Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 0235220-95.2011.8.26.0000

Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP

Objeto: art. 151 e seus parágrafos 1º, 2º e 4º, da Lei Complementar nº 01, de 1º de abril de 1993 (Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Itatinga), com a redação dada pela Lei Complementar nº 112, de 19 de agosto de 2009, do Município de Itatinga

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP, tendo por objeto o art. 151e seus parágrafos 1º, 2º e 4º, da Lei Complementar nº 01, de 1º de abril de 1993, com a redação dada pela Lei Complementar nº 112, de 19 de agosto de 2009, do Município de Itatinga, que “Dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos do Município de Itatinga, Estado de São Paulo e dá outras providências".   Restrições ao de direito de licença para o exercício de mandato eletivo em sindicato representativo da categoria ou entidade fiscalizadora da profissão.  Inexistência, no caso, do dever de legislar. Norma parâmetro (art. 125, § 1º, CE) aplicável tão somente aos servidores públicos estaduais. Parecer pela improcedência da ação

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP, tendo por objeto o art. 151 e seus parágrafos 1º, 2º e 4º, da Lei Complementar nº 01, de 1º de abril de 1993 (Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Itatinga), com a redação dada pela Lei Complementar nº 112, de 19 de agosto de 2009, do Município de Itatinga, que “Dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos do Município de Itatinga, Estado de São Paulo e dá outras providências".

Sustenta o autor que o dispositivo em foco é inconstitucional por afronta ao parágrafo primeiro, do art. 125, §1º, da Constituição Estadual, que prevê o direito de afastamento do servidor público municipal para ocupar cargo em sindicato de categoria, sem prejuízo de seus vencimentos e demais vantagens.

O Prefeito Municipal prestou informações (fls.128/135), em defesa da constitucionalidade dos dispositivos atacados, enquanto que o Presidente da Câmara Municipal deixou transcorrer in albis o prazo legal.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 122/123).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A ação é improcedente.

Assim dispõem os dispositivos impugnados:

“Art. 151 - É assegurado ao servidor o direito de licença para o desempenho de mandato classista em confederação, federação, associação de âmbito nacional ou sindicato representativo da categoria ou entidade fiscalizadora da profissão, ficando a cargo do servidor a escolha pela manutenção ou não de seus vencimentos.

§ 1º - Somente poderá ser licenciado um servidor de cada vez, eleito para o cargo de direção ou representação nas referidas entidades.

§ 2º - A licença terá duração igual à do mandato, podendo ser prorrogada no caso de reeleição e por uma única vez.

§ 3º - O servidor ocupante de cargo em comissão ou função gratificada deverá desincompatibilizar-se do cargo ou função quando empossar-se no mandato de que trata este artigo.

§ 4º - Fica assegurado ao servidor, no exercício de mandato classista de que trata o ‘caput’ deste artigo, o afastamento temporário pelo prazo máximo de 2 (dois) dias por semana, sem prejuízo de seus vencimentos.”

A irresignação do autor é contra as restrições criadas pelos dispositivos impugnados, ou seja, a licença será concedida somente para um servidor por vez, com prorrogação por apenas uma vez, em caso de reeleição, limitada a dois dias por semana.

A previsão da Constituição Estadual é a seguinte:

“art. 125 - O exercício do mandato eletivo por servidor público far-se-á com observância do art. 38 da Constituição Federal.

§ 1º- Fica assegurado ao servidor público, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria, o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e vantagens, nos termos da lei.

A Constituição Federal consagrou o direito à livre associação sindical (art. 8.º, V), inclusive em favor dos servidores públicos civis (art. 37, VI), mas em nenhuma de suas passagens ela trata da questão do afastamento remunerado de servidor eleito dirigente sindical e da possibilidade de recondução ao cargo, matérias essas que, portanto, poderão ser disciplinadas livremente pelas entidades federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), nos limites de sua autonomia administrativa.

                   Nesse sentido, HELY LOPES MEIRELLES ensina que:

         A competência para organizar o serviço público é da entidade estatal a que pertence o respectivo serviço. Sobre esta matéria as competências são estanques e incomunicáveis. As normas estatutárias federais não se aplicam aos servidores estaduais ou municipais, nem as do Estado-membro se estendem aos servidores dos Municípios. (g.n.)

Cada entidade estatal é autônoma para organizar seus serviços e compor seu pessoal. Atendidos os princípios constitucionais e os preceitos das leis nacionais de caráter complementar, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios instituirão seus regimes jurídicos, segundo suas conveniências administrativas e as forças de seus erários (CF, arts. 39 e 169)”’ (Cf. ‘Direito Administrativo Brasileiro’, Malheiros, São Paulo, 28.ª edição, 2003, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, p. 403).

Como se vê, na organização de seus serviços e na fixação de regras peculiares ao seu funcionalismo, os Municípios devem obediência apenas aos princípios da Constituição Federal e às leis nacionais de caráter complementar que versem sobre o assunto, não podendo, assim, a Constituição Estadual impor limites a sua autonomia (Cf. Pontes de Miranda, “Comentários à Constituição de 1946”, v. 1, p. 486), sob pena de tornar letra morta os dispositivos constitucionais federais que consagram a autonomia municipal (CF, arts. 18 e 30, inciso I).

 Decorre daí que a regra prevista no art. 125, § 1.º, da Carta Política Estadual, não é de observância compulsória pelos Municípios, os quais podem dispor livremente sobre a organização de seu próprio funcionalismo, nos limites da autonomia municipal consagrada nos arts. 18 e 30, inciso I, da Constituição Republicana.

Na verdade, a norma constitucional estadual adotada como parâmetro de controle de constitucionalidade, na presente ação, é que se afigura inconstitucional, porquanto disciplina matéria peculiar ao regime jurídico do funcionalismo, a qual é reservada com exclusividade ao Executivo, ex vi do disposto no art. 24, § 2.º, 4, da Constituição do Estado de São Paulo.

Demais, cumpre obtemperar, a Carta Política em vigor assegura ao servidor público apenas o direito à livre associação sindical, que é consubstanciado na capacidade de filiar-se ou manter-se filiado, mas não o direito ao afastamento remunerado de servidor eleito dirigente sindical, durante o prazo de duração do mandato, inexistindo, portanto, ao contrário do que consta na inicial, omissão estatal na regulamentação de direito expressamente assegurado pela Constituição.

Logo, se esse Egrégio Tribunal de Justiça entender que a regra prevista no art. 125, § 1.º, da Constituição Paulista, é de observância compulsória pelos Municípios, requer-se, antes de ser finalizado o julgamento, a instauração de incidente para a aferição de sua inconstitucionalidade, ante a violação frontal – por esse entendimento – dos arts. 2.º, 30, inciso I, e 61, § 1.º, inciso II, alínea ‘c’, da Carta Federal, os quais consagram a independência e harmonia entre os Poderes, a autonomia municipal e a prerrogativa do chefe do Poder Executivo de deflagrar o processo de formação das leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União.

Diante do exposto, opino pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 6 de março de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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