Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0178107-86.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Suzano       

Objeto: Lei nº Lei Complementar Municipal n. 192, de 10 de fevereiro de 2011, do Município de Suzano

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito do Município de Suzano, da Lei nº 192/2011, do mesmo município, que dispõe sobre a gratuidade do transporte coletivo aos estudantes de primeiro e segundo graus e nível superior bem como para eventos culturais dentro dos limites do Município. Projeto nascido no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação do princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Criação de despesa, que decorre da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de transporte público, sem indicação do recurso (art. 25, CE). Inconstitucionalidade reconhecida.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, promovida pelo Prefeito do Município de Suzano, em face da Lei nº 192/2011, do mesmo município, que dispõe sobre a gratuidade do transporte coletivo aos estudantes de primeiro e segundo graus e nível superior, bem como eventos culturais dentro dos limites do Município.

Sustenta o autor que a lei padece de inconstitucionalidade, pois foi concebida no âmbito do Poder Legislativo, com vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 5º da Constituição do Estado).

O pedido de liminar foi deferido (fls. 30/31).

O Presidente da Câmara Municipal de Suzano defendeu a constitucionalidade da legislação impugnada (fls. 46/47).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa das normas questionadas, consignando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 43/44).

É o relatório.

Quanto ao mérito, tem-se que o pedido deve ser examinado pelo cotejo da lei impugnada com os arts. 5º, 25, 47, XI, XVIII, 111, 117, 144, 176, I, da Constituição Estadual.

O ato normativo objeto desta ação direta cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao assegurar gratuidade no sistema de transporte coletivo por ônibus, “passe livre”, para ida e volta à respectiva escola ou Universidade, bem como eventos culturais dentro dos limites do Município de Suzano.

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição da Lei nº 192/11, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Dês. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

De outro giro, impõe-se observar que a implantação do transporte gratuito, bem como eventos culturais nos termos contidos nos dispositivos impugnados, trazem ônus ao Erário. A consequência das isenções para o uso do transporte público e de eventos culturais criadas pela lei é o aumento dos encargos do orçamento (art. 176, I, CE), resultante da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

 Em casos similares esse Egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 192/201, do mesmo município, que “dá nova redação ao art. 63 da lei Complementar Municipal n. 146/2004, autorizando o Executivo a conceder aos estudantes de primeiro e segundo graus e nível superior 100% de gratuidade no sistema de transporte coletivo por ônibus, ‘passe livre’, para ida e volta à respectiva escola ou universidade, bem como eventos culturais dentro dos limites do Município de Suzano, e dá outras providências”.

São Paulo, 16 de novembro de 2011.

                                    

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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