Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0173269-03.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Três Fronteiras

Objeto: Leis nºs  1.169, de 25 de maio de 2011, 1.170, de 25 de maio de 2011, e 1.173, de 30 de junho de 2011, todas do  Município de Três Fronteiras

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 1.169, de 25 de maio de 2011, que “dispõe sobre a divulgação, no site oficial da Prefeitura Municipal e na Estratégia de Saúde da Família (ESF,s) do Município, uma relação dos medicamentos existentes, aqueles em falta e a previsão de recebimento dos mesmos e dá outra providência”; Lei n° 1.170, de 25 de maio de 2011, que “dispõe sobre a identificação e informações a serem afixadas em veículos próprios ou locados pelos órgãos da Administração Pública Municipal de Três Fronteiras e dá outras providências”,  e Lei nº 1.173, de 30 de junho de 2011, que “dispõe sobre a obrigatoriedade de testes semestrais de Acuidade Visual e Auditiva na Rede Municipal de Ensino e dá outras providências”, todas do Município de Três Fronteiras. Projetos de autoria Parlamentar. Matérias reservadas ao Chefe do Poder Executivo, eis que estabelece ações concretas à Administração. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 5º; 25, 47, II e XIV; 144 da CE. Parecer pela procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal, tendo por objeto a Lei nº 1.169, de 25 de maio de 2011, que “dispõe sobre a divulgação, no site oficial da Prefeitura Municipal e na Estratégia de Saúde da Família (ESF,s) do Município, uma relação dos medicamentos existentes, aqueles em falta e a previsão de recebimento dos mesmos e dá outra providência”, a Lei n° 1.170, de 25 de maio de 2011, que “dispõe sobre a identificação e informações a serem afixadas em veículos próprios ou locados pelos órgãos da Administração Pública Municipal de Três Fronteiras e dá outras providências”, e  a Lei nº 1.173, de 30 de junho de 2011, que “dispõe sobre a obrigatoriedade de testes semestrais de Acuidade Visual e Auditiva na Rede Municipal de Ensino e dá outras providências”, todas do Município de Três Fronteiras.

O autor noticia que os projetos que a antecederam iniciaram-se na Câmara Municipal. De outro lado, sustenta que cabe exclusivamente ao Prefeito a iniciativa de leis que criem atribuições para os órgãos da administração pública, divisando ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 5º da Constituição do Estado.

Aponta, também, como violados os arts. 24,25, 47, II e 144, todos da Constituição Estadual.

As Leis tiveram a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 77/78).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade das leis impugnadas (fls. 92/99).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 88/90).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

As leis impugnadas, embora sejam de iniciativa parlamentar, determinam o modo de conduta do Poder Executivo, uma vez que, dispõem sobre a obrigatoriedade:

a) de divulgação no site oficial da Prefeitura Municipal e na Estratégia de Saúde da Família (ESF,s) do Município, uma relação dos medicamentos existentes, aqueles em falta e a previsão do recebimento dos mesmos (fls. 24);

b) da identificação e informações a serem afixadas em veículos próprios ou locados pelos órgãos da Administração Pública Municipal de Três Fronteiras (fls. 25/26);e

c) da realização de testes semestrais de Acuidade Visual e Auditiva na Rede Municipal de Ensino (fls. 27/28);

Em que pesem os elevados propósitos que inspiraram os Vereadores, autores dos projetos, as leis promulgadas são verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus arts. 5.º, 25, 47, II e XIV, e 144, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 25- Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender os novos encargos.

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Nos entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para as atividades de gestão.

Essa repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.

A tarefa de administrar o Município, a cargo do Executivo, engloba as atividades de planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange, efetivamente a questão da forma:

a) de divulgação no tocante aos nomes dos medicamentos existentes no Munícipio e os que estão em falta, bem como quando os faltantes chegarão;

b)  de identificação e informações a serem afixadas em veículos próprios ou locados pelos órgãos da Administração Pública Municipal; e

c) de realização de testes semestrais de Acuidade Visual e Auditiva da rede Municipal de Ensino.

Por intermédio das leis em análise, a Câmara dispôs sobre o modo de agir da Administração Pública Municipal. Embora elogiável a preocupação do Legislativo local com o tema, a iniciativa não tem como prosperar na ordem constitucional vigente, uma vez que a norma disciplina atos que são próprios da função executiva.

Não há dúvida, portanto, que cabe ao Poder Executivo o início do processo legislativo que disponha sobre as matérias tratadas nas leis em questão, pois, como assinala Manoel Gonçalves Ferreira Filho “o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular a decisão de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção, ou de seu interesse preponderante” (Do Processo Legislativo, São Paulo, Saraiva, p. 204).

Por esse motivo, a Constituição Estadual, em dispositivo que repete o artigo 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal, conferiu ao Governador do Estado a iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da administração pública e, consequentemente, sobre os serviços públicos por ela prestados, direta ou indiretamente. Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado, tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:

“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).

Se a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para os Municípios.

As normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p. 111-112). Se essas normas não são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª ed., pp. 544-545).

Em casos semelhantes, esse E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem afastado a interferência do Poder Legislativo na definição de atividades e das ações concretas a cargo da Administração, destacando-se:

 

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin. n. 53.583-0, Rel. Dês. Fonseca Tavares; Adin n. 43.987, Rel. Dês. Oetter Guedes; Adin n. 38.977, Rel. Dês. Franciulli Netto; Adin n. 41.091, Rel. Dês. Paulo Shintate).

De outro giro, impõe-se observar que a implantação das legislações questionadas, traz ônus ao Erário.

Em casos similares esse Egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 1.169, de 25 de maio de 2011, que “dispõe sobre a divulgação, no site oficial da Prefeitura Municipal e na Estratégia de Saúde da Família (ESF,s) do Município, uma relação dos medicamentos existentes, aqueles em falta e a previsão de recebimento dos mesmos e dá outra providência”, da Lei n° 1.170, de 25 de maio de 2011, que “dispõe sobre a identificação e informações a serem afixadas em veículos próprios ou locados pelos órgãos da Administração Pública Municipal de Três Fronteiras e dá outras providências” e  da Lei nº 1.173, de 30 de junho de 2011, que “dispõe sobre a obrigatoriedade de testes semestrais de Acuidade Visual e Auditiva na Rede Municipal de Ensino e dá outras providências”, todas do Município de Três Fronteiras.

São Paulo, 23 de novembro de 2011.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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