Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0223556-67.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Mirassol

Objeto: Lei n. 3.400, de 26 de maio de 2011, do Município de Mirassol.

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, da Lei n. 3.400, de 26 de maio de 2011, do Município de Mirassol, que dispõe sobre a colocação de placa informativa sobre filmagem ambiente. Iniciativa parlamentar. Ato normativo que cria ônus para a Administração decorrente do dever de fiscalizar. Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144, da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito de Mirassol, tendo por objeto a Lei n. 3.400, de 26 de maio de 2011, do Município de Mirassol, que dispõe sobre a colocação de placa informativa sobre filmagem ambiente no Município.

Sustenta o autor que houve usurpação da competência do Prefeito, uma vez que a matéria versada no diploma normativo é da alçada exclusiva do Poder Executivo, por implicar ato de gestão. Haveria, nesse aspecto, violação ao princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE), eis que a norma diz respeito à gestão administrativa.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 28).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

No mérito, deflui dos autos que a Lei em análise decorre de projeto de autoria parlamentar e dispõe sobre a colocação de placa informativa sobre filmagem ambiente no Município. Estipulou-se à Municipalidade o prazo de sessenta dias para regulamentar e por em prática a norma, sendo que todas as despesas com sua execução correriam por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário (arts. 3º e 4º).

A Lei questionada é fruto de iniciativa parlamentar, sendo por essa razão verticalmente incompatível com o nosso sistema constitucional. Desta feita, houve violação do princípio da separação de poderes.

É ponto pacífico na doutrina bem como na jurisprudência que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Em que pese a relevante intenção do parlamentar, o fato é que ela interfere no âmbito da gestão administrativa, e como tal, é inconstitucional.

Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a seguir:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que "dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações remitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).

Não bastasse isso, a lei impugnada provocará, evidentemente, realização de despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes de receita para tanto. Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo. Nesse sentido, apenas a título de exemplificação, confiram-se os julgados a seguir indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade da lei em análise.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei n. 3.400, de 26 de maio de 2011, do Município de Mirassol, que dispõe sobre a colocação de placa informativa sobre filmagem ambiente.

São Paulo, 28 de novembro de 2011.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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