Parecer
Processo n. 0173219-74.2011.8.26.0000
Requerente:Governador do Estado de São Paulo
Objeto: inconstitucionalidade
da Lei n. 2.322, de 19 de maio de 2004, do Município de Paraguaçu Paulista
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 2.322/04 do Município de Paraguaçu Paulista. Comércio em farmácias e drogarias. Proteção e defesa da saúde. Princípio federativo. Invasão da competência normativa concorrente da União e dos Estados. Procedência da ação. 1.É inconstitucional lei municipal que autoriza o comércio de outros produtos e mercadorias em farmácias e drogarias por invasão da competência normativa concorrente entre a União e os Estados para disciplina de normas gerais sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, CF c.c. art. 144, CE). 2. Aos Municípios, no exercício de sua competência normativa para disciplina de assuntos de interesse local ou suplementação da legislação federal ou estadual, não é dado dispor para além dos limites daquilo que se compreenda como peculiar interesse local, como decerto não é o tema referente ao objeto comercial de farmácias e drogarias, assunto que, por sua dimensão, não é possível conceituar como predominantemente local.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
impugnando a Lei n. 2.322, de 19 de maio de 2004, do Município de Paraguaçu
Paulista, que autoriza farmácias e drogarias ao comércio de outros produtos
além de drogas e medicamentos, sob alegação de contrariedade ao art. 144 da
Constituição Estadual por haver usurpado a competência normativa concorrente
federal e estadual contida no art. 24, XII, da Constituição Federal (fls.
21/22).Negada liminar (fl. 17), a douta Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se
pela procedência da ação (fls. 30/31). A Câmara Municipal defendeu a
constitucionalidade da lei com fulcro no art. 30, I, da Constituição Federal,
alegando, ainda, que foi autorizado o comércio de produtos e serviços que não
são nocivos à saúde e que, ademais, estão sujeitos a condições especiais para a
venda (fls. 33/34). O Prefeito Municipal também defendeu a constitucionalidade
da norma escudado no art. 30, I e II, da Constituição Federal, destacando a
necessidade do comércio de produtos de primeira necessidade (fls. 51/56).
2. É o
relatório.
3. A
lei municipal contestada autoriza, sob condições especiais de armazenamento e
oferta ao consumo, drogarias e farmácias ao comércio de produtos para além de
drogas e medicamentos.
4. Na
prática, a lei local permite que esses estabelecimentos atuem no comércio como
autênticas “lojas de conveniência”, como, aliás, expõem as informações (fl.
54), alegando sua ausência.
5. O art. 144 da
Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além
das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é
denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a
disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições
constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao
credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por
esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe
06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe
26-10-2010).
6. Daí
decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da
Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 24,
VII, que expressa a competência normativa concorrente entre União e Estados
como técnica elementar de repartição de competências no plano do pacto
federativo inerente ao federalismo.
7. O princípio federativo, estruturante
da organização política e administrativa brasileira (arts. 1º e 18, Constituição
Federal), albergado como cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I, Constituição),
assenta-se na repartição de competências.
8. A Constituição Federal de 1988 inseriu no domínio da
competência normativa concorrente da União e dos Estados (e do Distrito Federal)
a proteção e a defesa da saúde (art. 24, XII).
9. Apesar de o comércio em geral ser assunto da órbita da
autonomia municipal, inclusive o de drogarias e farmácias, o objeto dessa
atividade comercial por envolver diretamente a proteção e a defesa da saúde não
se esgota no âmbito dos Municípios. Estes, a respeito, podem exercer sua plena
autonomia normativa no tocante a aspectos como localização, segurança etc.,
mas, no tocante ao objeto da atividade comercial, há a intervenção de normas
federais (gerais) e estaduais.
10. Nisto não há concurso entre as
competências federal, estadual e municipal, porque o objeto da atividade
comercial de drogarias e farmácias é assunto integralmente sujeito à disciplina
normativa da competência federal ou estadual por respeitar à proteção e à
defesa da saúde.
11. Logo, não há se cogitar de
sustentáculo da constitucionalidade da lei impugnada no art. 30, I e II, da
Constituição Federal.
12. A competência normativa municipal
plena requer se trate de matéria reveladora da predominância do interesse
local, o que, decerto, não consubstancia os produtos do comércio de drogarias e
farmácias, em razão das características da uniformidade e da generalidade.
Assim também deve ser tratada a competência normativa municipal suplementar: a
expressão “no que couber” denota a necessidade da predominância do interesse
local no espaço consentido à suplementação e, ademais, não é lícito ir além
daquilo que foi reservado à competência normativa concorrente federal e
estadual.
13. Com efeito,“a competência constitucional dos Municípios de
legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a
própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos
Estados” (RT 851/128).
14. E
bem a propósito do tema, elucidativa é a invocação do seguinte julgado, também
da Suprema Corte:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. COMERCIALIZAÇÃO DE ÁGUA MINERAL. LEI MUNICIPAL. PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. INTERESSE LOCAL. EXISTÊNCIA DE LEI DE ÂMBITO NACIONAL SOBRE O MESMO TEMA. CONTRARIEDADE. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A Lei Municipal n. 8.640/00, ao proibir a circulação de água mineral com teor de flúor acima de 0, 9 mg/l, pretendeu disciplinar sobre a proteção e defesa da saúde pública, competência legislativa concorrente, nos termos do disposto no art. 24, XII, da Constituição do Brasil. 2. É inconstitucional lei municipal que, na competência legislativa concorrente, utilize-se do argumento do interesse local para restringir ou ampliar as determinações contidas em texto normativo de âmbito nacional. Agravo regimental a que se nega provimento” (RT 892/119).
15. Opino pela procedência da ação.
São Paulo, 13 de dezembro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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