativa do processo de formação das leis deverá partir do Poder Executivo, o que, à evidência, contraria o art. 61, “caput”, da Constituição Republicana.

Observe-se, por fim, que a lei local não dispôs sobre organização administrativa. Sequer previu sanções para o descumprimento das regras instituídas. Ora, quando a lei não cria órgão para fins de fiscalização, não há como presumir o aumento de despesa sem previsão de receita.

Nem mesmo o art. 4º da lei objurgada – que trata da realização de campanhas educativas a respeito do tema em pauta – gera despesa não coberta pelo orçamento, dado o seu caráter facultativo e a necessidade de regulamentação.

Logo, a eventual contradição com o art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo é questão de fato, cujo exame é vedado em sede de ação direta de inconstitucionalidade, inclusive no caso do processo objetivo de controle no plano estadual. Recorde-se, por oportuno, que o art. 125, § 2º, da Constituição de 1988, apenas autoriza o constituinte estadual a instituir “representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual”.

Diante do expendido, aguarda-se a improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 2.506, de 5 de abril de 2001, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

São Paulo, 8 de novembro de 2011.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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