Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0144914-80.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Itapeva

Objeto: Lei n.3.193, de 25 de abril de 2011, do Município de Itapeva

 

 

 

 

Ementa:Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.193/11 de Itapeva (art. 8º, V, c e VII). Controle de constitucionalidade de lei municipal. Parametricidade. Regime jurídico dos servidores públicos municipais. Emendas parlamentares concessivas de licenças para tratamento de saúde e de doença em pessoa da família. Inocorrência de falta de pertinência temática ou de aumento de despesa prevista. Improcedência da ação.1.Descabido é o controle abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade de lei ou ato normativo tendo como outro parâmetro senão a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF/88).2. Os arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 3, 25 e 169 da CE/89, reprodutores dos arts. 2º, 61, § 1º, II, a e c e 169 da CF/88, não indicam que ao Poder Legislativo é vedada a inclusão em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo senão nos casos em que faltar pertinência temática ou houver aumento da despesa prevista (art. 24, § 5º, 1, CE; art. 63, I, CF/88), desabonando a arguição de inconstitucionalidade porque a concessão de licença ao agente público (para tratamento de saúde ou de doença em parente consanguíneo) não gera, de per si, acréscimo à despesa originariamente prevista. 3. Improcedência da ação.

 

Egrégio Tribunal:

 

 

1.                 Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade contestando a Lei n. 3.193, de 25 de abril de 2011, do Município de Itapeva, por violação ao art. 40, II, III e IV da Lei Orgânica do Município, aos arts. 61, § 1º, II, a, b e c, e 169, § 1º, da Constituição Federal, ao art. 1º, § 1º, da Lei Complementar n. 101/00 (fls. 02/15). Concedida liminar (fls. 77/79), o autor promoveu emenda à petição inicial para declaração de inconstitucionalidade somente da alínea c do inciso V e do inciso VII do art. 8º da Lei n. 3.193/11 (fls. 86/87), deferida com ajustamento da liminar (fl. 89), a Câmara Municipal de Itapeva prestou informações (fls. 96/98). A douta Procuradoria-Geral do Estado manifestou desinteresse na defesa do ato normativo impugnado (fls. 151/152).

2.                É o relatório.

3.                Preliminarmente, descabido é o controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo tendo como outro parâmetro senão a Constituição Estadual, como estabelecido no § 2º do art. 125 da Constituição Federal.

4.                Portanto, não anima a sindicância desta ação eventuais violações à lei federal ou à lei orgânica municipal, estando limitada a cognição ao contraste dos dispositivos da lei local com a Constituição Estadual ainda que esta reproduza preceitos da Constituição Federal.

5.                Basicamente, o autor sustenta violação ao princípio da separação dos poderes pela introdução de emendas parlamentares a projeto de lei de iniciativa do Poder Executivo que regulamenta o exercício das atividades de agente comunitário da saúde e de agente de combate às endemias, porque a matéria compete privativamente à iniciativa legislativa que lhe é reservada, sendo vedada a emenda parlamentar geradora de aumento de despesa.

6.                Os dispositivos legais resultantes das emendas parlamentares reputadas inconstitucionais são a alínea c do inciso V e o inciso VII do art. 8º da lei.

7.                O projeto apresentado continha o seguinte tratamento aos assuntos dispostos nessas regras:

“Art. 8º. Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias que ingressarem por meio de processo seletivo público submetem-se ao regime jurídico administrativo estabelecido nesta Lei, não lhes sendo concedidas as vantagens e benefícios previstos no Plano de Carreira dos demais servidores públicos, e ainda:

(...)

V – licenças:

(...)

c) para tratar de doença em pessoa da família;

(...)

VII – outras vantagens inerentes a ocupantes de cargo de provimento efetivo; (...)” (fls. 22/23).

8.                A Câmara Municipal acolheu emendas parlamentares (fls. 30, 35), resultando na aprovação do projeto de lei de acordo com a redação dasemendas (fl. 43), como consta do autógrafo (fl. 49). O veto parcial foi derrubado com a edição da Lei n. 3.193/11 (fls. 52/75), cuja redação final promulgada pelo Presidente da Câmara é a seguinte, nessa parte:

“Art. 8º. Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias que ingressarem por meio de processo seletivo público submetem-se ao regime jurídico administrativo estabelecido nesta Lei, não lhes sendo concedidas as vantagens e benefícios previstos no Plano de Carreira dos demais servidores públicos, e ainda:

(...)

V – licenças:

(...)

c) para tratar de doença em pessoa da família,exceto em se tratando de pessoa em linha de parentesco consanguíneo de 1º grau;

(...)

VII – outras vantagens inerentes a ocupantes de cargo de provimento efetivo, salvo para tratamento de saúde mediante atestado médico e posterior avaliação por perícia médica municipal; (...)” (g.n.).

10.              Outros vetos não acolhidos, como os referentes à supressão dos incisos III e IV do art. 8º (adicional por tempo de serviço e licença-prêmio) não foram impugnados nesta via, de maneira que aos agentes públicos referidos na lei será possível a concessão dessas vantagens.

11.              Deste modo, e além desses, aos agentes públicos referidos na lei local impugnada foram concedidos licenças para tratamento de doença em parente consanguíneo do primeiro grau e para tratamento de saúde nas normas acima destacadas cuja declaração de inconstitucionalidade se objetiva.

12.              O art. 8º disciplina o regime jurídico administrativo dessas especiais categorias de agentes públicos, e as emendas parlamentares introduziram ressalvas às suas exceções.

13.              Tenho, inicialmente, que a declaração de inconstitucionalidade, se procedente a demanda, deve incidir tão somente sobre os acréscimos resultantes das emendas parlamentares aos dispositivos já constantes do projeto original do Chefe do Poder Executivo, de maneira mais limitada que o próprio aditamento da petição inicial.

14.              A Constituição Estadual reproduz o princípio da separação dos poderes (divisão funcional do poder) constante do art. 2º da Constituição Federal em seu art. 5º, assim como os preceitos de reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo dispostos no art. 61, § 1º, II, a e c, no art. 24, § 2º, 1 e 3, e cuja redação é a seguinte:

“Art. 24. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, a Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição:

(...)

§ 2º. Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 – criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

4 – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (...)”.

15.              Consoante sólidos precedentes da Suprema Corte, perfilhados por este colendo Órgão Especial, a disciplina do processo legislativo na Constituição Federal, inclusive das hipóteses de reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória nos Estados pelo princípio da simetria, o que se esparge aos Municípios, não bastasse o art. 144 da Constituição Estadual sujeitá-los aos preceitos da Constituição Federal e da Constituição Estadual.

16.              Também a Constituição Estadual limita as emendas parlamentares, com a seguinte regra:

“Art. 24. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, a Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição:

(...)

§ 5º. Não será admitido o aumento da despesa prevista:

1 – nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador, ressalvado o disposto no art. 174, §§ 1º e 2º; (...)”.

17.              O preceito repete o quanto disposto no art. 63, I, da Constituição da República, e, ademais, a Constituição Estadual tem dois preceitos de singular relevo na espécie, um dos quais reproduzindo o art. 169, § 1º, da Constituição Federal:

“Art. 25.Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica a créditos extraordinários.

(...)

Art. 169. A despesa de pessoal ativo e inativo ficará sujeita aos limites estabelecidos na lei complementar a que se refere o artigo 169 da Constituição Federal.

Parágrafo único. A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos ou a alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, só poderão ser feitas:

1 - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;

2 - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista”.

18.              Este panorama não indica que ao Poder Legislativo é vedada a inclusão em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo senão nos casos em que faltar pertinência temática ou houver aumento da despesa prevista (art. 24, § 5º, 1, Constituição Estadual), o que desabona a arguição de inconstitucionalidade porque a concessão de licença ao agente público para tratamento de saúde ou de doença em parente consanguíneo não gera, de per si, acréscimo à despesa originariamente prevista(o que descarta, ainda, ofensa aos arts. 25 e 169 da Constituição Estadual).

19.              Cumpre enfatizar como destacado pelo Supremo Tribunal Federal que:

“(...) O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em ‘numerusclausus’, pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa. (...)” (RTJ 210/1.084).

“(...) 3. O Poder Legislativo detém a competência de emendar todo e qualquer projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48 da CF). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém, duas limitações: a) a impossibilidade de o Parlamento veicular matéria estranha à versada no projeto de lei (requisito de pertinência temática); b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Executivo, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). Hipóteses que não se fazem presentes no caso dos autos. Vício de inconstitucionalidade formal inexistente. (...)” (STF, ADI 3.288-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, 13-10-2010, v.u., DJe 24-02-2011).

“CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. PODER DE EMENDA PARLAMENTAR: PROJETO DE INICIATIVA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SERVIDOR PÚBLICO: REMUNERAÇÃO: TETO. C.F., art. 96, II, b. C.F., art. 37, XI. I. - Matérias de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência da emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF: RE 140.542-RJ, Galvão, Plenário, 30.09.93; ADIn 574, Galvão; RE 120.331-CE, Borja, ‘DJ’ 14.12.90; ADIn 865-MA, Celso de Mello, ‘DJ’ 08.04.94. II. - Remuneração dos servidores do Poder Judiciário: o teto a ser observado, no Judiciário da União, é a remuneração do Ministro do S.T.F. Nos Estados-membros, a remuneração percebida pelo Desembargador. C.F., art. 37, XI. III. - R.E. não conhecido” (STF, RE 191.191-PR, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 12-12-1997, v.u., DJ 20-02-1998, p. 46).

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. EMENDA PELO PODER LEGISLATIVO. AUMENTO DE DESPESA. 1. Norma municipal que confere aos servidores inativos o recebimento de proventos integrais correspondente ao vencimento de seu cargo. Lei posterior que condiciona o recebimento deste benefício, pelos ocupantes de cargo em comissão, ao exercício do serviço público por, no mínimo, 12 anos. 2. Norma que rege o regime jurídico de servidor público. Iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Alegação de inconstitucionalidade desta regra, ante a emenda da Câmara de Vereadores, que reduziu o tempo mínimo de exercício de 15 para 12 anos. 3. Entendimento consolidado desta Corte no sentido de ser permitido a Parlamentares apresentar emendas a projeto de iniciativa privativa do Executivo, desde que não causem aumento de despesas (art. 61, § 1º, ‘a’ e ‘c’ combinado com o art. 63, I, todos da CF/88). Inaplicabilidade ao caso concreto. 4. Se a norma impugnada for retirada do mundo jurídico, desaparecerá qualquer limite para a concessão da complementação de aposentadoria, acarretando grande prejuízo às finanças do Município. 5. Inteligência do decidido pelo Plenário desta Corte, na ADI 1.926-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence. 6. Recurso extraordinário conhecido e improvido” (RTJ 194/352).

“(...) Não havendo aumento de despesa, o Poder Legislativo pode emendar projeto de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, mas esse poder não é ilimitado, não se estendendo ele a emendas que não guardem estreita pertinência com o objeto do projeto encaminhado ao Legislativo pelo Executivo e que digam respeito a matéria que também é da iniciativa privativa daquela autoridade. (...)” (STF, ADI 546-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 11-03-1999, m.v., DJ 14-04-2000, p. 30).

20.              A Suprema Corte conclui ser “inadmissível emendas parlamentares em projeto de lei de iniciativa privativa do Prefeito Municipal visando ampliar vantagens dos servidores que impliquem aumento de despesas” (STF, AgR-RE 370.563-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, 31-05-2011, v.u., DJe 27-06-2011) e reconhece a validade de leis cujas emendas parlamentares não ultrapassaram a pertinência temática objetiva e não resultaram aumento de despesa prevista:

“Servidores da Câmara Municipal de Osasco: vencimentos: teto remuneratório resultante de emenda parlamentar apresentada a projeto de lei de iniciativa reservada ao Poder Executivo versando sobre aumento de vencimentos (L. mun. 1.965/87, art. 3º): inocorrência de violação da regra de reserva de iniciativa (CF/69, art. 57, parág. único, I; CF/88, art. 63, I)). A reserva de iniciativa a outro Poder não implica vedação de emenda de origem parlamentar desde que pertinente à matéria da proposição e não acarrete aumento de despesa: precedentes” (STF, RE 134.278-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 27-05-2004, m.v., DJ 12-11-2004, p. 06).

21.              Opino pela improcedência da ação.

         São Paulo, 28 de setembro de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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