Parecer
Processo n. 0190846-91.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Itapeva
Objeto: inconstitucionalidade
da Lei n. 3.225, de 10 de junho de 2011, do Município de Itapeva.
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.225/11 do Município de Itapeva. Iniciativa parlamentar. Proteção à maternidade. Concessão de auxílio financeiro à maternidade de gêmeos. Violação da separação de poderes e da responsabilidade fiscal. Procedência da ação. 1.O controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, pela via abstrata, concentrada e direta, tem como exclusivo parâmetro preceito da Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF), sendo insuscetível o exame de sua compatibilidade ou não com norma infraconstitucional. 2. Admissibilidade, todavia, de sindicância de incompatibilidade com preceito da CF/88 à luz da norma remissiva contida no art. 144, CE. 3. Mercê da proteção à maternidade (art. 203, I, CF) é inconstitucional a criação de benefício da assistência social, em lei de iniciativa parlamentar, desacompanhada da correspondente fonte de custeio, exigida no art. 195, § 5º, CF, cuja observância é determinada explicitamente pelo art. 218, CE. 4. Matéria legislada de ordem financeira e orçamentária (art. 174, § 6º, CE), cuja iniciativa é reservada exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo (art. 174, CE) e não incluída na lei orçamentária anual (art. 176, I, CE).5. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
contestando a Lei n. 3.225, de 10 de junho de 2011, do Município de Itapeva, de
iniciativa parlamentar, sob alegação de violação ao
art. 195, § 5º, da Constituição Federal, e ao art. 17 da Lei Complementar n. 101/00 (fls. 02/11).
2. Concedida liminar suspendendo ex nunc a eficácia da lei impugnada (fl. 37),a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo objurgado
(fls. 43/45) e a Câmara Municipal de Itapeva prestou informações (fls. 51/53).
3. É o
relatório.
4. Preliminarmente, o controle de constitucionalidade de
lei ou ato normativo municipal, pela via abstrata, concentrada e direta, tem
como exclusivo parâmetro preceito da Constituição Estadual, nos termos do art.
125, § 2º, da Constituição Federal.
5. Deste modo, é insuscetível o exame da compatibilidade
ou não da lei impugnada com a Lei de Responsabilidade Fiscal, por se tratar de
norma infraconstitucional.
6. O
art. 144 da Constituição Estadual, que determina a
observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos
princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter
remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia
municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como
averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de
constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel.
Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min.
Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
7. Daí
decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da
Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art.
195, § 5º.
8. A
seguridade social compreende as ações, programas e serviços da assistência
social, como deflui do art. 194, caput,
da Constituição Federal, havendo no § 5º do art. 195 limite à criação,
majoração ou extensão de seus benefícios:
“Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.
9. Cuida-se
de norma de responsabilidade fiscal constante do patamar constitucional.
10. É
bem verdade que a lei local contestada radica-se no art. 203, I, da Constituição
de 1988, que arrola dentre os objetivos da assistência social à proteção à
maternidade, mas, não é possível desviar do contido no art. 195, § 5º, como
expressamente prevê o caput do art.
204.
11. Não
bastasse a vinculação do legislador municipal a esses preceitos da Constituição
Federal, a própria Constituição Estadual, cujas regras são aplicáveis aos
Municípios por força de seu art. 144, prevê expressamente que:
“Art. 218. O Estado garantirá, em seu território, o planejamento e o desenvolvimento de ações que viabilizem, no âmbito de sua competência, os princípios de seguridade social previstos nos artigos 194 e 195 da Constituição Federal.
(...)
Art. 223. Compete ao sistema único de saúde, nos termos da lei, além de outras atribuições:
(...)
X – a garantia do direito à auto-regulação da fertilidade como livre decisão do homem, da mulher ou do casal, tanto para exercer a procriação como para evitá-la, provendo por meios educacionais, científicos e assistenciais para assegurá-lo, vedada qualquer forma coercitiva ou de indução por parte de instituições públicas ou privadas”.
12. Verifica-se
que, a par de vincular-se aos princípios da seguridade social, é dever estatal
prestar assistência à maternidade, mas, desde que observado o conjunto de
regras constitucionais daquela.
13. Há
mais. A matéria legislada é de ordem financeira e orçamentária, como emerge do
art. 174, § 6º, da Constituição Estadual, e sua iniciativa é reservada
exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo à luz do art. 174 da Constituição Estadual
e, para além, como não está incluída na lei orçamentária anual, vulnera o art.
176, I, da Constituição Estadual.
14. Portanto,
é inconstitucional a Lei n. 3.225, de 10 de junho de 2011.
São Paulo, 03
de novembro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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