Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0245837-17.2011.8.26.0000

Requerente: Sindicato das Empresas e Proprietários de Serviços de Reboque, Resgate, Guincho e Remoção de Veículos no Estado de São Paulo - SEGRESP

Objeto: inconstitucionalidade da Lei n. 3.739, de 26 de junho de 2009, do Município de Atibaia

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.739/09 do Município de Atibaia. Carência ou improcedência da ação. 1. Descabido o controle abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade de lei municipal que autoriza o Poder Executivo do Município à celebração de convênio com o Estado para a cooperação no exercício de competências deste, por se tratar de mero ato administrativo com forma de lei (lei de efeito concreto). 2. Indébito o controle, nesta via estreita, de atos administrativos subjacentes à lei local impugnada e o seu cotejo com preceitos normativos infraconstitucionais. 3. Não viola a competência normativa da União (art. 22, IX e XI, CF) nem a Constituição Estadual (arts. 19, 120 e 144) autorização legislativa para o Município celebrar convênio com o Estado para cooperação na polícia de trânsito da atribuição estadual.

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 3.739, de 26 de junho de 2009, do Município de Atibaia, que autoriza o Poder Executivo à celebração de convênio com a Secretaria Estadual da Segurança Pública para implantação de pátio unificado para recolhimento de veículos, delegando competências estaduais previstas no art. 22 da Lei n. 9.503/97, sob alegação de contrariedade aos arts. 19, 120 e 144, da Constituição Estadual e ao art. 22, IX e XI, da Constituição Federal (fls. 02/10).

2.                Concedida liminar (fls. 107/108), a douta Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se pela improcedência da ação alegando, em suma, que a lei local não tratou de trânsito e transporte e a celebração do convênio tem como objeto competências estaduais delegadas, que convênio não pode ser objeto de controle concentrado e direto de constitucionalidade, e que não há ofensa aos princípios da livre iniciativa, da liberdade e da isonomia (fls. 117/127).

3.                O Prefeito de Atibaia prestou informações sustentando a preliminar de ilegitimidade ativa e o descabimento da ação direta de inconstitucionalidade para o exame de atos administrativos, postulando a improcedência da ação (fls. 148/156).

 

4.                É o relatório.

 

5.                O sindicato autor tem legitimidade ativa, nos termos do art. 90, V, da Constituição do Estado de São Paulo, à vista da sua estrutura associativa e do disposto em seus atos organizativos.

6.                A Lei n. 3.739, de 26 de junho de 2009, tem o seguinte teor:

“Art. 1º. Fica o Poder Executivo do Município da Estância de Atibaia autorizado a celebrar convênio com o Estado de São Paulo, através da Secretaria da Segurança Pública, objetivando a cooperação técnica, material, administrativa e operacional, para a implantação de pátio unificado, delegando competências estaduais de remoção, recolha, guarda e depósito de veículos localizados e/ou apreendidos, em decorrência de procedimento de polícia judiciária ou por infração de trânsito, disciplinando as atividades previstas no artigo 22 do Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997.

Art. 2º. O convênio a ser celebrado obedecerá à minuta padrão do anexo do Decreto nº 52.311, de 29 de outubro de 2007.

Art. 3º. Os serviços de remoção, recolha, guarda e apreensão de veículos, poderão ser terceirizados, mediante prévio procedimento licitatório, obedecidas as regras indicadas no plano de trabalho.

Art. 4º. As despesas eventualmente decorrentes da presente Lei e da execução do convênio correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas quando necessário.

Art. 5º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 6º. Revogam-se as disposições em contrário” (fls. 42/43).

7.                Friso, inicialmente, que é descabido o exame, nesta via estreita e específica, de atos administrativos subjacentes à lei local impugnada, bem como é indevido o cotejo da lei objurgada com preceitos normativos infraconstitucionais.

8.                A lei contém mera autorização fornecida ao Poder Executivo para a celebração típico ato de Administração. Portanto, cuida-se de lei de efeito concreto (ato administrativo apenas com forma de lei), insuscetível de exame no controle abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“(...) O controle normativo de constitucionalidade qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata do ato estatal em face da Constituição da República. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juridicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade. A tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e legitimidade (CPC, art. 3º). (...)” (RTJ 229/25).

9.                Assim sendo, opino, preliminarmente, pela extinção do processo sem resolução do mérito por falta de interesse de agir.

10.              Se superada a preliminar, a ação merece ser julgada improcedente.

11.              Não convence a alegação de invasão da competência normativa federal porque o conteúdo da lei não revela disposição sobre trânsito, transporte ou diretrizes da política nacional de transportes, senão a cooperação entre níveis diferentes de governo para o estabelecimento, no Município, de local destinado à remoção, recolhimento, guarda e depósito de veículos em decorrência das atividades de polícia judiciária ou de infrações de trânsito, assunto esse que é da competência do Estado-membro.

12.              Esse objeto aponta para o exercício do police power não inserido na competência executiva ou normativa da União, como bem discorrido pela douta Procuradoria-Geral do Estado lastreada em acórdão do Supremo Tribunal Federal. Aliás, é longeva a jurisprudência assentando a plena constitucionalidade de convênios desse naipe:

“REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 4124, DE 3.7.84, DO ESTADO DE SÃO PAULO: AUTORIZAÇÃO PARA QUE O PODER EXECUTIVO ESTADUAL CELEBRE CONVÊNIOS COM AS PREFEITURAS MUNICIPAIS, VISANDO A LHES TRANSFERIR A FISCALIZAÇÃO, O CONTROLE E O POLICIAMENTO DO TRAFEGO E DO TRÂNSITO, NAS VIAS, ESTRADAS E EM LOGRADOUROS LOCALIZADOS EM SEUS RESPECTIVOS TERRITORIOS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 8, XVII, LETRA 'N', E SEU PARAGRAFO ÚNICO DA C. F. REPRESENTAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INEXISTÊNCIA DE NORMA CONSTITUCIONAL PROIBITIVA DA DELEGAÇÃO EM EXAME, QUE TAMBÉM NÃO DECORRE DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA C.F., NÃO INCIDINDO A REALIZAÇÃO DE TAIS CONVENIOS NA VEDAÇÃO DA PARTE FINAL DO PARAGRAFO 1 DO ART. 13, CONFORME O ADMITE EXPRESSAMENTE O PARAGRAFO 3 DAQUELE MESMO ART. 13, QUE PREVE A CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIOS ENTRE A UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS PARA A EXECUÇÃO DE SUAS LEIS, SERVIÇOS OU DECISÕES. VOTOS VENCIDOS” (STF, Rp 1.235-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Aldir Passarinho, 05-02-1986, v.u., DJ 26-08-1988, p. 21.033).

13.              Não se anima com a arguição de ofensa ao art. 19 da Constituição Estadual porque a lei local não invadiu competência normativa estadual.

14.              Também não convence a alegada incompatibilidade com os arts. 120 e 139 da Constituição Paulista.

15.              A lei local impugnada não contém qualquer dispositivo referente à fixação de tarifas para remuneração de serviço público, e que segundo o parâmetro invocado (art. 120, Constituição Estadual) é fixada pelo órgão executivo competente na forma estabelecida em lei. Como a lei contestada não usurpa a competência aí mencionada, improcedente é a alegação de sua violação.

16.              Quanto ao art. 139, não se verifica sua ofensa, convindo ponderar que o art. 241 da Constituição Federal sedimenta a cooperação intragovernamental.

17.              A respeito, cabe acentuar que a cognição da Corte está limitada ao confronto direto entre a lei e a norma constitucional indicada como parâmetro de controle, sendo inviável estender esse exame à análise de inconstitucionalidades reflexas ou às questões de fato. Neste sentido:

“A Constituição da República, em tema de ação direta, qualifica-se como o único instrumento normativo revestido de parametricidade, para efeito de fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o STF. (...). O controle normativo abstrato, para efeito de sua válida instauração, supõe a ocorrência de situação de litigiosidade constitucional que reclama a existência de uma necessária relação de confronto imediato entre o ato estatal de menor positividade jurídica e o texto da CF. Revelar-se-á processualmente inviável a utilização da ação direta, quando a situação de inconstitucionalidade – que sempre deve transparecer imediatamente do conteúdo material do ato normativo impugnado – depender, para efeito de seu reconhecimento, do prévio exame comparativo entre a regra estatal questionada e qualquer outra espécie jurídica de natureza infraconstitucional (...)” (STF, ADI-MC 1.347, Rel. Min. Celso de Mello, 05-10-1995, Plenário, DJ 01-12-1995).

18.              Os questionamentos referentes ao contraste da lei com os princípios da liberdade de iniciativa e da igualdade penetram nos domínios interditados ao âmbito de cognição estreita desta via, revolvendo matéria de fato e dependente do exame de prova.

19.              Portanto, a ação é completamente improcedente.

20.              Opino pela extinção do processo sem resolução do mérito por falta de interesse de agir e, se superada a preliminar, pela improcedência da ação.

                   São Paulo, 14 de dezembro de 2011.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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