Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0173329-73.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Piquerobi

Objeto: art. 6º da Lei Complementar n. 001/90, de 30 de novembro de 1990, do Município de Piquerobi

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, do art. 6º da Lei Complementar n.001/90, de 30 de novembro de 1990, do Município de Piquerobi, o qual reza que “os servidores das Entidades de que trata o art. 1º desta Lei Complementar, aposentados ou que vierem a obter do Órgão da Previdência, aposentadoria a qualquer título desde que exonerados do emprego de provimento efetivo farão jus a perceber a diferença entre os proventos recebidos do Órgão Previdenciário e o valor atual da referência ou padrão do emprego público que ocupava em atividades, de molde a perceber na inatividade o mesmo valor”. 

2.      Criação de benefício previdenciário (complementação de aposentadoria) sem a correspondente fonte de custeio total (art.195, § 5º, da CR/88 c.c. art. 144 e 218 da CE).

3.      Benefício incompatível com o interesse público e exigências do serviço (art. 128 da CE).

4.      Violação do princípio da moralidade administrativa (art. 111 da CE).

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Piquerobi em face do art. 6º da Lei Complementar n. 001/90, de 30 de novembro de 1990, o qual reza que “os servidores das Entidades de que trata o art. 1º desta Lei Complementar, aposentados ou que vierem a obter do Órgão da Previdência, aposentadoria a qualquer título desde que exonerados do emprego de provimento efetivo farão jus a perceber a diferença entre os proventos recebidos do Órgão Previdenciário e o valor atual da referência ou padrão do emprego público que ocupava em atividades, de molde a perceber na inatividade o mesmo valor”. 

Sustenta o autor que a lei é inconstitucional porque compele a Administração a pagar compensação aos aposentados mencionados no art. 1º da Lei Complementar n. 001/90, sem que houvesse previsão da fonte de custeio.

O pedido liminar foi deferido a fls. 54.

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo, defendendo a constitucionalidade do ato (fls. 69/85).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 65/67).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada autoriza os servidores das Entidades de que trata o art. 1º da Lei Complementar n. 001/90, de 30 de novembro de 1990, do Município de Piquerobi, aposentados ou que vierem a obter do Órgão da Previdência aposentadoria a qualquer título, desde que exonerados do emprego de provimento efetivo, a perceber a diferença entre os proventos recebidos do Órgão Previdenciário e o valor atual da referência ou padrão do emprego público que ocupavam em atividade, de molde a perceber na inatividade o mesmo valor. 

Em primeiro lugar, com relação à necessidade de indicação da fonte de custeio total para o pagamento do benefício previdenciário, nota-se que nossa sistemática constitucional exige que seja prevista na lei a fonte de custeio total do benefício previdenciário, compreendendo: (a) a diversidade da base de financiamento (art.194,  parágrafo único, VI, da CR/88); (b) a participação concomitante de empregador e trabalhador no seu financiamento (art. 195 I e II, da CR/88); (c) e o caráter contributivo do sistema previdenciário (art. 201 da CR/88).

Criar, majorar ou estender benefício sem observar tais parâmetros, que se resumem na necessidade de indicação de fonte de custeio total, significa violar frontalmente os dispositivos constitucionais aplicáveis ao tema, em especial o art. 195, § 5º, da CR/88, aplicável à hipótese por força do art. 144 e do art. 218 da Constituição Paulista. No E. STF é pacífico o entendimento a respeito: RE 485.940, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-2-07, DJ de 20-4-07; RE 419.954 e RE 414.741, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-2-07, DJ de 23-3-07; RE 492.338, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 9-2-07, DJ de 30-3-07; ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-06, DJ de 17-11-06; entre outros.

Ademais, além dos precedentes desse E. Tribunal de Justiça, indicados na inicial (ADI 153.965-0/5, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 26.03.08, v.u; ADI 151.936-0/9-00, rel. des. Penteado Navarro, j. 20.02.08, v.u.), podemos acrescer outros, decorrentes de iniciativa desta Procuradoria-Geral de Justiça, cujas ementas seguem transcritas:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n° 1.846/90 e n° 2.418/94, do Município de Pereira Barreto - Instituição de benefício previdênciário de complementarão de aposentadoria e pensões para empregados públicos municipais, sem a correspondente fonte de custeio total - Afronta ao disposto no § 5º do art. 195 da Constituição Federal - Caracterização - Menção genérica à dotação orçamentária – Insuficiência - Vantagens que só podem ser instituídas por lei quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço - Inteligência do art. 128 da Carta Bandeirante - Administração pública deve obediência aos princípios da legalidade, moralidade, finalidade, motivação e interesse público – Inconstitucionalidade declarada - Ação procedente.” (TJSP, ADI nº 154.602-0/7, j. 10.09.2008, rel. des. Sousa Lima).

(...).

“Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade - Ato normativo municipal que defere complementação a aposentadoria de servidores municipais sujeitos ao regime geral de previdência social, sem a prévia e necessária fonte de custeio - Violação ao princípio do regime previdenciário contributivo, além de vulnerar a moralidade - Ofensa aos artigos 111 e 218, da Constituição Estadual, aplicáveis aos municípios ex vi o artigo 144 da mesma Carta — Precedentes deste Colendo Órgão Especial - Inconstitucionalidade reconhecida- Ação procedente.”(TJSP, ADI nº 158.764-0/4-00, j. 16.07.2008, rel. des. A. C. Mathias Coltro).

 Acrescente-se que os parâmetros violados da Constituição do Estado (arts. 144 e 218) remetem o legislador estadual e o municipal ao respeito a princípios estabelecidos na Constituição da República, o que torna perfeitamente possível o controle concentrado de constitucionalidade perante esse E. Tribunal de Justiça.

Relevante notar que quando do julgamento da ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. des. Renato Nalini, esse E. Tribunal de Justiça acolheu a tese no sentido da possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio estabelecido na Constituição Federal, nos termos do art. 144 da Carta Paulista, ideia integralmente aplicável ao caso em análise.

Ademais, diante de dificuldades orçamentárias que usualmente assolam administrações municipais, e da existência de problemas prioritários em áreas como saúde e educação, fere a moralidade administrativa a aplicação de recursos públicos em complementação de aposentadoria de determinada categoria do funcionalismo, sem indicação da fonte de custeio total.

Cumpre lembrar que a imposição de observância ao princípio do interesse público, tanto na edição normativa quanto nas atividades da administração pública, está presente na regra constitucional que veda o desvio de finalidade (impessoalidade – eficiência: art. 37, caput, da CR/88). Ademais, no mesmo dispositivo vislumbra-se expressamente a necessidade do respeito ao princípio da moralidade administrativa.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido de se reconhecer a procedência desta ação direta de inconstitucionalidade.

 

São Paulo, 09 de novembro de 2011.

       

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

 

 

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