Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0188867-94.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí

Objeto: Lei nº 7.555, de 9 de agosto 2010, do Município de Jundiaí

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 7.555, de 9 de agosto 2010, do Município de Jundiaí, que “exige, em salas cinematográficas, exibição de informações de combate à pedofilia e ao abuso sexual de crianças e adolescentes”. Projeto de vereador. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição Estadual. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito, tendo por objeto a Lei nº Lei nº 7.555, de 9 de agosto 2010, do Município de Jundiaí, que “exige, em salas cinematográficas, exibição de informações de combate à pedofilia e ao abuso sexual de crianças e adolescentes”.

O autor esclarece que a lei decorre de projeto subscrito por parlamentar, apontando o vício de iniciativa, pois caberia exclusivamente ao Prefeito encetar a publicidade institucional. Afirma que o ato normativo traduz-se em ofensa aos arts. 25 e 144 da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 24/26).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 39/66, prestando informações sobre o processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se a fls. 35/36.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei em análise decorre do projeto de lei nº 10.472, de autoria de Vereador,  para determinar que “em toda sala cinematográfica, antes da projeção de qualquer filme, serão exibidas informações relativas ao combate à pedofilia e ao abuso sexual de crianças e adolescentes” (art. 1º).

A desobediência ao comando implica em pena de multa (art. 2º).

De fato, essa iniciativa configura a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art. 5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art. 2º da Constituição Federal. Há também não observância do disposto no art. 47 II e XIV da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo, o que abrange, à evidência, a previsão de tempo em sessão de cinema para a veiculação de campanhas institucionais. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Com relação à lei impugnada, a pretexto de legislar, a Câmara Municipal editou verdadeiro ato de gestão administrativa, ao determinar, por via obliqua, que a Administração realize publicidade institucional em todas as sessões de cinema.

Não só dispensável, como inviável se mostra a deliberação legislativa nessa matéria, mormente quando verificado que a iniciativa para a edição da lei partiu de parlamentar. Aquilo que a regra determina para a Administração Pública é algo que se encontra, precisamente, no âmbito da atividade executiva.

Cabe à Administração estabelecer, mediante estudos técnicos ou critérios de conveniência e oportunidade se deve haver ou não a tal publicidade, inclusive porque, embora as regras refiram-se à publicidade “gratuita”, é intuitivo que o programa gera despesas que serão suportadas pelo particular e poderão ser cobradas da Administração.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 7.555, de 9 de agosto 2010, do Município de Jundiaí.

São Paulo, 22 de novembro de 2011.

                                    

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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