Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0210101-69.2010.8.26.0000 (990.10.210101-0)

Requerente: Partido Socialista Brasileiro (PSB)

Objeto: artigos 355-E, 355-F, 355-G, 355-H, 355-I, 355-J, 355-L, 355-M, 355-N, 355-O, da Lei Complementar Municipal nº 158, de 29 de dezembro 1997, com a redação decorrente da Lei Complementar Municipal nº 586, de 30 de dezembro de 2009.

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Taxa de Serviços de Bombeiros. Artigos 355-E, 355-F, 355-G, 355-H, 355-I, 355-J, 355-L, 355-M, 355-N, 355-O, da Lei Complementar Municipal nº 158, de 29 de dezembro 1997, com a redação decorrente da Lei Complementar Municipal nº 586, de 30 de dezembro de 2009, de Marília.

2)      Matéria pacificada no âmbito do STF e do STJ. Precedentes no sentido da constitucionalidade da denominada “taxa de incêndio”, ou “taxa de bombeiros”. Reconhecimento, pelas Cortes Superiores, do caráter específico e divisível dos serviços. Precedentes formados em casos, inclusive, em que a taxa foi instituída por Município.

3)      Parecer no sentido da improcedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), relativamente à denominada “Taxa de Serviços de Bombeiros”, disciplinada nos artigos 355-E, 355-F, 355-G, 355-H, 355-I, 355-J, 355-L, 355-M, 355-N, 355-O, da Lei Complementar Municipal nº 158, de 29 de dezembro 1997, com a redação decorrente da Lei Complementar Municipal nº 586, de 30 de dezembro de 2009, de Marília.

Sustenta o autor que a inconstitucionalidade decorre da desconformidade dos referidos dispositivos legais em relação ao art. 145, III, e ao art. 150, IV, ambos da CF/88. Sinaliza, ademais, com a competência exclusiva do Estado para prestação dos serviços de segurança pública (art. 144 da CF).

Foi indeferido o pedido de liminar (fls. 337).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado defendeu a constitucionalidade dos dispositivos legais impugnados (fls. 531, 533/545).

Foram requisitadas informações à Câmara Municipal e à Municipalidade (fls. 525/528), não apresentadas até o momento (fls. 555).

É o relato do essencial.

Como bem lembrou a Municipalidade na manifestação juntada às fls. 403/404, os dispositivos legais impugnados nesta ação direta foram alvo de representação endereçada à Procuradoria-Geral de Justiça, concluindo-se, naquela oportunidade, pelo não ajuizamento da ação para fins de declaração de inconstitucionalidade, nos termos consignados no parecer de fls. 405/417.

E em que pese a respeitável fundamentação contida na inicial da presente ação, o quadro não se alterou, e a matéria em exame encontra-se pacificada no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Vários julgados foram proferidos no sentido da constitucionalidade das denominadas “taxas de incêndio” ou “taxa de bombeiro”, reconhecendo que se trata de serviço específico e divisível, cuja remuneração pode ser realizada através de taxas de serviços.

Além disso, nesse contexto há julgados que examinaram tanto leis municipais como leis estaduais, levando à conclusão no sentido de que as Cortes Superiores, no exercício de seu papel de uniformização da interpretação e aplicação do direito federal constitucional e infraconstitucional, reconheceram a legitimidade da imposição da referida exação tanto pelos Municípios como pelos Estados.

Essa tese foi firmada pelo Colendo STF quando da análise do RE nº 206.777/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, a respeito da “taxa de incêndio” instituída pelo Município de Santo André, cf. julgamento realizado em 25/02/1999 pelo Plenário do STF, nos termos da ementa a seguir transcrita:

“(...)

TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ. IPTU PROGRESSIVO. TAXAS DE LIMPEZA PÚBLICA E DE SEGURANÇA. LEIS MUNICIPAIS Nº 6.747/90 (ARTS. 2º E 3º); 6.580/89 (ARTS. 1º E 2º. INC. I, ALÍNEA A, E INC. II, ALÍNEAS A E B), e 6.185/85. ACÓRDÃO QUE OS DECLAROU INEXIGIVÉIS. ALEGADA OFENSA INCS. I E II E §§ 1º E 2º DO ART. 145; INC. I E § 1º DO ART. 156; §§ 1º, 2º, 4º, INC. II, DO ART. 182 DA CONSTITUIÇÃO. Decisão que se acha em conformidade com a orientação jurisprudencial do STF no que tange ao IPTU progressivo, declarado inconstitucional no julgamento do RE 194.036, Min. Ilmar Galvão; e á taxa de limpeza urbana (arts. 1º e 2º, inc. I, a, e II, a e b, da Lei nº 6.580/89), exigida com ofensa ao art. 145, inc. II e § 2º, da CF, porquanto a título de remuneração de serviço prestado uti universi e tendo por base de cálculo fatores que concorrem para formação da base de cálculo do IPTU. Declaração da inconstitucionalidade dos dispositivos enumerados, alusivos à taxa de limpeza urbana. Pechas que não viciam a taxa de segurança, corretamente exigida para cobrir despesas com manutenção dos serviços de prevenção e extinção de incêndios. Recurso conhecido em parte, para o fim de declarar a legitimidade da última taxa mencionada. (g.n.)

(...)

Esse julgado passou a servir como paradigma para inúmeros outros nos quais, sucessivamente, foi reconhecida a constitucionalidade da mencionada taxa.

A título de exemplificação, confiram-se os seguintes precedentes: AI 677891 AgR/MG, rel.  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 17/03/2009, 1ª Turma; RE 473611 AgR/MG, rel. Min. EROS GRAU, j. 19/06/2007, 2ª Turma; AI 408062 ED/SP, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 13/06/2006, 1ª Turma; AI 551629 AgR/SP, rel. Min. CARLOS BRITTO, j. 25/04/2006, 1ª Turma; RE 247563 AgR/SP, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 28/03/2006, 1ª Turma; entre outros.

Relevante anotar que na decisão proferida no RE 550.262-7, de 19.03.2009, ao negar seguimento ao recurso extraordinário interposto pela Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, o Ministro relator RICARDO LEWANDOWSKI destacou que:

“(...)

A pretensão recursal não merece acolhida.

A Corte possui entendimento pacífico pela constitucionalidade de taxas cobradas, geralmente por municípios, em razão dos serviços de prevenção, combate ou extinção de incêndios, uma vez que instituídas como contraprestação a serviços essenciais, específicos e divisíveis, a exemplo do julgamento do RE 206.777/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão.

No mesmo sentido, menciono as seguintes decisões, dentre outras: AI 552.033-AgR-ED/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; AI 581.299/SP, Rel. Min. Carlos Britto; AI 560.450/SP, Rel. Min. Celso de Mello; AI 559.708/SP, Rel. Min. Cezar Peluso; AI 478.571-AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes; AI 406.978-AgR/SP, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 516.630-AgR/SP, Rel. Min. Carlos Velloso.

Sobre a competência municipal para instituir a referida taxa, ressalte-se, ainda, que, no caso dos autos, para se chegar ao exame da alegada ofensa à Constituição, faz-se necessário analisar normas infraconstitucionais locais que preveem a divisão de competências entre Estado e Município para executar os serviços de assistência, combate e extinção de incêndios, o que inviabiliza o extraordinário, a teor da Súmula 280 do STF.

No que diz respeito ao argumento da utilização de base de cálculo própria de impostos, no julgamento do RE 576.321-RG-QO/SP, de minha relatoria, o Tribunal reconheceu a repercussão geral da matéria e manteve o entendimento pela constitucionalidade de taxas que, na apuração do montante devido, adotem um ou mais dos elementos que compõem a base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não se verifique identidade integral entre uma base e a outra.

Nesse julgamento, asseverei também que, no cálculo da taxa, não há como se exigir correspondência precisa com o valor despendido na prestação do serviço. Basta uma equivalência razoável entre o valor pago pelo contribuinte e o custo individual do serviço que lhe é prestado.

No caso concreto, o rateio do custo total dos serviços prestados leva em conta a área do imóvel e a carga de incêndio específica (potencial calorífico) para cada tipo de imóvel, o que, decerto, guarda relação mais do que razoável com os serviços custeados pela taxa em questão.

(...)”

No Colendo STJ há análoga situação.

Confira-se, a título de exemplo, o que foi decidido no AgRg no RMS 23719/MG, rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, j. 26/05/2009:

“(...)

TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TAXA DE INCÊNDIO. ESTADO DE MINAS GERAIS. LEI ESTADUAL 6.763/1975, COM REDAÇÃO DA LEI 14.938/2003. LEGALIDADE. 1. É legítima a cobrança da taxa de incêndio instituída pela Lei Estadual 6.763/1975, com a redação dada pela Lei 14.938/2003, uma vez que: a) preenche os requisitos da divisibilidade e da especificidade; e b) sua base de cálculo não guarda semelhança com a de qualquer outro imposto. Precedentes do STJ. 2. Agravo Regimental não provido.

(...)

No mesmo sentido há vários precedentes do Colendo STJ: AgRg no Ag 965067/MG, rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, 1ª Turma, j. 16/12/2008; RMS 21219/MG, rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, j. 21/10/2008; AgRg no AgRg no REsp 1000985/MG, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, 1ª turma, j. 17/04/2008; AgRg no Ag 810852/MG, rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, j. 17/05/2007; entre outros.

Sem novos argumentos ou perspectivas que sinalizem para a possibilidade de modificação do entendimento consolidado dos Tribunais Superiores, aos quais compete, por determinação constitucional, dar a última palavra relativamente à interpretação do direito federal constitucional e infraconstitucional, outra solução não resta a não ser a rejeição da ação direta.

Diante do exposto, nosso parecer é pela improcedência da presente ação.

São Paulo, 09 de setembro de 2011.

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

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