Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0225248-04.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Itatinga

Objeto: Lei Complementar n. 180, de 12 de agosto de 2011, do Município de Itatinga

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei Complementar n. 180, de 12 de agosto de 2011, do Município de Itatinga, que autoriza o Executivo Municipal a isentar pagamento de taxas do IPTU, a proprietários de imóvel residencial portadores de câncer, doenças degenerativas e inválidos por acidentes de trabalho ou seus responsáveis legais, de iniciativa de Vereador, que implica diminuição de receita, com impacto no orçamento. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente. Parecer pela improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Itatinga , tendo por objeto a Lei Complementar n. 180, de 12 de agosto de 2011, do Município de Itatinga, que “autoriza o Executivo Municipal a isentar o pagamento de taxas do IPTU, a proprietários de imóvel residencial portadores de câncer, doenças degenerativas e inválidos por acidente de trabalho ou seus responsáveis legais”.

Sustenta o autor que a lei foi concebida por Vereador e invadiu a seara da administração pública interferindo diretamente na gestão administrativa do município de alçada exclusiva do Chefe do Executivo. Aponta ofensa aos arts. 5º, 37, 47, II e XIV e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

O pedido liminar foi deferido pela R. Decisão de fls. 45.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 55/58).

O Presidente da Câmara Municipal não prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 59).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei Complementar n. 180, de 12 de agosto de 2011, do Município de Itatinga, que “autoriza o Executivo Municipal a isentar o pagamento de taxas do IPTU, a proprietários de imóvel residência portadores de câncer, doenças degenerativas e inválidos por acidentes de trabalho ou seus responsáveis legais”, apresenta a seguinte redação:

 

“Art. 1º - Fica o Poder Executivo Municipal, autorizado a isentar do pagamento de taxas do IPTU, Imposto Predial Territorial Urbano, proprietários de imóvel residencial, portadores de câncer, doenças degenerativas, inválidos por acidentes do trabalho ou seus responsáveis legal.

Art. 2º - Para requerer a isenção do IPTU, o titular do imóvel deverá:

I- Apresentar laudo médico, diagnosticando a doença;

II- Requerer junto ao Departamento de tributação Municipal com comprovação ou diagnóstico da doença;

III- Comprovar ser proprietário ou responsável legal  pelo doente, quando couber.

Art. 3º - No que concerne ao Inciso I do artigo anterior a critério da autoridade competente, serão aceitos diagnósticos provenientes de qualquer instituição ligada ao Sistema Único de Saúde – SUS.

Art. 4º - O benefício da isenção cessa na ocorrência das seguintes situações em relação ao:

I. Proprietário com câncer, falecimento ou cura;

II. Responsável legal: falecimento ou cura do doente.

Art. 5º - O Chefe do Executivo regulamentará a lei no que couber.

Art. 6º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogando as disposições em contrário”.

 

 

O ato impugnado, como se vê, tem a natureza de norma tributária benéfica, porque, concede isenções de IPTU para as hipóteses nele contempladas.

De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.

Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.

Colhe-se, em recente Acórdão, a comprovação dessa assertiva:

 

“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores de deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade” (ADIN nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann).

 

Essa orientação tem apoio em Roque Antonio Carraza.

O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23a ed , 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).

A orientação contrária, no entanto, apóia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).

Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa na lei que institui incentivo fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município.

E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em recente Acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:

 

O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).

Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:

 

EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso (CF, art. 195, § 5º): precedentes (ADI 3205/MS - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 19/10/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 17-11-2006 PP-00047)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS EM SITUAÇÕES PRÉ-DEFINIDAS. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NÃO LEGISLOU SOBRE ORÇAMENTO, MAS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA CUJA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA ENCONTRA-SE SUPERADA. MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE (ADI 2659/SC - Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 03/12/2003, Publicação DJ 06-02-2004 PP-00022)

Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 12 de abril de 2012.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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