Parecer
Processo n.º 0238544-93.2011.8.26.0000
Autor: Prefeito
Municipal de Ubatuba
Objeto de
impugnação: Lei Municipal n.º 3.388, de 1.º de julho de 2011, de Ubatuba.
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei
Municipal n.º 3.388/2011, de Ubatuba. Lei autorizativa. Só é necessária
autorização legislativa para a prática de atos que a Constituição exige.
Desnecessidade de autorização legislativa prévia para a prática de atos de administração
ordinária. A Câmara não pode impor ao Prefeito a implantação de programas ou
projetos. Violação ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes
caracterizada (CE, art. 5.º). Procedência.
Colendo Órgão Especial,
Eméritos Desembargadores:
Cuida-se
de ação na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade do ato
legislativo em epígrafe, de origem parlamentar, cuja redação é a seguinte:
LEI Nº. 3388 DE 1° DE JULHO DE 2011.
(Autografo nº. 24/11, Substitutivo
n° 01 ao Projeto de Lei n°. 30/10, do Ver. Rogério Frediani - PSDB).
Institui o Programa “A Mulher na
Política”, dispondo sobre medidas de incentivo à participação da mulher na
atividade política.
Romerson
de Oliveira, Presidente da Câmara Municipal de
Ubatuba, Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais,
Faço
Saber que Câmara Municipal aprovou e eu, nos termos do §
8° do artigo 40 da Lei Orgânica do Município, promulgo a seguinte Lei:
Art.
1°.
Fica autorizado ao Poder Executivo a instituir o programa municipal denominado
“A Mulher na Política”, com finalidade de incentivar a participação da mulher
na atividade política.
Art.
2°.
O programa “A Mulher na Política” terá as seguintes ações principais, sem
exclusão de outras, pertinentes ao seu objetivo:
I - conscientização da mulher do
município sobre a importância de sua participação na atividade política;
II - elaboração de material
informativo sobre os meios de participação na atividade política, os
procedimentos para filiação em partido político e demais informações essenciais
a respeito do tema;
III – incentivo as mulh0eres
filiadas a partido político a concorrerem a cargos eletivos e incentivos à
demais a filiar-se a partido político com o qual tenham afinidade ideológica;
IV – viabilização da realização de
palestras, seminários e cursos sobre capacitação e participação das mulheres na
política;
V – incentivo as jovens mulheres
entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos ao alistamento eleitoral.
Art.
3º - Com o intuito de viabilizar as ações e objetivos
previstos nesta Lei, o Município poderá realizar parcerias com outras entidades
e órgãos públicos, com organizações da sociedade civil, fundações de direito
público ou privado e instituições de ensino.
Art.
4° -
Fica a critério do Poder Executivo.
Art.
5° -
Esta Lei entre em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.
Câmara Municipal de Ubatuba, 1º de
julho de 2011.
Romerson
de Oliveira – DEM
Presidente
Segundo consta na inicial, a referida lei versa
sobre atribuições próprias da Administração Pública Municipal, de competência
privativa do Chefe do Poder Executivo, donde caracterizada, na espécie, a
violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes; a lei em
exame também impõe a realização de despesa pública sem indicar a correspondente
fonte de custeio, contrariando, por este aspecto, os arts. 25 e 176, I, da
Carta Estadual.
Houve concessão de liminar (fls. 23/24).
Notificada, a Câmara de Vereadores de Ubatuba
defendeu a constitucionalidade da lei em epígrafe, que não trata de matéria de
iniciativa reservada ao Executivo, sendo, pois, de iniciativa geral ou
concorrente, tampouco gera aumento da despesa pública.
Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Carta
Política Estadual, o Procurador-Geral do Estado defendeu a exegese que
condiciona a sua intervenção – nos processos de fiscalização abstrata – à
existência de interesse estadual na preservação da norma objeto do controle de
constitucionalidade, ausente, porém, neste caso, em que a lei impugnada versa
sobre matéria exclusivamente local.
Em resumo, é o que consta nos autos.
‘Prima facie’,
a correta exegese da Lei Municipal n.º 3.388/2011, de Ubatuba, sugere a
autorização ao Prefeito para a prática de ato [instituição de programa ou
projeto] que prescinde de tal autorização especial, por inserir-se na órbita de
sua atribuição ordinária, a depender apenas da previsão de recursos necessários
a sua implantação nas leis orçamentárias.
Logo, malgrado os elevados propósitos que orientaram
a edição dessa lei, a ação é procedente.
Com efeito, ao autorizar
a implantação de programa de governo, a Câmara
usurpou competência administrativa do Prefeito, que é constitucionalmente
encarregado da gestão dos bens públicos, da publicidade estatal e também do
planejamento, execução, direção e controle dos serviços públicos.
Como se sabe, o Prefeito
é encarregado de exercer a administração superior do Município (CE, art. 47,
II), com o auxílio dos Secretários Municipais, e também da prática dos demais
atos de administração (CE, art. 47, XIV).
Segundo o abalizado
magistério de HELY LOPES MEIRELLES:
O prefeito pode praticar os atos de
administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara.
Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à
conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços
públicos. Para os atos de administração extraordinária, assim entendidos os de
alienação e oneração de bens ou rendas, os de renúncia de direitos e os que
acarretem encargos, obrigações ou responsabilidades excepcionais para o Município,
o prefeito dependerá de prévia autorização da Câmara.
(...)
Advirta-se, ainda, que,
para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras
e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da
Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a
Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras
dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade,
por ofensa a prerrogativas do prefeito (STF, RT 182/466)’ (Cf. ‘Direito Municipal Brasileiro’,
Malheiros, São Paulo, 8.ª edição, 1996, atualizada por Izabel Camargo Lopes
Monteiro, Yara Darcy Police Monteiro e Célia Marisa Prendes, pp. 519/520)
Verifica-se, pois, que a Câmara Municipal de Ubatuba
excedeu claramente os limites constitucionais ao autorizar a implantação do programa
“A
Mulher na Política”, iniciativa que prescinde de autorização
legislativa especial, bastando apenas a previsão genérica nas leis
orçamentárias de recursos suficientes para o atendimento dos novos encargos, numa
clara invasão da órbita de competência do Prefeito, a quem compete exercer, com
o auxílio dos Secretários, a direção superior da administração municipal.
Nessa ordem de ideias, cumpre acrescentar que o só
fato de tratar-se, na espécie, de lei autorizativa não se afigura suficiente
para afastar a eiva de inconstitucionalidade, quer porque o Prefeito não
necessita de autorização para a prática de atos de administração ordinária, a
exemplo da implantação de programa de governo, quer porque implícita na
competência de autorizar a possibilidade de recusar a autorização, com
inegáveis reflexos na separação dos Poderes.
Ainda
que se trate de lei autorizativa, como sugere a leitura de seu art. 1.º, é
injustificável a manutenção dessa lei em vigor, em que pese à existência de
forte corrente doutrinária a qual entende que as leis autorizativas constituem
meras indicações do Legislativo ao Executivo (Cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA, Processo Constitucional de Formação das Leis,
Malheiros, São Paulo, 2.ª edição, p. 332), a
quem caberá sempre avaliar a conveniência e oportunidade de cumprir as suas
disposições.
Na verdade, o Prefeito
necessita de autorização legislativa somente para a prática dos atos
expressamente previstos na Constituição, mero consectário da independência e
harmonia entre os Poderes, de tal modo que a autorização concedida sem previsão
constitucional tipifica nítida intromissão de um Poder na esfera de atribuições
de outro Poder.
Por esse aspecto, aliás, filio-me à
corrente doutrinária preconizada por SERGIO
RESENDE DE BARROS, para quem “a inocuidade da lei não lhe retira a
inconstitucionalidade, ante a invasão de competência material do Poder
Executivo.” (Cf. Leis Autorizativas, Revista do Instituto de
Pesquisas e Estudos, São Paulo, v. 29, pp. 259-267, 2000.)
Por outro lado, não se vislumbra na iniciativa em
comento nenhum atentado aos artigos 25 e 176, inciso I, da Constituição
Estadual, pois a sanção é ato privativo do Executivo e, neste caso, o projeto
de lei foi vetado pelo Prefeito, em obediência ao comando constitucional, mas a
Câmara rejeitou o veto, no exercício de suas prerrogativas constitucionais, e,
de mais a mais, esta dispõe da prerrogativa de autorizar a realização de
despesas não expressamente previstas no orçamento.
Finalmente, a iniciativa em análise soa
desarrazoada, visto que a participação da mulher na política é uma realidade
incontestável e, em reforço a tal argumento, basta ver que atualmente o país é
governado por uma mulher, auxiliada por várias outras representantes do sexo
feminino, ocupantes de postos de destaque na administração federal, não se
tratando, pois, de um segmento que mereça uma atenção diferenciada nessa seara.
Em suma, a Câmara não pode impor ao Chefe do Poder Executivo
a implantação de programa, nem este precisa de autorização legislativa para a
prática de atos de gestão ordinária.
Assim, como está caracterizada a violação dos arts.
5.º, 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, requer-se o julgamento de
procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade, com a ratificação
da liminar.
São Paulo, 28 de novembro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
krcy