Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 0225348-56.2011.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP

Objeto: Lei n. 627, de 19 de outubro de 2001, do Município de Alumínio

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP, tendo por objeto a Lei n. 627, de 19 de outubro de 2001, do Município de Alumínio, que “DISPÕE SOBRE A CARACTERIZAÇÃO E REMUNERAÇÃO DO TEMPO DE AUSÊNCIA DO TRABALHO, DE SERVIDOR MUNICIPAL, NO DESEMPENHO DAS FUNÇÕES DE ADMINISTRAÇÃO SINDICAL OU REPRESENTAÇÃO PROFISSIONAL, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS".   Restrições ao de direito de licença para o exercício de mandato eletivo em sindicato representativo da categoria ou entidade fiscalizadora da profissão.  Norma parâmetro (art. 125, § 1º, CE) aplicável tão somente aos servidores públicos estaduais. Parecer pela improcedência da ação

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP, tendo por objeto a Lei n. 627, de 19 de outubro de 2001, do Município de Alumínio, que “DISPÕE SOBRE A CARACTERIZAÇÃO E REMUNERAÇÃO DO TEMPO DE AUSÊNCIA DO TRABALHO, DE SERVIDOR MUNICIPAL, NO DESEMPENHO DAS FUNÇÕES DE ADMINISTRAÇÃO SINDICAL OU REPRESENTAÇÃO PROFISSIONAL, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS".

Sustenta o autor que a lei em foco é inconstitucional por afronta ao parágrafo primeiro, do art.125, §1º, da Constituição Estadual, que prevê o direito do afastamento do servidor público municipal para ocupar cargo em sindicato de categoria, sem prejuízo de seus vencimentos e demais vantagens.

O Prefeito Municipal prestou informações (fls.124/131), enquanto que o Presidente da Câmara Municipal o fez às fls. 109/120, ambos em defesa da constitucionalidade dos dispositivos atacados.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 102/103).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A preliminar de incompetência do Juízo é de ser afastada, porque no presente caso não se discute o regime do servidor público, mas a constitucionalidade da Lei n. 627, de 19 de outubro de 2001, do Município de Alumínio.   Neste contexto, segue-se o disposto no art. 74, inc. VI da Constituição do Estado de São Paulo, que assim dispõe:

“ARTIGO 74 - Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar originariamente:

(...)

VI – a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, contestados em face desta Constituição, o pedido de intervenção em Município e ação de inconstitucionalidade por omissão, em face de preceito desta Constituição;”

No mérito, a ação é improcedente.

Assim dispõem a norma impugnada, no que interessa:

“Art. 1º - É considerado ‘Licença não Remunerada’, nos termos do disposto no artigo 543, da CLT -
Consolidação das Leis do Trabalho, o tempo em que o servidor público municipal se ausentar do trabalho no desempenho das funções de administração sindical ou representação profissional, incluindo-se, junto a órgão de deliberação coletiva.

§1º - Em caráter excepcional e exclusivo, o Executivo poderá assentir que a ausência do servidor no desempenho da função de Presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Alumínio seja, total ou parcialmente remunerada, nos termos do facultado no parágrafo segundo, do artigo 543, da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho.

§2º - Na hipótese de assentimento, a remuneração corresponderá ao quantum percebido pelo servidor, como se em exercício de suas funções habituais estivesse, observada a proporcionalidade na hipótese de remuneração parcial.

§3º - O assentimento vigorará pelo prazo máximo de seis meses, podendo ser renovado.”

A irresignação do autor é contra a ausência de remuneração para o servidor público municipal que se ausentar do trabalho para o exercício das funções de administração sindical ou representação profissional, incluindo-se, junto a órgão de deliberação coletiva.

A previsão da Constituição Estadual é a seguinte:

“art. 125 - O exercício do mandato eletivo por servidor público far-se-á com observância do art. 38 da Constituição Federal.

§ 1º- Fica assegurado ao servidor público, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e vantagens, nos termos da lei.

A Constituição Federal consagrou o direito à livre associação sindical (art. 8.º, V), inclusive em favor dos servidores públicos civis (art. 37, VI), mas em nenhuma de suas passagens ela trata da questão do afastamento remunerado de servidor eleito dirigente sindical e da possibilidade de recondução ao cargo, matérias essas que, portanto, poderão ser disciplinadas livremente pelas entidades federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), nos limites de sua autonomia administrativa.

                   Nesse sentido, HELY LOPES MEIRELLES ensina que:

                  A competência para organizar o serviço público é da entidade estatal a que pertence o respectivo serviço. Sobre esta matéria as competências são estanques e incomunicáveis. As normas estatutárias federais não se aplicam aos servidores estaduais ou municipais, nem as do Estado-membro se estendem aos servidores dos Municípios. (g.n.)

                   Cada entidade estatal é autônoma para organizar seus serviços e compor seu pessoal. Atendidos os princípios constitucionais e os preceitos das leis nacionais de caráter complementar, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios instituirão seus regimes jurídicos, segundo suas conveniências administrativas e as forças de seus erários (CF, arts. 39 e 169)’ (Cf. ‘Direito Administrativo Brasileiro’, Malheiros, São Paulo, 28.ª edição, 2003, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, p. 403)

Como se vê, na organização de seus serviços e na fixação de regras peculiares ao seu funcionalismo, os Municípios devem obediência apenas aos princípios da Constituição Federal e às leis nacionais de caráter complementar que versem sobre o assunto, não podendo, assim, a Constituição Estadual impor limites a sua autonomia (Cf. Pontes de Miranda, ‘Comentários à Constituição de 1946’, v. 1, p. 486), sob pena de tornar letra morta os dispositivos constitucionais federais que consagram a autonomia municipal (CF, arts. 18 e 30, inciso I).

 Decorre daí que a regra prevista no art. 125, § 1.º, da Carta Política Estadual, não é de observância compulsória pelos Municípios, os quais podem dispor livremente sobre a organização de seu próprio funcionalismo, nos limites da autonomia municipal consagrada nos arts. 18 e 30, inciso I, da Constituição Republicana.

Na verdade, a norma constitucional estadual adotada como parâmetro de controle de constitucionalidade, na presente ação, é que se afigura inconstitucional, porquanto disciplina matéria peculiar ao regime jurídico do funcionalismo, a qual é reservada com exclusividade ao Executivo, ex vi do disposto no art. 24, § 2.º, 4, da Constituição do Estado de São Paulo.

Demais, cumpre obtemperar, a Carta Política em vigor assegura ao servidor público apenas o direito à livre associação sindical, que é consubstanciado na capacidade de filiar-se ou manter-se filiado, mas não o direito ao afastamento remunerado de servidor eleito dirigente sindical, durante o prazo de duração do mandato, inexistindo, portanto, ao contrário do que consta na inicial, omissão estatal na regulamentação de direito expressamente assegurado pela Constituição.

Logo, se esse Egrégio Tribunal de Justiça entender que a regra prevista no art. 125, § 1.º, da Constituição Paulista, é de observância compulsória pelos Municípios, requer-se, antes de ser finalizado o julgamento, a instauração de incidente para a aferição de sua inconstitucionalidade, ante a violação frontal – por esse entendimento – dos arts. 2.º, 30, inciso I, e 61, § 1.º, inciso II, alínea ‘c’, da Carta Federal, os quais consagram a independência e harmonia entre os Poderes, a autonomia municipal e a prerrogativa do chefe do Poder Executivo de deflagrar o processo de formação das leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União.

Diante do exposto, opino pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 8 de fevereiro de 2012.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

fjyd