Parecer
Autos nº. 0210546-53.2011.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Bauru
Objeto: inconstitucionalidade da Lei nº 6.097, de 18 de junho de 2011, que alterou o art. 46-A da Lei nº 4.830, de 17 de maio de 2002, do Município de Bauru.
Ementa: 1) Art. 46-A da Lei nº 4.830, de 17 de maio de 2002, acrescido pela Lei nº 6.097, de 18 de junho de 2011, do Município de Bauru. 2) Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Atos típicos de gestão administrativa, que envolvem o planejamento, a direção, a organização e a execução de medidas de governo. 3) Criação de mecanismo de controle externo não previsto na sistemática constitucional. Violação da simetria que deve existir, na matéria, com relação aos modelos constitucionais de controle da Administração. (arts. 33, 144 e 150 da Constituição do Estado). 4) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Bauru, tendo por objeto a Lei nº 6.097, de 18 de junho de 2011, que alterou o art. 46-A da Lei nº 4.830, de 17 de maio de 2002, daquele Município, obrigando “a FUNPREV a prestar contas à Câmara Municipal, mensalmente, do seu movimento financeiro e aplicações”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu se iniciou na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi integralmente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 135 e vº).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 148/153, em defesa da constitucionalidade da norma.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 144/145).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Em
que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se
transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é verticalmente
incompatível com nossa sistemática constitucional.
Este é o teor do ato normativo impugnado, no que interessa:
“Art. 1º - Fica criado na Lei nº 4.830, de 17 de maio de
2002, o artigo 46-A, com a seguinte redação:
‘Art. 46-A – Mensalmente a FUNPREV – Fundação de Previdência
dos Servidores Públicos Municipais Efetivos de Bauru, fica obrigada a prestar
contas à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara Municipal, do seu
movimento financeiro e aplicações, devendo, inclusive, encaminhar junto com
esses documentos, os extratos bancários de todas as contas a eles referentes.’”
Com
tal redação, ficou imposta a necessidade da FUNPREV prestar contas de todo seu
movimento financeiro e aplicações à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara
Municipal, à qual deverá, ainda, encaminhar toda a documentação e extratos
bancários pertinentes a tais movimentações.
Entretanto,
tal exigência, contida no dispositivo impugnado é verticalmente incompatível
com nossa ordem constitucional, face à flagrante violação ao princípio da
separação de poderes (art.5º c.c. o art.144 da constituição Paulista).
É
ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O
legislador municipal, na hipótese analisada, acolheu participação parlamentar
no processo de celebração de convênios, limitando o exercício, por parte do
Chefe do Executivo, da regular administração do Município.
Referido
diploma, na prática, invadiu a esfera da
gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao
princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o
art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros,
2006, p.708 e 712).
Violação da simetria com
relação ao sistema de controle externo.
Também
por outro fundamento se chegará à conclusão de que o dispositivo impugnado é
inconstitucional.
Tanto
a Constituição Federal, como a Estadual, já estabelecem formas de controle
interno e externo, cuja essência deve ser seguida pelo legislador Municipal.
Recorde-se
a propósito o art.31 §1º da CR/88 prevê que o controle externo da Câmara
Municipal sobre o Executivo será “exercido
com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver”.
Por
outro lado, o art.33 da Constituição Paulista prevê que o controle externo seja
exercido pela Assembléia Legislativa, com o auxílio do Tribunal de Contas, com
várias atribuições contidas em seus diversos incisos, que, em linhas gerais,
replicam as atribuições do Tribunal de Contas da União, cf. art.71 da CR/88.
Por
seu turno, o art.150 da Carta Paulista reitera a existência de sistemas de
controle interno,
Deste
modo, dentro das sistemáticas de controle interno e externo, previstas tanto no
texto da Constituição Federal, como na Estadual, não se identifica, nem de modo
distante, metodologia de fiscalização que se assemelhe àquela adotada pelo
legislador municipal, no dispositivo impugnado na presente ação.
A
matéria já foi pacificada pelo E. STF, como se infere dos seguintes
precedentes: ADI 2.911, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em
10-8-06, DJ de 2-2-07; ADI 1.905-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento
em 19-11-98, DJ de 5-11-04; ADI 3.046, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento
em 15-4-04, DJ de 28-5-04; entre outros.
Esse
posicionamento tem, do mesmo modo, sido prestigiado por esse E. Tribunal de
Justiça: ADI 12.345-0, rel. Carlos
Ortiz, j. 15.05.91; ADI 096.538-0, rel. Viseu Júnior, j. 12.02.03, v.u.; ADI
123.145-0/9-00, rel. Aloísio de Toledo César, j.19.04.06 – m.v.; ADI
128.082-0/7-00, rel. Denser de Sá, j. 19.07.06, v.u.
Assim,
o dispositivo impugnado na presente ação, nitidamente: (a) violou o necessário
equilíbrio e harmonia que devem existir entre os Poderes Legislativo e
Executivo; (b) criou sistemática de controle não prevista na nossa ordem constitucional;
(c) desrespeitou, dessa forma, o “modelo” traçado pelo constituinte para
exercício do sistema de “freios e contrapesos”.
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse
E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais
de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo
na violação da regra da separação de poderes: ADI 149.044-0/8-00, rel. des.
Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j.
05.03.2008; entre outros.
Diante do exposto, nosso
parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 46-A
da Lei nº 4.830 de 17 de maio de 202, acrescido pela Lei nº 6.097 de 18 de
junho de 2011, do Município de
Bauru .
São Paulo, 18 de janeiro de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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