Parecer
Processo n. 0259730-12.2010 (990.10.259730-0)
Requerente: Prefeita do Município de Rosana
Objeto: inconstitucionalidade
do art. 43 da Lei Orgânica do Município de Rosana
Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Ajuizamento por Prefeita do Município de Rosana. Lei Orgânica do Município de Rosana (art. 43). Recondução dos membros da Mesa da Câmara. Admissibilidade. Improcedência da ação. 1. A norma local permissiva da recondução do mandato dos membros da Mesa Diretora da Edilidade não é inconstitucional porque a proibição de recondução constante das Constituições Federal (art. 57, § 4º) e Estadual (art. 11, § 2º) não é de observância obrigatória. 2. Essa proibição não se erige em princípio constitucional estabelecido, sendo legítima adoção de permissão da recondução pelos Estados e Municípios, em face de sua autonomia político-administrativa (arts. 29 e 30, Constituição Federal). 3. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
contestando o art. 43 da Lei Orgânica do Município de Rosana na redação dada
pela Emenda n. 01/00 por sua incompatibilidade com o art. 11, § 2º, da
Constituição Estadual (fls. 02/09). Deferida liminar (fls. 92), a Câmara Municipal
interpôs agravo regimental (fls. 97/106) e prestou informações defendendo sua
constitucionalidade (fls. 142/153). A douta Procuradoria-Geral do Estado foi
citada (fls. 301/103).
2. É o relatório.
3. O art. 43, da Lei Orgânica do Município de Rosana, com
a redação dada pela Emenda Modificativa n. 001/00, assim dispõe:
“(...)
Art. 43- O mandato da Mesa será de dois anos, permitindo-se a reeleição de qualquer de seus membros para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, independentemente da legislatura.
(...)”
4. A Constituição do Estado de São Paulo assim preceitua:
“Artigo 11 – Os membros da Mesa e seus substitutos serão eleitos para um mandato de dois anos.
(...)
§ 2º - É vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.
5. Desde o regime constitucional anterior, o Supremo Tribunal Federal proclama que os Estados-membros não estão obrigados a seguir o modelo da Constituição Federal, no tópico em que esta proíbe a reeleição, para o período imediatamente posterior, dos integrantes das Mesas das casas legislativas do Congresso Nacional (RTJ 119/964). Sob a Constituição de 1988, esse entendimento foi manifestado várias vezes, assentando a Suprema Corte que a proibição não se erige em princípio constitucional estabelecido, razão pela qual é legítimo que o Estado-membro adote postura diversa:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Ataque à expressão ‘permitida a reeleição’ contida no inciso II do artigo 99 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, no tocante aos membros da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa. - A questão constitucional que se coloca na presente ação direta foi reexaminada recentemente, em face da atual Constituição, pelo Plenário desta Corte, ao julgar a ADIN 793, da qual foi relator o Sr. Ministro CARLOS VELLOSO. Nesse julgamento, decidiu-se, unanimemente, citando-se como precedente a Representação n 1.245, que ‘a norma do § 4º do art. 57 da C.F. que, cuidando da eleição das Mesas das Casas Legislativas federais, veda a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, não é de reprodução obrigatória nas Constituições dos Estados-membros, porque não se constitui num princípio constitucional estabelecido’. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente” (STF, ADI 792-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 26-05-1997, m.v., DJ 20-04-1997, p. 104).
“CONSTITUCIONAL. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA ESTADUAL: MESA DIRETORA: RECONDUÇÃO PARA O MESMO CARGO. Constituição do Estado de Rondônia, art. 29, inc. I, alínea b, com a redação da Emenda Const. Estadual nº 3/92. C.F., art. 57, § 4º. TRIBUNAL DE CONTAS: CONSELHEIRO: NOMEAÇÃO: REQUISITO DE CONTAR MENOS DE SESSENTA E CINCO ANOS DE IDADE. Constituição do Estado de Rondônia, art. 48, § 1º, I, com a redação da Emenda Const. Estadual nº 3/92. C.F., art. 73, § 1º, I. I. - A norma do § 4º do art. 57 da C.F. que, cuidando da eleição das Mesas das Casas Legislativas federais, veda a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, não é de reprodução obrigatória nas Constituições dos Estados-membros, porque não se constitui num princípio constitucional estabelecido. II. - Precedente do STF: Rep 1.245-RN, Oscar Corrêa, RTJ 119/964 (...) - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, em parte” (STF, ADI 793-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 03-04-1997, v.u., DJ 16-05-1997, p. 19.948).
6. Esse
entendimento se aplica aos Municípios, especialmente em face de sua autonomia
político-administrativa estatuída nos arts. 29 e 30 da Constituição Federal,
como registrado nos precedentes específicos do Supremo Tribunal:
“Trata-se de pedido de contracautela formulado pela Câmara Municipal de Pacajús e pelo Município de Pacajús, que, invocando a norma inscrita no art. 4º da Lei nº 8.437/92, pretendem ver suspensa a eficácia de medida cautelar concedida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.
A decisão ora impugnada, proferida em sede de controle normativo abstrato, suspendeu, cautelarmente, a execução e aplicabilidade da norma inscrita no § 1º do art. 33 da Lei Orgânica do Município de Pacajús (redação dada pela Emenda nº 01/98), que permite a reeleição de qualquer dos membros da Mesa Diretora da Câmara Municipal, para um único período subsequente (fls. 25).
(...)
Não posso deixar de considerar, no entanto, na análise deste pedido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, normais de uma vez, já enfatizou a inaplicabilidade, aos Estados-membros e aos Municípios, da cláusula final inscrita no art. 57, § 4º, da Constituição da República (...)
Isso significa, portanto, que as Constituições estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios - tratando-se de eleição para as Mesas Diretoras das respectivas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais - podem autorizar, legitimamente, a recondução dos parlamentares locais ao mesmo cargo, ainda que para exercício em período imediatamente subsequente.
Esse entendimento jurisprudencial da Suprema Corte – que privilegia a liberdade decisória das unidades federadas em matéria de opção política e de exercício do respectivo poder normativo -encontra suporte na autonomia constitucional dos Estados-membros e dos Municípios, a quem a Carta da República - em cláusula revestida de inquestionável coeficiente de federalidade (art. 25 e arts. 29/30) – atribuia regência de temas que se incluem, tipicamente, na esfera de interesses próprios das coletividades regionais e locais.
Na realidade, a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal
Federal, reiterando orientação firmada sob a égide da Carta Política de 1969
(RTJ 119/964), tem proclamado que a norma inscrita no art. 57, § 4º, da
Constituição Federal - no ponto em que esteve a recondução, nas eleições imediatamente subsequentes,
para o mesmo cargo na Mesa Diretora das Casas do Congresso Nacional – não vincula
princípio essencial a que devam obediência as demais unidades da Federação, não
se revelando, por isso mesmo, tal cláusula, suscetível de reprodução
obrigatória nos estatutos fundamentais dos Estados-membros e Municípios (ADI nº
793-RO, Rel.Min. CARLOS VELLOSO - ADI nº 1.528-AP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - Pet nº 1.653-MG, Rel.
Min. CELSO DE MELLO) (...)
Torna-se evidente, pois, que a decisão ora impugnada, proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, divorcia-se, frontalmente, da orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema em análise.
Mais do que isso, a decisão em causa, ao paralisar a eficácia de preceito básico consubstanciado na legislação local, afeta, gravemente, a ordem institucional do Município e restringe-lhe prerrogativa político-jurídica, que, fundada em sua autonomia constitucional, permite-lhe dispor sobre o modo de composição do órgão diretivo de sua Câmara de Vereadores, derivando, precisamente desse ponto, o aspecto de potencialidade danosa que emerge, a meu juízo, do ato decisório em questão.
Assim sendo, tendo presentes as razões expostas – e considerando que a cláusula inscrita no art. 57, § 4º, in fine, da Carta Política não configura padrão de compulsória observância por parte dos Estados-membros e Municípios -, defiro o pedido de contracautela, para, até o definitivo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 98.08224-8, ora em curso perante o E. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, suspender a eficácia da medida cautelar concedida por essa Corte judiciária (fls. 25), restaurando, em consequência, integral aplicabilidade do art. 33, § 1º da Lei Orgânica do Município de Pacajús/CE, na redação que lhe deu a Emenda nº 01/98” (STF, Pet. 1.682-CE, Rel. Min. Celso de Mello, 12-04-1999, DJ 22-04-1999, p. 28).
“Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a e c, da Constituição) que tem como violado o arts. 29 e 57, § 4º, da Constituição federal.
O Tribunal a quo julgou procedente a ação direta de inconstitucionalidade que impugnava dispositivo da Lei Orgânica do Município de Jaboticabal/SP, que limitou o mandato da Mesa da Câmara de Vereadores a um ano.
Sustenta-se no recurso extraordinário que o mandato de dois anos para os membros das respectivas Mesas do Congresso Nacional não é princípio de observância obrigatória pelos entes da federação e que entendimento contrario sensu afronta a autonomia municipal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso.
É o breve relatório. Decido.
O parágrafo 4º do artigo 57 da Constituição Federal está assim redigido:
Art. 57. (...)
§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2(dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente. (EC nº 50/06)
Esta Corte, ao analisar processos em que se discutia a possibilidade de recondução ao cargo e a data para a eleição da Mesa legislativa, firmou entendimento no sentido de que o art. 57, § 4º, da Constituição Federal não é norma constitucional de reprodução obrigatória. Confira-se, por exemplo: ADI 793 (rel. min. Carlos Velloso, DJ de 16.05.1997), ADI 2.371-MC (rel. min. Moreira Alves, DJ de 07.02.2003) e ADI 2.292-MC (rel. min. Nelson Jobim, DJe de 14.11.2008).
Ao apreciar caso análogo ao presente, a ministra Cármen Lúcia assim decidiu: ‘se as disposições contidas no art. 57, § 4º, da Constituição, relativas à vedação à reeleição e à data para eleição da Mesa legislativa não são de reprodução obrigatória pelos Estados-membros, tampouco o prazo de duração do mandato dos membros da referida Mesa deverá sê-lo’ (AI 654.359, DJe de 06.04.2009).
No mesmo sentido: RE 261.710 (rel. min. Eros Grau, DJe de 12.06.2008).
Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido.
Do exposto, dou provimento ao recurso” (STF, RE 243.036-SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 16-04-2010, DJe 29-04-2010).
“
“O acórdão recorrido, por maioria, julgou improcedente pedido em ação direta de inconstitucionalidade que objetivava a declaração de inconstitucionalidade do artigo 56 da Lei Orgânica Municipal de Galiléia-MG, que permite a reeleição dos membros da Mesa Diretora, ao entendimento de que este dispositivo
contraria o artigo 53, § 3º, II, da Constituição Estadual.
Daí o RE, fundado no artigo 102, III, a, da Constituição, em que se alega violação aos artigos 29 e 57, § 4º, da mesma Carta.
O eminente Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, para o fim de inadmitir o RE, assim se pronunciou:
‘(...) Quero crer, no entanto, que o recurso não está a merecer ter seguimento.
E isto porque a tese sufragada pela Corte de origem encontra ressonância na jurisprudência do Pretório Excelso, o que lhe confere razoabilidade suficiente para afastar o cabimento do apelo.
Com efeito, em várias oportunidades, tem o Tribunal de destino se manifestado favoravelmente à tese majoritária adotada pela decisão recorrida, como se infere dos seguintes julgados colacionados em meu voto, quando do julgamento da ADIN (...)’. (fls. 48/50)
A decisão é de ser mantida, por seus fundamentos.
Nego seguimento ao agravo” (STF, AI 331.288-MG, Rel. Min. Carlos Velloso, 05-09-2001, DJ 18-12-2001, p. 37).
7. Face
ao exposto, opinamos pela improcedência da ação.
São Paulo, 23 de novembro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb