Parecer
Autos nº. 0203251-62.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeita Municipal de Ribeirão Preto
Objeto: Lei nº 11.341, de 10 de agosto de 2007, do Município de Ribeirão Preto
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Iniciativa parlamentar. Determinação para que a Prefeitura Municipal promova instalação e manutenção de Aparelho Desfibrilador Externo Automático em todas as unidades básicas de saúde. 2) Ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (art. 5º, 47, II e XIV, da Constituição Paulista). 3) Criação de novas despesas sem a indicação da respectiva fonte de receitas (art. 25 da Constituição Paulista). 4) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Prefeita Municipal de Ribeirão Preto, tendo por objeto a Lei nº 11.341, de 10 de agosto de 2007, daquele Município, que “DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DA INSTALAÇÃO E MANUTENÇÃO DE APARELHO DESFIBRILADOR EXTERNO AUTOMÁTICO NAS UBS DA REDE MUNICIPAL DE SAÚDE, CONFORME ESPECIFICA”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi integralmente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi rejeitado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 33).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 45/47, em defesa da constitucionalidade da norma, alegando tratar-se de iniciativa concorrente.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 38/39).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Em
que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se
transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é verticalmente
incompatível com nossa sistemática constitucional.
Este é o teor do ato normativo impugnado:
“Art.1º - Fica por esta lei determinada a instalação e manutenção pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto de aparelho desfibrilador externo automático em todas as unidades básicas de saúde.
Parágrafo Único – Os equipamentos deverão atender às normas de fabricação e manutenção da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e do Instituto Nacional de Metodologia, Normatização e Qualidade Industrial INMETRO.
Art. 2º - As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementada se necessário.”
A lei, de iniciativa parlamentar, cria
obrigações e estabelece condutas a serem cumpridas pela Administração Pública,
prevendo a obrigação de instalar e fazer a manutenção de aparelhos
desfibriladores nas Unidades Básicas de Saúde do município.
Não há dúvida de que, como tal, a iniciativa
parlamentar, ainda que revestida de boas intenções, invadiu a esfera da gestão
administrativa, e como tal, é inconstitucional, por violar o disposto no art. 5º
e no art. 47, II e XIV, da Constituição Paulista.
É ponto pacífico na doutrina, bem como na
jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese
analisada, criou obrigações de cunho administrativo para a Administração
Pública local.
Abstraindo quanto aos motivos que podem
ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta como manifestamente
inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão
administrativa do Município.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa,
que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento,
a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, anotando que “a
Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos
órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a
Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico
e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo
edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de
funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio
constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da
Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza, ademais, que “todo ato do
Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da
Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo,
por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local
(CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito
municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider
Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de
legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na
prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência
que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado
a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que
interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da
separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a
seguir:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
E, mais recentemente,
assim se fez constar no despacho que deferiu a liminar na ADIn 990.10.073579-9:
"Impõe-se, à partida, a apreciação do pedido liminar, que fica deferido.
Evidente o fumus boni júris, pois já proclamada na ADIN nº 154.526-0/0 (Rel. EROS PICELI - J. 08.10.2008 - V.U.), ser inconstitucional lei de vereadora iniciativa que cria obrigação para o Poder Executivo de utilização de papel reciclado.
Digo o mesmo quanto ao periculum in mora, porquanto a obrigação imposta ao promovente de regulamentar a norma impugnada deveras implica, na prática, em sujeição, se não imediata, quase, a interferência, in casu descabida, o planejamento da administração no que tange a execução dos procedimentos licitatórios visando às aquisições de materiais de expedientes para o ano em exercício.
Ademais, não faz o menor sentido manter a eficácia e a vigência, ainda que potenciais, eis que minguante sua regulamentação, certamente, porém, capazes de gerar ao menos atritos entre Legislativo e Executivo locais, de norma que ostenta palpável vício de inconstitucionalidade formal." (ADIn 990.10.073579-9, rel. des. Palma Bisson, j. 1º.03.2010)
Não bastasse o acima
exposto, esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de
normas que criam despesas para o Poder Público, sem a indicação das respectivas
fontes de receita, como no caso em tela, em violação ao disposto no art. 25 da Constituição Bandeirante. Confiram-se, a
título de exemplificação, recentes julgados adiante indicados: ADI
134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI
135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI
135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 11.341, de 10 de agosto de 2007, do Município de Ribeirão Preto.
São Paulo, 8 de fevereiro de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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