Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0158516-41.2011.8.26.0000

Requerente: Partido dos Trabalhadores

Objeto: Arts. 63, 74, 76, 77, 81 e 83 da Lei n. 9.121/09, do Município de Santo André

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade dos arts. 63, 74, 76, 77, 81 e 83 da Lei n. 9.121/09, do Município de Santo André, que “dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa e organizacional da Administração Pública Municipal de Santo André”, proposta por Diretório Estadual do Partido Político. Ausência de indicação de parâmetro constitucional válido para o exercício do controle concentrado de constitucionalidade da lei municipal. Hipótese de inconstitucionalidade reflexa, que inviabiliza a análise da constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados. Parecer pela improcedência  dada a   impossibilidade de se questionar, em ADI,  mera crise de legalidade.  

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores, tendo por objeto os arts. 63, 74, 76, 77, 81 e 83 da  Lei nº 9.121, de 31 de março de 2009, do Município de Santo André, que “dispõe sobre a reorganização da estrutura administrativa e organizacional da Administração Pública Municipal de Santo André”.

Sustenta o autor que a lei em questão é inconstitucional por contrariar a Lei Complementar Federal n. 95/98, na medida em que deveriam ter sido apresentados dois projetos distintos, um para extinguir, criar e transformar cargos e o outro para criar, adaptar e regular conselhos e fundos, até mesmo porque, o quórum para aprovação dos projetos seriam diferenciados, nos termos do art. 36 da Lei Orgânica Municipal.

Argumenta, também, que foram criados 95 cargos, dos quais não é possível identificar quais são os cargos de comissões e as funções gratificadas, a denominação e a classe de cada função dos cargos extintos e muito menos foi especificado o salário atribuído a cada cargo, para que ocorresse a criação e a transformação proposta para os novos cargos.

A reorganização administrativa causa grave impacto à Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que toda criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa devem ser apresentados à Câmara acompanhados de estimativa de impacto orçamentário-financeiro do exercício em que entrarem em vigor e dos dois subsequentes, o que efetivamente não ocorreu.

Por tal razão, houve violação dos arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

No que diz respeito à criação dos Conselhos e Fundos, sustenta ter havido violação dos arts. 73, 74, 75 e 76 da Lei Orgânica Municipal,  pois criou Conselhos de forma paritária, sendo que nos Conselhos Diretores foram nomeadas somente pessoas indicadas pelo Executivo para gerir os fundos, ou seja, os recursos financeiros dos conselhos criados pela promulgação da nova lei.

O Fundo de Solidariedade criado pela Lei impugnada é inconstitucional, pois está vinculado ao Prefeito, e não a um órgão especial.

Os arts. 81 e 83 da Lei n. 9.121/09 são contraditórios, eis que o art. 81 pressupõe investimento para alcançar à finalidade do fundo, ao passo que o art. 83 dá a entender que os valores serão arrecadados para uma pretensão de investimento.

A Lei teve, inicialmente, a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 150/154). Entretanto, diante do Agravo Regimental interposto pelo Presidente da Câmara Municipal de Santo André (fls. 156/170), a liminar anteriormente concedida foi revogada (fls. 263 e vº).

O Presidente da Câmara Municipal e o Prefeito do Município de Santo André prestaram informações (fls. 269/282 e 382/392).

 A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 379/380).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente

Em primeiro lugar, insta observar que não existe impedimento legal que impeça o julgamento da presente ação, ainda que anteriormente já tenha sido proposta ação direta de inconstitucionalidade idêntica a esta (fls. 426/444).

Isto porque, conforme se depreende dos autos, a ação declaratória de inconstitucionalidade anterior (ADIN 994.09.225950-0) foi julgada extinta sem julgamento do mérito, devido à ilegitimidade ativa de parte, em virtude do Partido dos Trabalhadores ter sido representado por seu Diretório Municipal (fls. 369/375).

Por outro lado, a preliminar de adequação da via eleita, arguida pelo Presidente da Câmara Municipal de Santo André se confunde com o mérito e juntamente com ele deverá ser analisada.

No mérito

Cuidando-se de ação direta de inconstitucionalidade visando à declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais já mencionados da Lei n. 9.121/09, sob a alegação de que os mesmos violam a Lei Complementar Federal n. 95/98, os arts. 36, 73, 74, 75, 76, 131 e 301 da Lei Orgânica Municipal, os arts. 16 e 17, da Lei de Responsabilidade Fiscal e o art. 167 da Constituição Federal, verifica-se que não há ofensa direta e imediata ao texto constitucional estadual.

O que pode existir, no caso, é a contradição entre os dispositivos legais impugnados e os apontados como violados.

Essa antinomia é o que se denomina de “crise de legalidade” ou “ofensa reflexa ao texto constitucional”, o que não viabiliza a instauração   da jurisdição constitucional.

Os parâmetros de controle da validade jurídico-constitucional das leis, é cediço, devem estar assentados no próprio texto constitucional. O processo objetivo não se presta ao controle de inconstitucionalidades indiretas, mas apenas das afrontas diretas e imediatas do texto da Constituição.

Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu o Pretório Excelso:

"É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar atos normativos de natureza secundária que não regulem diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional." (ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04).

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MP 1911-9/99. NORMA DE NATUREZA SECUNDÁRIA. VIOLAÇÃO INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. 1. É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar ato normativo de natureza secundária que não regule diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.  (ADI 2065 / DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊ., Julgamento:  17/02/2000, Tribunal Pleno, DJ 04-06-2004 PP-00028, EMENT VOL-02154-01, PP-00114)”.

No mesmo: ADI-MC 1347/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241; ADI 2626/DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 18/04/2004.  Tribunal Pleno. DJ 05-03-2004, PP-00013, EMENT VOL-02142-03, PP-00354.

Desse entendimento não destoa a jurisprudência da Corte Paulista:

“As ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).

Em suma, o Partido Político não apontou violação de dispositivo da Constituição do Estado de São Paulo, mas de artigo constante da Lei Complementar Federal n. 95/1998, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei Orgânica Municipal e da Constituição da República. Ocorre que o contraste da lei impugnada com dispositivos da Constituição Federal ou com os outros atos normativos apontados não viabiliza o processo abstrato, pois, na ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, o único parâmetro a ser considerado é a Constituição do Estado (art. 125, § 2º, Constituição Federal).

         Diante do exposto, opino pela improcedência da presente ação, dada a impossibilidade de se questionar, em Ação Direta de Inconstitucionalidade,  mera crise de legalidade.

 

São Paulo, 19 de outubro de 2011.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Jurídico-

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