Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0144916-50.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Itapeva

Objeto: Inconstitucionalidade dos arts. 1º - A, 2º e 3º da Lei nº 3.192, de 20 de abril de 2011, que acrescentam à Lei nº 2.375, de 4 de janeiro de 2006, o § 4º ao art. 6º, os arts.14-B e 14-C, e os incisos XII e XIII ao seu art. 17, ambas do Município de Itapeva.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, dos arts. 1º - A, 2º e 3º da Lei nº 3.192, de 20 de abril de 2011, do Município de Itapeva, que “altera a Lei Municipal n. 2.375, de 4 de janeiro de 2006, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público”, acrescentando-lhe o § 4º ao art. 6º, os arts.14-B e 14-C, e os incisos XII e XIII ao art. 17. Vício de iniciativa por regulamentar matéria de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Alteração que gera despesa não prevista no projeto original e que, por tal motivo, configura usurpação das atribuições do Prefeito, com ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 5º da CE). Parecer pela procedência da ação direta.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Itapeva, tendo por objeto os arts. 1º - A, 2º e 3º da Lei n. 3.192, de 20 de abril de 2011, do Município de Itapeva, que “altera a Lei Municipal n. 2.375, de 4 de janeiro de 2006, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, inserindo em seu texto o § 4º ao art. 6º, os arts. 14-B e 14-C, e os incisos XII e XIII ao art. 17.

O autor noticia que, como Prefeito Municipal, encaminhou à Câmara dos Vereadores o projeto de lei que versa sobre a contratação temporária por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.

O Legislativo Municipal ao receber a mensagem n. 004/2011, acresceu quatro emendas parlamentares, de números 01/11, 02/11, 03/11 e 04/11, as quais lhe acresceram o § 4º ao art. 6º; os arts. 14-B e 14-C; e os incisos XII e XIII ao art. 17, tendo o Chefe do Executivo, em 20 de abril de 2011, promulgado a Lei nº 3.192 com veto às referidas emendas (fl. 55 – cópia da Lei nº 3.192, conforme promulgada Prefeito Municipal).

Ocorre que, em 10 de maio de 2011, após a Câmara Municipal ter rejeitado o veto às emendas aditivas, seu Presidente promulgou novo texto da Lei nº 3.192, cuja redação contém apenas a parte acrescida pelas Emendas anteriormente vetadas pelo Prefeito.  

Alega o requerente que a Lei nº 3.192, na parte promulgada pelo Presidente da Câmara e com redação vetada pelo Executivo, sustenta vício de iniciativa, com base no art. 24, § 2º, “1” e “4” e § 5º, n. “1”, e nos arts. 25, 47, XI, 144 e 169, todos da Constituição Paulista.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 64/68).

O Prefeito do Município de Itapeva requereu reconsideração da decisão que deferiu o pedido de concessão de liminar (fls. 74/75), o qual foi atendido (fls. 85).   

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações em defesa da norma impugnada (fls. 89/91).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da norma impugnada, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 77/79).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei n. 3.192, de 20 de abril de 2011, “altera a Lei Municipal n. 2.375, de 4 de janeiro de 2006, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público”.

Os dispositivos legais impugnados, fruto das emendas aditivas anteriormente mencionadas apresentam a seguinte redação (fl. 62):

                                                                      Art. 1º- A- O art. 6º da Lei Municipal n. 2.375/06 passa a ter um § 4º com a seguinte redação:

                                                                              § 4º - Fica assegurado a todos os agente comunitários de saúde e demais profissionais que trabalham no programa Saúde da Família, que ingressaram no serviço público através de processo seletivo, o direito de permanecer no cargo enquanto durar o Programa Federal de Saúde da Família do Ministério da Saúde, desde que observados os direitos e deveres definidos na legislação em vigor.

                                                                                 Art. 14-B - Pelo princípio da isonomia aplica-se ao contratado como professor substituto o disposto no art. 48 “caput”, Parágrafo Único e incisos I, II, III da Lei 2789/08.

                                                                                   Art. 14-C - Pelo princípio da isonomia, aplica-se ao professor contratado o disposto nos arts. 76, 77 e 78 da Lei 2789/08.                                                                                                           

                                                                               Art. 17-....

                                                                        XII- licença gestante, mediante inspeção médica, de 180 (cento e oitenta) dias com remuneração;

                                                                                 XIII – licença paternidade de 5 (cinco) dias, sem prejuízo de sua remuneração

Palácio Ver. Euclides Modenezi, 10 de maio de 2011

PAULO DE LA RUA TARANCÓN

             PRESIDENTE ”.

 

Note-se que as emendas aditivas dizem respeito ao regime jurídico dos funcionários municipais, fixando remuneração, cuja iniciativa é exclusiva do Chefe do Poder Executivo.

Ocorre, porém, que a emenda parlamentar, sobre matéria cuja iniciativa é privativa do Poder Executivo, também se submete ao controle de constitucionalidade e se sujeita à verificação da competência para deflagrar o processo legislativo.

Por isso, em que pesem os elevados propósitos que inspiraram os parlamentares, autores da emenda ao projeto, os dispositivos impugnados são verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus arts. 5.º, 47, II e XIV, e 144, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Nos entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para as atividades de gestão.

Essa repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.

A matéria de que trata a lei em análise – regime jurídico dos servidores públicos – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Prefeito.

Ademais, por dizerem respeito à remuneração dos servidores públicos contratados temporariamente aumentam a despesa gerada pela aplicação da lei, sem indicação da devida fonte de custeio.

Sabe-se que, uma vez apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação. Abre-se o caminho, em seguida, para fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria.

Nessa fase se sobressai o poder de emendar.

O poder de emendar é reconhecido pela doutrina tradicional e está reservado aos parlamentares enquanto membros do Poder incumbido de estabelecer o direito novo.

O Supremo Tribunal Federal o considera como prerrogativa dos parlamentares, como se intui do seguinte julgado:

“O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).

Mas o considera restrito, como se conclui do trecho acima destacado e do paradigmático julgado adiante transcrito:

“Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º., II, "a" e "c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia dotação orçamentária para o pagamento do beneficio instituído pela norma impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).

A limitação ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação praticamente e substancialmente distinta da proposta original.

No caso dos autos, é curial que as emendas acarretam aumento de despesa e, desse modo, sofrem a limitação atrás aludida. A fixação da remuneração nos moldes fixados pela Câmara Municipal traduz-se em ônus para a Administração não previsto no projeto original e que, por tal motivo, representa inequívoco abuso do poder de emendar, com a consequente violação do princípio da separação dos poderes de que trata o art. 5º da Constituição do Estado.

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 748).

Em casos semelhantes, esse E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem afastado a interferência do Poder Legislativo na definição de atividades e das ações concretas a cargo da Administração, destacando-se:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin. n. 53.583-0, Rel. Dês. Fonseca Tavares; Adin n. 43.987, Rel. Dês. Oetter Guedes; Adin n. 38.977, Rel. Dês. Franciulli Netto; Adin n. 41.091, Rel. Dês. Paulo Shintate).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência desta ação direta, declarando-se a Inconstitucionalidade dos arts. 1º - A, 2º e 3º da Lei nº 3.192, de 20 de abril de 2011, do Município de Itapeva, na parte em que acrescenta o § 4º do art. 6º; os arts.14-B e 14-C, e os incisos XII e XIII ao art. 17 da Lei Municipal n. 2.375, de 4 de janeiro de 2006, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.

São Paulo, 27 de fevereiro de 2012.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

 

 

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