Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0178115-63.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Suzano

Objeto: Lei nº 4.445/11, do Município de Suzano

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 4.445/11, do Município de Suzano, que institui o “Dia do Gari e da Margarida”, ao mesmo tempo em que impõe obrigações à Administração relacionadas à data. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição Estadual. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 4.445/11, do Município de Suzano, que “dispõe no âmbito do Município de Suzano sobre o ‘Dia do Gari e da Margarida’, e dá outras providências”.

O autor noticia que o projeto que resultou no ato normativo em questão iniciou-se na Câmara Municipal. Sustenta que, por veicular matéria pertinente a ação governamental, demandaria a iniciativa do Prefeito, divisando, assim, ofensa aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado.  

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 24).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 39/106, prestando informações sobre o processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 36/37).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei em análise institui, no Calendário de Eventos do Município de Suzano, o “Dia do Gari e da Margarida”, “a ser comemorado, anualmente, no dia 5 de junho, data esta considerada como o Dia Mundial do Ambiente” (art. 1º).

A iniciativa – que à primeira vista se afigura inocente – impõe obrigações para a Administração, haja vista a previsão da realização de “evento” sob a responsabilidade dos “órgãos competentes do Poder Executivo” (art. 2º) ou da “ampla divulgação por todos os meios de comunicação e com afixação de faixas, cartazes, outdoor” sobre a importância destes profissionais (art. 3º).

Sem entrar na discussão sobre a relevância do tema, a lei configura, de fato, a quebra do postulado da separação dos poderes, pois foi projetada por Vereador (Sr. Emerson Taboada de Faria).

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art. 5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art. 2º da Constituição Federal. Há também não observância do disposto no art. 47, II e XIV, da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Pela lei impugnada, a Câmara Municipal editou verdadeiro comando de gestão administrativa, ao determinar que a Administração promova evento anual e confira ampla publicidade sobre a importância de determinada profissão.

Não só dispensável, como inviável se mostra a deliberação legislativa nessa matéria, mormente quando verificado que a iniciativa para a edição da lei partiu de parlamentar. Aquilo que a regra determina para a Administração Pública é algo que se encontra, precisamente, no âmbito da atividade executiva.

No caso dos autos, entretanto, existe outro fundamento (invocado pelo proponente), igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, incidente por força do art. 144 da Carta Magna Bandeirante, é fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal. Exige ela que projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que as determinações ditadas pelos arts. 2º e 3º da Lei nº 4.445/11geram despesas para o Erário Municipal, de responsabilidade do Prefeito, inviabilizando, também por esse enfoque, a subsistência do ato normativo.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.445/11, do Município de Suzano, que “dispõe no âmbito do Município de Suzano sobre o ‘Dia do Gari e da Margarida’, e dá outras providências”.

São Paulo, 3 de novembro de 2011.

                                    

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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