Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n.º 0177940-69.2011.8.26.0000

Autor: Prefeito Municipal de Pirapozinho

Objeto de impugnação: artigo 84 da Lei Orgânica Municipal de Pirapozinho.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 84 da Lei Orgânica Municipal de Pirapozinho. Exigência de prévia autorização legislativa para a aquisição de bens imóveis, por compra ou permuta. Prescindibilidade, na primeira hipótese, por haver previsão em lei orçamentária dos recursos necessários à aquisição de bem imóvel, traduzindo, assim, a exigência de autorização legislativa prévia indevida superfetação, ofensiva, aliás, à razoabilidade e ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5.º). Inconstitucionalidade da expressão “compra ou”. Por outro lado, em que pese à má técnica legislativa utilizada, a permuta é forma de alienação, ato de administração extraordinária, que envolve a disponibilização de bem públicoe, portanto, a exigência de lei autorizadora para sua prática nada tem de inconstitucional. Ação procedente em parte.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

         Trata-se de ação – movida pelo Prefeito Municipal de Pirapozinho – na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade do art. 84 da Lei Orgânica Municipal de Pirapozinho, verbis:

 

Artigo 84 – A aquisição de bens imóveis, por compra ou permuta, dependerá deprévia avaliação e autorização legislativa.

 

         Segundo reza a inicial, com base nesse dispositivo, os vereadores que fazem oposição ao atual governo têm exigido do Prefeito o encaminhamentode projetos de lei à Câmara solicitando autorização legislativa nos casos de desapropriação judicial. Houve, assim, usurpação de competência da União,a quem compete legislar sobre desapropriação (CF, art. 22, inciso II), e violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5.º), pois o exame da conveniência e oportunidade da medida compete exclusivamente ao chefe do Poder Executivo.

         A liminar foi indeferida (fl. 93 e verso).

         Como a disposição normativa impugnada disciplina matéria exclusivamente local, o Procurador-Geral do Estado manifestou desinteresse na sua defesa.

         Notificada, a Câmara Municipal de Pirapozinho, representada por seu Presidente, prestou informações no prazo legal, aduzindo, em contraposição ao pedido, que: o controle abstrato não é o instrumento apto a determinar o sentido e o alcance de uma norma; o Poder Judiciário não pode servir de órgão consultivo.

 

         Em resumo, é o que consta nos autos.

 

         A ação é procedente em parte.

         Com efeito, naquelas situações que envolvam a disponibilização de bens públicos, ato de administração extraordinária, a exemplo da alienação sob a forma de permuta, a exigência de prévia autorização legislativa não soa desarrazoada, tampouco atentatória ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

         Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles leciona que:

 

“Alienação é toda transferência de propriedade, remunerada ou gratuita, sob a forma de venda, permuta, doação, dação em pagamento, investidura, legitimação de posse ou concessão de domínio. Qualquer dessas formas de alienação pode ser utilizada pela Administração, desde que satisfaça as exigências administrativas para o contrato alienador e atenda aos requisitos do instituto específico. Em princípio, toda alienação de bem público depende de lei autorizadora, de licitação e de avaliação da coisa a ser alienada, mas casos há de inexigibilidade dessas formalidades, por incompatíveis com a própria natureza do contrato.

A alienação de bens imóveis está disciplinada, em geral, na legislação própria das entidades estatais, a qual, comumente, exige autorização legislativa, avaliação prévia e concorrência, inexigível esta nos casos de doação, permuta, legitimação de posse e investidura, cujos contratos, por visarem a pessoas ou imóvel certo, são incompatíveis com o procedimento licitatório.(Cf. Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, Malheiros, São Paulo, 28.ª edição, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, DélcioBalestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, pp. 505/506)

 

         Apesar de a má técnica legislativa empregada na redação do aludido artigo–que, além de ser redundante, baralha conceitos jurídicos distintos ao tratar a permuta como forma de aquisição de bem, quando, na verdade, ela realiza, sem dúvida, o mesmo fim que a venda (Cf. Vocabulário Jurídico Conciso, De Plácido e Silva, 2.ª edição, Forense, p. 580), tratando-se, portanto, de forma de alienação –, esse dado é irrelevante, no plano do controle abstrato de normas, para justificar a supressão total da norma.

         Assim, em relação à permuta, nenhuma inconstitucionalidade há a ser declarada.

         Em contrapartida, a exigência de autorização legislativa prévia para a compra de bens imóveis, malgrado os elevados propósitos que orientaram a edição dessa norma, não se afigura razoável, além de ser incompatível com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, consagrado no art. 5.º da Constituição do Estado de São Paulo.

         Deveras, é pressuposto que, no âmbito da Administração Pública, nenhuma despesa poderá ser realizada sem prévia previsão orçamentária (CF, art. 167, I e II). Esse mesmo raciocínio, por óbvio, aplica-se para a aquisição de bens imóveis pelo Poder Público.

         Ocorre, porém, que os projetos de leis orçamentárias, de iniciativa reservada ao Executivo (CF, art. 165, I a III), são submetidos invariavelmente à apreciação do Poder Legislativo, donde se conclui que – para efetuar a compra de bem imóvel – o Prefeito sempre dependerá do aval da Câmara, por meio da aprovação do orçamento, que libera a destinação de recursos públicos para essa finalidade.

         Nesse contexto, a exigência de aprovação de lei específica soa desarrazoada, porquanto implicaria a reapreciação da matéria pela Câmara, que, ao votar e aprovar os projetos de leis orçamentárias, já sabe com antecedência que recursos públicos serão canalizados à aquisição de bem imóvel.

         Se não aquiescer à realização da despesa, a Câmara poderá emendar os projetos de lei orçamentária de forma a desautorizá-la, mecanismo esse que nada tem de inconstitucional, pois que previsto na própria Constituição.

         Segundo Kildare Gonçalves Carvalho, a atual Constituição ampliou o poder de emenda dos parlamentares, que poderão agora alterar a destinação da despesa. Mas, neste caso, deverão indicar os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação da despesa que não se refiram a dotações de pessoal e seus encargos, serviço da dívida, transferências tributárias constitucionais para os Estados, Municípios e Distrito Federal, ou sejam relacionadas com a correção de erros ou omissões ou com dispositivo do texto do projeto de lei.(Cf. Técnica Legislativa, Del Rey, 5.ª edição, p. 202)

         Conclui-se, assim, que a exigência de prévia autorização legislativa para a compra de bens imóveis, nos moldes previstos na disposição normativa em análise, é excessiva e desnecessária, à medida que, ao examinar os projetos de leis orçamentárias (plano plurianual, diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual), a Câmara já exerce o controle prévio do ato ao autorizar ou não a realização da despesa.

         Como se sabe, a razoabilidade constitui obstáculo à atuação indiscriminada do legislador, que, no exercício de sua função legiferante, não pode estabelecer exigências arbitrárias, excessivas, ilógicas ou desproporcionais, a exemplo da prévia autorização legislativa para a compra de bens imóveis, medida totalmente desnecessária ao atingimento dos fins colimados, verdadeira superfetação, tendo em vista que, conforme acima exposto, a Câmara já exerce o controle prévio do ato ao aprovar ou não a realização da despesa.

         De mais a mais, a iniciativa de limitar a ação do Prefeito, criando entraves ao livre exercício de suas prerrogativas, por mero capricho, como tem ocorrido na prática com a exigência de submeter as desapropriações ao prévio controle da Câmara, mediante a interpretação enviesada de dispositivo flagrantemente inconstitucional, revela-se ofensiva ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

         Nessas circunstâncias, o parecer é pela parcial procedência da presente ação tão só para se declarar inconstitucional a expressão compra ou, que é verticalmente incompatível com os arts. 5.º, 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

 

                   São Paulo, 28 de outubro de 2011.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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