Parecer
Autos nº. 02286924520118260000
Requerente: Prefeito Municipal de Guarulhos
Objeto: Lei nº 6.888, de 08 de agosto 2011, do Município de Guarulhos
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal de iniciativa parlamentar (Lei nº 6.888, de 08 de agosto 2011, do Município de Guarulhos). Isenção da taxa de inscrição em concursos públicos para o preenchimento de cargos na Prefeitura, Serviço Autônomo de Água e Esgoto, PROGUARU e Câmara Municipal de Guarulhos. Improcedência da ação. 1) A lei local não versa sobre matéria relativa ao regime jurídico dos servidores públicos, dispondo sobre condição para se chegar à investidura em cargo público, momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor público. 2) Inocorrência de vício de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo e, consequentemente, de violação à cláusula de separação dos poderes 3) Precedentes do STF.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida em face da Lei nº 6.888, de 08 de agosto 2011, do Município de Guarulhos, de iniciativa parlamentar, que institui isenção da taxa de inscrição em concursos públicos para o preenchimento de cargos na Prefeitura, Serviço Autônomo de Água e Esgoto, PROGUARU e Câmara Municipal de Guarulhos.
Alega-se violação aos arts. 5º; 24, § 2º, n. 1 a 6; 47, II e XIV; e 144, da Constituição Estadual.
A liminar foi concedida (fl. 40/43).
A Câmara Municipal ofereceu informações em defesa da norma impugnada (fls. 56/62) e a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 53/54).
Preliminarmente,
o parâmetro exclusivo para a fiscalização abstrata de constitucionalidade de
lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual, ainda que reproduza
ou absorva, obrigatoriamente, preceito da Constituição Federal, não servindo a
tal propósito contraste da
lei local com demais dispositivos da Constituição Federal, da Lei Orgânica do
Município e da Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 125, § 2º, Constituição
Federal). Neste sentido:
“as ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a
contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum,
independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias,
leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do
município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00,
Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).
Em situações similares, de isenção da taxa de
inscrição em concurso público prevista em lei estadual de iniciativa
parlamentar, o Supremo Tribunal Federal alijou do contexto a assertiva de
violação ao princípio da separação de poderes e a consequente reserva de
iniciativa legislativa, como se infere dos seguintes arestos cujas ementas são
transcritas:
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N°
6.663, DE 26 DE ABRIL DE 2001, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. O diploma normativo
em causa, que estabelece isenção do pagamento de taxa de concurso público, não
versa sobre matéria relativa a servidores públicos (§ 1º do art. 61 da CF/88).
Dispõe, isto sim, sobre condição para se chegar à investidura em cargo público,
que é um momento anterior ao da caracterização do candidato como servidor
público. Inconstitucionalidade formal não configurada. Noutro giro, não ofende
a Carta Magna a utilização do salário mínimo como critério de aferição do nível
de pobreza dos aspirantes às carreiras púbicas, para fins de concessão do
benefício de que trata a Lei capixaba nº 6.663/01. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada improcedente” (STF, ADI 2.672-ES, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Carlos Britto, 22-06-
“CONSTITUCIONAL. UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO
NORTE: VESTIBULAR: TAXA DE INSCRIÇÃO: ISENÇÃO. LEI nº 7.983/2001, DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO NORTE. I. - Lei nº 7.983/2001, que isenta do pagamento de taxa de
inscrição os candidatos ao exame vestibular da Universidade Estadual do Rio
Grande do Norte: constitucionalidade. II. - ADI julgada improcedente” (STF, ADI
2.643-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 13-08-
Realmente,
não se trata da disposição de matéria afeta ao regime jurídico dos servidores
públicos – como o seria a instituição de vantagem pecuniária ou direito, a
forma de provimento do cargo etc. – nem de requisito para o provimento de cargo
público, mas, de condição para se
chegar à investidura em cargo público, que é um momento anterior ao da
caracterização do candidato como servidor público, em que não incide a cláusula
da reserva de iniciativa legislativa.
Por isso, não procede a alegação de ofensa aos arts. 5º e 47, II e XIV, da Constituição do Estado.
Também não se verifica ofensa aos arts. 174, I a III, e 176, I, da Constituição Estadual porque não se trata de matéria orçamentária cuja reserva de iniciativa pertence ao Chefe do Poder Executivo nem de início de programa ou projeto não previsto no orçamento. Quando muito, a imprevisão obstaria a execução da lei no exercício de sua edição, não nos subsequentes. E nem se arquitete óbice radicado no art. 25 da Constituição Estadual. O preceito normativo veda projetos de lei sem indicação de recursos próprios para fazer face à majoração de despesa pública, não inviabilizando isenções ou reduções tributárias.
Trata-se, outrossim, de matéria tributária, cuja iniciativa legislativa é concorrente e não reservada. Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
Fixadas estas
premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes,
entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser
interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do
processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus
membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
O Supremo Tribunal Federal considera que
o preceito da Constituição Federal contido no art. 61, § 1º, II, b, não é de observância obrigatória nem
simetricamente extensível ao plano constitucional estadual:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 553/2000, DO
ESTADO DO AMAPÁ. DESCONTO NO PAGAMENTO ANTECIPADO DO IPVA E PARCELAMENTO DO
VALOR DEVIDO. BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. AUSÊNCIA
DE VÍCIO FORMAL. 1. Não ofende o art. 61, § 1º, II, b da Constituição Federal
lei oriunda de projeto elaborado na Assembléia Legislativa estadual que trate
sobre matéria tributária, uma vez que a aplicação deste dispositivo está circunscrita
às iniciativas privativas do Chefe do Poder Executivo Federal na órbita
exclusiva dos territórios federais. Precedentes: ADI nº 2.724, rel. Min. Gilmar
Mendes, DJ 02.04.04, ADI nº 2.304, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15.12.2000
e ADI nº 2.599-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.12.02
“III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais” (STF, ADI 3.205-MS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-10-2006, v.u., DJ 17-11-2006, p. 41).
“3. Afasto a alegação de vício formal. Isso porque a Lei n.
8.366 não tem índole orçamentária. O texto normativo impugnado dispõe sobre
matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento
dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa
parlamentar reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta
Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria
tributária. Nesse sentido, ADI n. 3.205, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE,
DJ de 17/11/06; ADI n. 2.659, Relator o Ministro NELSON JOBIM, DJ de 06/02/04,
entre outros” (STF, ADI 3.809-5-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau,
14-06-2007, v.u., DJ 14-09-2007, p. 30).
Examina-se, agora, a alegação de ofensa ao parágrafo único do art. 159 que se liga ao art. 120 da Constituição Estadual.
Independente do entendimento sobre a
natureza jurídica do pagamento compulsório de determinada quantia como
requisito sine quae non para
participação de processo seletivo de natureza pública, e sem embargo de anotar
a índole contratual da tarifa (preço público) que consiste na contraprestação
pecuniária de usuário pela fruição divisível e específica de serviço público comercial ou industrial
prestado pelo poder público, através de suas empresas estatais ou seus
delegados, curial frisar a inexistência de afronta aos dispositivos
constitucionais invocados porque o poder de isentar não pode ser confundido com
a capacidade de fixar tarifas. A isenção de tarifas só pode ser concedida por
lei, como explica Hely Lopes Meirelles (Direito
Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 8ª ed., p. 147), enquanto a
fixação de preços ou tarifas integra o rol de atribuições tipicamente
administrativas do Executivo.
De
outra parte, não há na Constituição Paulista em vigor nenhum dispositivo
expresso que atribua a exclusividade de iniciativa das leis isentivas ao Executivo.
Como se sabe, a iniciativa reservada constitui exceção à regra da iniciativa
geral ou concorrente e, consoante lição básica de hermenêutica da pena de
Carlos Maximiliano, “interpretam-se estritamente os dispositivos que instituem
exceções às regras gerais firmadas pela Constituição” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 16ª
ed., p. 313). Perfilhando esta vetusta lição, o Supremo Tribunal Federal
estratificou o entendimento enunciando que:
“- A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na
instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. - A iniciativa reservada, por constituir
matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação
ampliativa, na medida em que - por implicar limitação ao poder de instauração
do processo legislativo - deve necessariamente derivar de norma constitucional
explícita e inequívoca. - O ato de legislar sobre direito tributário, ainda
que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara - especialmente
para os fins de instauração do respectivo processo legislativo - ao ato de
legislar sobre o orçamento do Estado” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 07-05-
Face ao exposto, opino pela
improcedência da ação.
São Paulo, 2 de fevereiro de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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