Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº.  0157897-14.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Ubatuba

Objeto: Lei nº 3.382, de 09 de junho de 2011, do Município de Ubatuba

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito.  Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo, que cuida do gerenciamento administrativo. Planejamento e ocupação do solo urbano da cidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 5º, 144 e 181 da CE. Vício de iniciativa. Parecer pela procedência da ação. 

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

 

Cuida-se de ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 3.382, de 09 de junho de 2011, do Município de Ubatuba, que “altera e dá nova redação aos incisos I, II e III do art. 3º da Lei Municipal n. 2.653, de 09 de março de 2005”.

         Argumenta o autor que essa lei, de iniciativa parlamentar (e promulgada pelo Presidente da Câmara, após derrubada de veto total), importa usurpação de atribuições próprias do Poder Executivo, incidindo em vício de iniciativa.

         Foi deferida liminar para suspensão da eficácia do ato normativo  (fls. 21e vº).

A Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da lei (fls. 34/41).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 55/56).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A questão deve ser analisada à luz dos arts. 5º, 180 e 181, todos da Constituição Estadual.

A Lei n. 3.382 de 09 de junho de 2011, do Município de Ubatuba, que “altera e dá nova redação aos incisos I, II, e III do art. 3º da Lei Municipal n. 2.653, de 09 de março de 2005” assim dispõe:

“Artigo 1º - Fica alterado o Inciso (sic) I, II, III do Art. 3º da Lei Municipal n. 2.653, de 09 de 2005, com a seguinte redação:

I- dentro do perímetro urbano que se entre o trevo da Praia Grande, Taubaté (Mato Dentro) e Indaiá (Perequê-Açu), margeando a Rodovia Mario Covas, em sentido as Avenidas Padre Manoel da Nóbrega e Félix Guisard (Perequê-Açú), Iperoig (centro), Guarani (Itaguá), com área mínima de 500 (quinhentos) metros quadrados de terreno, nos demais locais do município, área mínima de 1.500 (um mil e quinhentos) metros quadrados de terreno, exceto nas áreas fronteiriças as rodovia, citadas no inciso IV, que será revendedor e outro estabelecimento congênere”.

II- distância mínima de 100 (cem) metros, medidos em percurso de via pública, de “trevos” e rotatórias localizadas em vias públicas.

III- distar, no mínimo de 200 (duzentos) metros de distância, em qualquer direção de escolas, hospitais, asilos e creches já instaladas ou edificadas especialmente para tal finalidade”.

Artigo 2º - Esta Lei entra na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

É oportuno observar que referida legislação já foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade (ADIN n. 0067533-93.2011.8.26.0000), em trâmite perante o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal, pelos mesmos fundamentos (fls. 20).

Resulta claro, da simples leitura do texto da Lei nº 3.382, de 09 de junho de 2011, do Município de Ubatuba, que o Poder Legislativo adentrou na competência material e exclusiva do Poder Executivo, pois claramente emitiu comando que interfere na administração municipal, ao regulamentar a implantação de postos de combustíveis automotivos no Município.

São confiadas ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município, que é sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou estabelecer as atribuições do Poder Executivo e do Poder Legislativo, fixando funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela Constituição do Estado de São Paulo.

O Prefeito, enquanto chefe do Poder Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas públicas.

Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é a sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração.  Por meio da edição de leis, a Câmara ditará ao prefeito as normas gerais da administração, sem chegar, no entanto, à prática administrativa. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (Cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 14ª. ed., 2006,  pág. 605).

Aplicado esse raciocínio ao caso em exame, temos que a tarefa de adaptar a legislação sobre o uso e ocupação do solo urbano ao plano físico é privativa do Prefeito, que, no exercício dessa atividade, de natureza tipicamente administrativa, não pode sofrer nenhum tipo de interferência indevida do Legislativo local.

Bem a propósito, ao examinar essa questão, o Plenário desse Egrégio Tribunal de Justiça, em antigo aresto relatado pelo eminente jurista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, concluiu que:

“... constituem matéria legislativa as regras imperativas, gerais e abstratas que diferenciam as construções de habitações das de comércio e indústria, e, ainda, distinguem as habitações, as casas comerciais e industriais, em diversos tipos, e, a final, prescrevem restrições ao direito de construir, conforme a zona residencial, comercial ou industrial e de forma mais ou  menos rígida, segundo critérios exclusivos ou de predominância. E mais, constituem matéria legislativa as regras imperativas gerais e abstratas que determinam recuos, estabelecem alturas de prédios, normas sobre fachadas e gradis. Enfim, as que estabelecem as regras imperativas gerais e abstratas de zoneamento. Já a especificação de uma via pública, no seu todo ou em parte, se estrita ou prevalentemente residencial é obra administrativa, atividade concreta e específica de caráter casuístico, em função do desenvolvimento local, das exigências dos bairros, das manifestações dos próprios logradouros públicos, em consonância com a fisionomia que assume no seu evolver, suscetível de se modificar por exigências urbanísticas do Município, interesse dos munícipes, só possível de ser bem sentidos pelo Executivo, no seu quotidiano contacto com a vida da cidade, atuando em matéria da sua alçada administrativa, particularizando a lei” (TJSP, Pleno, RT 289/456).

No mesmo sentido é a lição de Hely Lopes Meirelles:

 “a lei estabelecerá as diretrizes, os critérios, os usos admissíveis, tolerados e vedados nas zonas previstas; o decreto individualizará as zonas e especificará os usos concretamente para cada local. O zoneamento, no seu aspecto programático e normativo, é objeto de lei, mas na sua fase executiva - em cumprimento da lei - é objeto de decreto” (Cf. ob. cit., pág. 553/554).

Resumindo o ponto até aqui analisado: o conteúdo da lei impugnada (n. 3.382 de 09 de junho de 2011) é próprio de ato administrativo, de responsabilidade do Prefeito e, portanto, de sua exclusiva iniciativa.   A atividade do Legislativo invade a seara a este reservada e incide em inconstitucionalidade, por ofensa ao artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.382, de 09 de junho de 2011, do Município de Ubatuba, que “altera e dá nova redação ao inciso I, II, e III do art. 3º da Lei Municipal n. 2.653, de 09 de março de 2005”.

São Paulo, 02 de abril de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

vlcb